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Hoje é sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Prefeitura de Ouro Preto sanciona Lei que estabelece cotas raciais para serviço público municipal

Proposição do vereador Alex Brito estabelece a reserva de 20% das vagas e/ou cargos públicos para negros e/ou pardos, nos concursos públicos e processos seletivos.

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Vereador Alex Brito, autor do projeto de lei, exibe o documento sancionado nesta sexta-feira (13) – Foto: CMOP/Divulgação
Foi sancionada nesta sexta-feira (13), em cerimônia realizada no auditório da Prefeitura de Ouro Preto, a Lei nº 1.274/2022, resultante do Projeto de Lei Ordinária nº374/2022, de autoria do vereador ouro-pretano Alex Brito (Cidadania), que dispõe sobre o estabelecimento de cotas raciais para o ingresso de negros e negras no serviço público municipal em cargos temporários ou efetivos. Os critérios para avaliação são os estabelecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes à autodeclaração racial. Pela Lei, fica estabelecido também que a autodeclaração será obrigatoriamente submetida à avaliação de uma comissão, composta por seis membros, e com, no mínimo, 50% por negros ou pardos.

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O vereador Alex Brito afirmou ter sido, talvez, o dia mais importante em sua jornada no Legislativo ouro-pretano e, em seu discurso, clamou por uma sociedade mais justa, democrática e por mais respeito ao “povo preto de Ouro Preto”. A Lei de cotas raciais para cargos públicos já vigora em mais de 200 cidades do Brasil, e, na sua opinião, em Ouro Preto não poderia ser diferente. “Hoje, que seria o dia comemorativo da abolição da escravatura, nada temos a comemorar. Como disse o Senador Abdias Nascimento: ‘no dia 13 de maio de 1988, nós deixamos de ser escravos e viramos favelados, meninos de rua, indigentes’. Este projeto de Lei, de minha autoria, tende a tentar reparar os crimes que foram praticados contra os nossos antecedentes, os nossos ancestrais. Essas igrejas, esses museus que as pessoas tanto admiram foram feitos pelos nossos, há muito tempo atrás”, discursou o parlamentar.

Ouro Preto possui 70% da sua população autodeclarada negra, segundo o censo do IBGE de 2010, tendo ouro-pretanos descendentes de milhares de pessoas escravizadas no século XVIII. Alex Brito tem sido uma figura atuante na causa da representatividade negra dentro de Ouro Preto. Com sua atuação na Câmara Municipal, foi instituído o Dia da Mulher Negra Efigênia Carabina, bem como foi proibido que ruas e praças sejam nomeadas por personalidades escravocratas da história da cidade.

“Isso é um movimento que estou criando para tentar que mais pessoas cheguem a cargos de alto escalão, tanto na Câmara, como na Universidade e no serviço público de Ouro Preto. Temos 80% de pessoas pretas no Brasil, onde estão essas pessoas, qual cargo elas ocupam? Que podemos sair dos serviços terciários para chegar nas chefias das grandes empresas”, declarou Alex Brito à Agência Primaz.

O prefeito Angelo Oswaldo (PMDB) tem buscado, em seus mandatos, implantar políticas de reparação histórica à população negra. Ele acredita que “a independência do Brasil proclamou a liberdade, mas não deu à população afro-brasileira o direito à liberdade. […] É um momento que precisamos relembrar de tudo isso para renovarmos a nossa luta, o nosso compromisso com as reparações em busca da igualdade e da fraternidade”.

Márcia Valadares, que hoje integra o Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (Compir), afirmou que, apesar de atualmente não estar aliada politicamente ao prefeito, reconhece que sua gestão atendeu muitos pedidos da população negra. Ela agradece ao prefeito Angelo pelo apoio à criação da Casa de Cultura Negra e à Casa de Cultura do Padre Faria. No entanto, acredita que o movimento que deve ser feito é o de conscientização da população negra sobre seus próprios direitos.

Com o início das obras em 2018, a Casa de Cultura Negra foi idealizada para propiciar a realização de atividades sociais e educativas, com o compromisso de valorizar, preservar e divulgar a herança da cultura afro-brasileira no município.

Desde 2017, o Compir atua em Ouro Preto. A sociedade civil visa a elaboração e o desenvolvimento de políticas de promoção da igualdade racial no município, assim como o combate ao racismo, ao preconceito e à discriminação. O atual presidente do Compir, Luiz Carlos Teixeira, também compareceu à cerimônia de assinatura da Lei, e relatou que essa conquista para o povo negro é “apenas o começo“. “A gente precisa avançar mais, precisa lutar por políticas que não sejam apenas de reparação, mas que deem oportunidade para a população negra de Ouro Preto, assim como para os remanescentes da cultura indígena. Essa cidade precisa ser plural, diversa e inclusiva. Nós vamos lutar, sem trégua, até que todos sejamos iguais”, afirmou o ativista.

Adilson dos Santos, referência nacional em pesquisa de políticas de ação afirmativa em Universidades; e atual Pró-reitor Adjunto de Graduação na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), enfatizou sua felicidade em testemunhar a luta de profissionais negros em ambientes majoritariamente brancos (como a Câmara Municipal e a Universidade), pois aponta que muitos profissionais e estudantes, negros e negras, quando chegam em espaços predominantemente brancos, acreditam que tenham “embranquecido”, mas que o racismo permanece existindo, com a mesma força.

Pronunciamento de Adílson dos Santos, Pró-reitor Adjunto de Graduação da UFOP – Foto: CMOP/Divulgação

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Câmara faz cobrança à UFOP

Durante a 27ª reunião ordinária da Câmara de Ouro Preto, realizada na quinta-feira (12), foram aprovados dois documentos que tratam do episódio blackface na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). O primeiro foi a Representação 128/2022, de autoria da vereadora Lilian França (PDT), que solicita esclarecimentos da UFOP a respeito da prática de blackface por moradores de repúblicas da instituição. O segundo foi o Requerimento 132/2022, de autoria de Alex Brito, que requer informações da reitora da instituição de ensino superior, Cláudia Aparecida Marliére, sobre o suposto caso de racismo que ocorreu durante uma festa republicana.

A Representação 128/2022 foi aprovada por oito votos e, em sua motivação, foi ressaltado o artigo 5º da Constituição Federal que prevê que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, igualdade, segurança e à propriedade. A legislação federal ainda diz que “recusar ou impedir acesso a estabelecimentos, recusar atendimentos, impedir ascensão profissional, praticar atos de violência, segregação ou qualquer outra atitude que inferiorize ou discrimine o cidadão, motivada pelo preconceito de raça, etnia ou cor, é enquadrada no crime de racismo pela Lei 7716/89.”

Dia 11/5 tivemos a notícia infeliz do ocorrido no âmbito da UFOP. Sabemos que não são todos e, às vezes, foi um momento infeliz de ideia desses alunos. Queríamos contribuir com a UFOP na elaboração de alguma atitude, ação ou punição para que essa situação de blackface não se repita”, afirmou Lilian França.

Aprovado por 10 votos, o requerimento de Alex Brito consiste em questionamentos à reitora da UFOP sobre quais providências serão tomadas e se haverá um trabalho de conscientização nas repúblicas estudantis. Ele relembra o ato contra o racismo realizado na quarta-feira (11) em frente ao restaurante da Universidade, quando várias entidades, movimentos e estudantes estiveram presentes. “Acho que deveríamos fazer uma carta e mandar para a reitora da UFOP, pedindo algum esclarecimento. Foi ridículo. Durante a manifestação, nem a via de acesso em frente ao RU foi fechada. Isso demonstra o descaso com os pretos da UFOP. Enquanto um movimento de mais de 80 estudantes veio de Mariana para apoiar a causa, nem a via de acesso foi fechada. Isso mostra que a UFOP, além de não ter dado um retorno para a população até hoje, não está nem aí com essa causa”, declarou o vereador.

Alex Brito crê que episódios como esse espantam jovens pretos que sonham em entrar em uma Universidade e não acredita na justificativa dada pelas estudantes que protagonizaram o caso. “Imagine uma pessoa de 15 anos, que tem o sonho de entrar em uma Universidade e vê uma república fazer uma coisa como aquela. Com certeza vai repensar se quer entrar na UFOP e virar chacota. O que eles falaram foi mentira, não vi ninguém pintado de bicho não. Isso é o fim do mundo, não precisamos nem devemos aceitar mais isso” complementou.

O vereador Naércio França (Republicanos) apoiou Alex Brito, ressaltando a importância da luta de classes e da desconstrução histórica que ocorre no Brasil e no mundo nos últimos tempos. “Ouro Preto tem uma raiz sócio-histórica toda voltada para a escravidão. Temos que pensar na transversalidade de políticas públicas e pautas da questão étnico-racial. Lamentamos a postura vergonhosa da UFOP em uma causa tão importante. As medidas cabíveis precisam ser tomadas para se coibir atos vergonhosos e discriminatórios como esse ocorrido na UFOP”, declarou Naércio.

Já Wanderley Kuruzu (PT) acredita que a reitora da UFOP responderá os documentos e disse que ela já tomou as providências para que as responsabilidades sejam apuradas. “O que a professora não poderia fazer é fazer justiça com as próprias mãos e julgamentos sumários”, comentou.

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