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Hoje é sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Educação municipal de Ouro Preto está em crise há mais de um ano

Com escolas em obras, falta de transporte e “dança das cadeiras” na Secretaria de Educação, graves problemas estruturais afetam pais e alunos da rede municipal de ensino.

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Escola Municipal Monsenhor João Castilho Barbosa, ainda em obras, mesmo depois do retorno às atividades presenciais na rede municipal de ensino de Ouro Preto - Foto: Facebook/Isabela Alexandrina
A Prefeitura de Ouro Preto já trocou três vezes, em menos de um ano e meio, a chefia da Secretaria Municipal de Educação. Depois de dois anos de ensino remoto, devido à pandemia, as aulas presenciais foram retomadas na cidade, mas muitos alunos dos distritos e subdistritos enfrentam dificuldades para comparecer à escola, por falta de transporte. Além disso, sete escolas estão passando por obras e, em reunião ordinária na Câmara Municipal de Ouro Preto (CMOP), nessa terça-feira (17), o Conselho Tutelar, acompanhado de alguns pais, denunciaram a administração municipal por violar a garantia de educação para crianças e adolescentes.

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De acordo com a representante do Conselho Tutelar, Lorena Soares, o órgão recebeu inúmeras denúncias por falta de transporte nos distritos e subdistritos de Ouro Preto chegando a ter cinco em apenas um dia. O conselho chegou a se reunir com a Secretaria Municipal de Educação no início deste ano, mas o problema ainda não foi resolvido. O principal obstáculo levantado por Lorena para resolver a situação é que Município diz que o transporte escolar é uma responsabilidade da cooperativa contratada, que, por sua vez, aponta a administração municipal como responsável. “A ineficiência da rota é muito grande. Buscam alguns na parte da manhã, não buscam outros na parte da tarde, buscam alguns alunos e não buscam outros. Nós temos alunos que estão há cinco meses sem ir para a escola em Ouro Preto. A gente vem de uma pandemia, os alunos não querem ficar em casa, eles precisam estar na escola. Tem alunos que vão para a escola por causa de alimentação ou mesmo por proteção. O conselho não pode esperar que seja criada uma lei específica do Município que tange o transporte escolar. Queremos que se crie alguma forma de ofertar, é um direito do aluno”, afirmou Lorena no Plenário.

Além da falta de transporte, de acordo com a representante do Conselho Tutelar, existem outras denúncias de agressões entre crianças e adolescentes, uso de drogas e tentativa de abuso sexual dentro dos veículos de transporte escolar que já são ofertados. Lorena Soares declarou que esses casos acontecem pela falta de um monitor dentro do transporte.

De acordo com a Lei nº 750, de 14 de fevereiro de 2012, é obrigatória a presença de monitores no transporte público. No artigo 2º consta que caberá ao monitor zelar pela segurança e conforto da criança no interior de cada veículo escolar.

O Ministério Público já notificou a Secretaria de Educação de Ouro Preto para apresente. Lorena também divulgou a informação de que há 12 alunos da Cidade Patrimônio que estão estudando em Catas Altas, além de outros seis estão esperando vaga no município catas-altense. De acordo com ela, Catas Altas disponibilizou um microônibus ou um carro para buscar esses estudantes, além de uniforme, material e reforço escolar, já que eles não estavam indo para a escola. “A Prefeitura de Ouro Preto está violando o direito dessas crianças e adolescentes. Fomos à Câmara para denunciar a Prefeitura de Ouro Preto na questão do transporte. É direito. Passados dois anos da pandemia, a prefeitura negligencia o direito dessas crianças e adolescentes. É uma vergonha, Ouro Preto não ter uma legislação do transporte, ter que usar do Estado, que não atende à nossa população. Como nós vamos colocar os nossos filhos dentro de uma Universidade Federal? Até quando nós não vamos incentivar que o próprio povo ouro-pretano frequente a Universidade Federal?”, manifestou outra representante do Conselho Tutelar, Paloma Martins.

Antônio Carlos é pai de alunos do distrito de Santa Rita. Segundo ele, em 2018, seu filho chegou a ter 142 falhas durante o ano por falta de transporte e neste ano acontece o mesmo com a sua filha, que está no oitavo ano da Escola Estadual José Leandro. “Neste ano ela foi na escola apenas cinco dias por falta de transporte. Buscaram outros, mas ela não, e não estamos encontrando ninguém para nos ajudar. Eu acho um absurdo o que está acontecendo. Se não pode buscar a minha filha, então paralisa todo mundo, não busca ninguém. Quero ver se alguém vai pagar professor particular para dar a matéria que o menino perdeu”, declarou.

Lorena Soares, do Conselho Tutelar, fazendo uso da Tribuna Livre para reivindicar o direito das crianças de Ouro Preto irem à escola - Foto: CMOP

Algumas medidas foram propostas poder Executivo por vereadores, para resolver os problemas de acesso escolar na cidade. A vereadora Lilian França (PDT) sugeriu que o colegiado do Conselho Tutelar cobrasse atuação do juiz da Vara Criminal e da Infância e da Juventude, Áderson Antônio de Paulo. Já o vereador Renato Zoroastro (MDB) que, além de professor, esteve na Secretaria de Educação de Ouro Preto por cerca de três meses, além de apontar os problemas que viu enquanto secretário, propôs soluções a médio prazo. “Enquanto estive na secretaria, eu vi um contrato com a cooperativa que deveria ter sido licitado no ano anterior e acabou sendo renovado este ano. O ideal, é claro, era ter feito uma licitação nova e trocar a cooperativa que já estava lá. Não foi feita uma licitação, porque não tinha tempo hábil, o contrato já estava vencendo. Então, fizemos o aditivo de seis meses. Seria interessante, a médio prazo, licitar o transporte escolar, porque o motorista que roda no asfalto e na terra não pode receber praticamente a mesma coisa. Tem que ser considerado o aumento da gasolina também”, afirmou Zoroastro.

De acordo com o vereador Júlio Gori (PSC), o contrato com a concessionária foi renovado em fevereiro, no valor de R$ 27.677.268 e, no parágrafo único do acordo, consta que os preços que estabelecidos no contrato são fixos e irreajustáveis. O membro do poder Legislativo também exibiu um vídeo, durante a reunião ordinária da Câmara Municipal da manhã desta quinta-feira (19), em que ele percorre o caminho de São Bartolomeu para a sede e se depara com uma família fazendo a pé o percurso do distrito até a escola, mesmo sentindo muito frio.

Reformas demoradas

Outra imagem da Escola Municipal Monsenhor João Castilho Barbosa, ainda em obras - Foto: Facebook/Isabela Alexandrina

Pelas redes sociais, vários pais reclamam da demora nas reformas de algumas escolas. As que mais ganharam destaque foram as escolas municipais Monsenhor João Castilho Barbosa, Alfredo Baeta, Rene Giannetti, bem como as creches do bairro Padre Faria e Saramenha.

Durante a reunião ordinária da Câmara, o vereador e professor Matheus Pacheco (PV) disse que a Escola Municipal Monsenhor João Castilho Barbosa era para ter sido entregue nessa quarta-feira. Além disso, na placa da obra, consta que o prazo de realização de obras é de 120 dias. Em contato com a Agência Primaz, o secretário de Obras de Ouro Preto, Antônio Simões, alegou que para quarta estava previsto o encerramento da reforma apenas na parte interna e negou que as intervenções estejam fora do cronograma de obras. “Pode ter atividade escolar enquanto reforma a parte externa, desde que não comprometa a segurança”, declarou.

Quanto à Escola Municipal Alfredo Baeta, com muitas reclamações sobre deformação no piso da área externa, trinca em diagonal na sala de aula e infiltração nos banheiros, Antônio Simões disse que ela vai passar por uma das maiores reformas em escola da cidade. “Será uma reforma tão grande que será [necessário] um processo licitatório independente. Só depende da aprovação do IPHAN para licitarmos. A Defesa Civil faz a avaliação sobre risco de manter as aulas no local, mas até o momento não nos passou nada sobre algum risco não”, afirmou à Agência Primaz.

De acordo com o ex-secretário de Educação de Ouro Preto, Rogério Fernandes, das 45 unidades de ensino da cidade, pelo menos 18 precisavam passar por reformas ainda quando deixou a pasta, em dezembro do ano passado. Antônio Simões combinou com a Agência Primaz de confirmar esse número na manhã de quinta-feira (19), o que não foi feito até o momento da publicação desta reportagem.

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Crise na Secretaria de Educação

A instabilidade na chefia da Secretaria de Educação começou na gestão de Rogério Fernandes, que afirmou, à Agência Primaz, ter administrado a pasta em conjunto com a então secretária adjunta, Deborah Etrusco. Rogério foi exonerado no dia 20 de dezembro, a pedido. Para o ex-secretário, há uma forma de organização na Prefeitura de Ouro Preto que utiliza uma espécie de centralização no planejamento, fato que o afastou da vontade de seguir à frente da pasta. “Eu não quis continuar sendo um secretário para apenas assinar papéis, assumindo o risco de ser um ordenador de despesa. A pouca autonomia do secretário de Educação desestimula pessoas sérias que querem estar à frente de uma pasta que exige muita dedicação”, afirmou.

De acordo com Rogério Fernandes, o contrato das obras nas escolas e do transporte escolar é assinado pelo secretário de Educação, mas a responsabilidade de execução é da pasta de Planejamento, chefiada por Crovymara Elias Batalha. Dessa forma, ele optou por retornar para Belo Horizonte, onde assumiu a diretoria de planejamento, gestão e finanças da Secretaria de Meio Ambiente da capital do Estado.

Nessa ocasião, Deborah assumiu como secretária interina da Educação, até a posse de Renato Zoroastro, em 04 de janeiro. Porém, ele ficou cerca de três meses na pasta e retornou à Câmara Municipal. Deborah, que havia retornado ao cargo de adjunta, assumiu a pasta, em definitivo como secretária. Porém, o prefeito manteve, como acordo político, Celsinho Maia, membro do partido de Zoroastro (MDB), na secretaria. Deborah é filiada à Rede. Rogério disse que não tem partido e que procurou fazer uma gestão técnica.

Renato Zoroastro revelou à Agência Primaz que se deparou com muitos problemas na Secretaria Municipal de Educação por falta de planejamento no ano anterior (quando Rogério Fernandes estava à frente da pasta). “Algumas coisas que a gente vem sabendo sobre falta de insumo, durante muitos anos, todas as licitações da Secretaria de Educação foram feitas dentro da própria pasta. Por opção, agora, foram realizadas licitações unificadas que têm prós e contras. Acredito que alguns insumos faltantes estejam relacionados ao atraso de todo o processo de licitação, quando ela é unificada”, disse.

Rogério respondeu ao comentário feito por Zoroastro dizendo que o vereador fazia a mesma crítica antes de passar pela pasta da Educação, mas ficou na secretaria por menos tempo que ele. Além disso, segundo Fernandes, durante o seu tempo como secretário de Educação, havia a orientação da Secretaria de Fazenda, liderada por Felipe Pinho, sobre uma lei federal que obrigava a comprar produtos de mesma natureza de forma conjunta com outras secretarias, caso fossem semelhantes. “Achei que, pelo menos, o discurso dele iria mudar, mas vamos em frente. Sobre as compras, a Secretaria de Educação dispõe de uma servidora efetiva que lida com contratos, licitações, convênios e parcerias. Todos os servidores desse setor, que deveria ser essencial para a pasta, entraram junto comigo por indicação política, seja dos vereadores, do prefeito ou da vice-prefeita. São servidores que estavam aprendendo no processo. Quando o Renato fala em aquisições conjuntas, como vou licitar numa secretaria com [apenas] uma servidora efetiva?”, declarou.

A Agência Primaz tentou fazer contato com a atual secretária de Educação de Ouro Preto, Deborah Etrusco, via ligação telefônica por quatro vezes e com cinco mensagens via WhatsApp nessa quarta-feira, porém não houve resposta.

Transporte escolar

Para Zoroastro, além da falta de licitação, a crise causada pela pandemia também prejudicou a oferta de veículos para atender o transporte escolar. Quando assumiu a secretaria, Renato notou que faltavam quase 100 carros da cooperativa e que, durante os tempos graves de Covid-19, aproximadamente 30 automóveis estavam cadastrados. “Com a pandemia, muitas dessas pessoas (motoristas cooperados) ficaram sem emprego. Alguns migraram para outro trabalho, outros venderam os veículos e, de um ano para o outro, não foi tão fácil suprir essas lacunas. Hoje a gente vê muitas pessoas reclamando da questão do vale-combustível. É necessário que a cooperativa faça um ajuste, porque é prática dela dividir o cartão combustível ao longo dos meses. Porém, com o aumento da gasolina, esse valor continua sendo o mesmo do ano passado”, declarou.

Preocupação

Um fato ganhou destaque na preocupação de Rogério Fernandes enquanto secretário de Educação de Ouro Preto. Trata-se da constante adesão a atas de registro de preço, além da ausência de um Concurso Público na cidade — algo que não acontece há 12 anos. “É uma verdadeira tragédia, porque impacta diretamente na maior pasta da cidade. A Educação é uma pasta maior que muita prefeitura do interior de Minas Gerais. Se for olhar os números da Secretaria de Educação, só na cooperativa de transporte são 160 veículos e 45 unidades de ensino”, opinou.

Não houve licitação, de acordo com Rogério Fernandes, porque não há quadro de servidores o suficiente para isso. Ao mesmo tempo, a Secretaria de Educação, segundo ele, é a de mais recurso do Município. Rogério afirmou ter assinado uma ata de registro de preço no valor de R$7,9 milhões só para reforma em escolas, além de ter deixado R$16 milhões em caixa, sendo aproximadamente R$2 milhões vindo de uma correção de um erro que vinha acontecendo sistematicamente na pasta que era o pagamento de servidor terceirizado que estava em outra secretaria. “Já havia a pressão por reformas nas escolas, por exemplo e ela se intensificou em março do ano passado. Mas não é o secretário de Educação que coloca o edital de obras na praça, quem coloca é o secretário de Obras. O uso desses R$ 16 milhões em caixa era para atacar o sucateamento no campo da educação infantil. A condição das creches em Ouro Preto é vergonhosa, vexatória e desumana. A maioria das creches funcionam em casas alugadas que não oferecem as condições adequadas para as crianças. Minha ideia era promover desapropriações para utilizar o recurso na construção de escolas infantis dignas”, continuou Rogério Fernandes.

Angelo Oswaldo assinou um decreto no final do ano passado em que passa para a Crovymara Batalha o controle efetivo do transporte, incluindo o da Educação. A secretária municipal de Planejamento, no entanto, alegou que a gestão do contrato com a cooperativa é responsabilidade da Secretaria de Educação. Uma coincidência apontada por Rogério Fernandes é que a empresa responsável pela estrada de Lavras Novas — que já se deteriorou e causou revolta na população do distrito — no governo do ex-prefeito de Ouro Preto, Júlio Pimenta, é a mesma que foi escolhida para realizar a reforma das escolas. Trata-se, segundo Rogério, da Construtora Sinarco, que foi alvo de investigação do Ministério Público por suspeita de receber pagamentos irregulares durante o governo de Fernando Pimentel em Minas Gerais.

Saída de Zoroastro

Vereador Renato Zoroastro, em manifestação durante a 28ª reunião ordinária da Câmara de Ouro Preto - Foto: CMOP

Ao falar da razão de sua saída da Secretaria Municipal de Educação, Renato Zoroastro bateu na tecla sobre transparência e falou dos desafios de iniciar as atividades presenciais nas unidades de ensino. Ele disse que, além de cobrar a Secretaria de Obras para que as reformas nas escolas fossem realizadas de forma mais rápida, buscou espaços adaptados para os alunos das unidades que demorariam a estar prontas, como foi o caso das comunidades de Santo Antônio do Leite, Coelhos e Piedade de Santa Rita. “Questionamos bastante um cronograma de entrega das obras para que a gente pudesse tranquilizar os pais, porque estava muito no escuro quando as obras ficaram prontas. Até o tempo que eu estava na secretaria, esse cronograma não tinha chegado. Cobramos, também, o custo de cada obra, o projeto, coordenadores e diretoras perguntaram o que seria feito, mas não conseguimos obter essas informações. Foi somatizando essas ações e acabou que dessa maneira eu não poderia continuar no cargo”, declarou.

Renato afirma conhecer de perto as pessoas que trabalham tanto na Secretaria de Educação quanto nas escolas e creches. Ele disse que continuará a fiscalizar a pasta da mesma forma que fazia antes de assumi-la. “Sabemos que esses dois anos de pandemia podem ter atrapalhado o planejamento e muita coisa poderia ter sido feita no início de 2021, mas isso, infelizmente, não aconteceu”, finalizou.

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