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Hoje é sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Moradores de Antônio Pereira questionam mancha da barragem apresentada pela Vale

De acordo com a mineradora, a área que seria afetada em um eventual rompimento de Doutor reduziu, excluindo 40 edificações da Zona de Salvamento.

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Reprodução da nova mancha da barragem de Doutor - Foto: Imagem recebida via WhatsApp
Em reunião com a Defesa Civil, Ministério Público e moradores de Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto, na noite dessa quarta-feira (25), a Vale informou que a mancha hipotética de inundação da Barragem Doutor, na mina Timbopeba, reduziu mais de 15%, correspondendo a 13km. Com isso, mais de 40 edificações deixam de integrar a Zona de Autossalvamento (ZAS). Segundo a Vale, a redução da área foi validada pela empresa SLR, auditora do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), após a conclusão de estudo que considerou a diminuição do volume de água devido à condição atual do vertedouro, maior detalhamento do modelo e conhecimento do material do reservatório, entre outros fatores. Na atual situação, segundo a Vale, será possível o retorno de algumas das famílias anteriormente deslocadas, mas a nova mancha vai exigir a realocação de outras duas.

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Dentre as 40 edificações que deixaram de fazer parte da ZAS da barragem Doutor está o Clube Samisa, além de casas. Portanto, muitas famílias poderão retornar às suas casas de origem, caso queiram, e o clube poderá retornar com o seu funcionamento. Ainda não se sabe o número certo de pessoas que terão a permissão de retornar para casa, já que as avaliações em campo estão sendo realizadas pela Defesa Civil, em conjunto com a Vale. A mineradora informou que discutirá o retorno em conjunto com cada família e que respeitará os interesses delas.

Entretanto, com o atual desenho da mancha, duas famílias precisarão ser realocadas de forma preventiva, uma de Antônio Pereira e outra da Vila Residencial Antônio Pereira. De acordo com a Vale, ambas já foram comunicadas e vão receber suporte da empresa na escolha e mudança para moradias temporárias. “É importante ressaltar que não houve alteração na condição de segurança da barragem Doutor. A estrutura, que está em processo de descaracterização, permanece em nível 1 de emergência e é monitorada 24 horas por dia, sete dias por semana”, declarou a Vale em seu comunicado.

A Vale havia informado à Defesa Civil Municipal sobre a nova mancha na semana passada e o órgão público sentiu a necessidade de que houvesse uma apresentação dessa informação para os moradores de Antônio Pereira. “Aconteceram alguns momentos tensos na reunião, dadas as condições psicológicas de afetamento da vida das pessoas no distrito. Pessoas desabafando e fazendo questionamentos, até um pouco exaltadas. Nós compreendemos e respeitamos esse sentimento da comunidade. Mas o desejo da Defesa Civil era exatamente esse, de promover o diálogo da empresa com a comunidade”, explicou o secretário de Defesa Social de Ouro Preto, Juscelino Gonçalves, à Agência Primaz.

Em relação ao descomissionamento, o secretário afirmou que a Defesa Civil tem acompanhado, embora não seja uma competência do órgão, mas sim da Agência Nacional de Mineração (ANM), entre outros órgãos ambientais. Especificamente sobre o descomissionamento, a proposta foi apresentada e aprovada pela ANM, tendo em vista a nova legislação vigente em Minas Gerais, que exige a descaracterização das estruturas de barragens a montante. “A Defesa Civil acompanha esse processo, verificando e avaliando se está sendo cumprido o projeto apresentado e aprovado pela ANM. Esse é unicamente o nosso trabalho, de acompanhamento da execução do projeto aprovado pela ANM. Em caso de alguma anomalia, de algum questionamento, a Defesa Civil faz o questionamento à empresa, encaminha as respostas da empresa tanto pra ANM quanto para o Ministério Público, uma vez que há uma ação civil pública em andamento em relação ao descomissionamento e a barragem como um todo no distrito de Antônio Pereira”, complementou Juscelino.

Descontentamento da comunidade

A reunião aconteceu na Escola Daura de Carvalho, com o comparecimento de aproximadamente 150 pessoas. A comunidade de Antônio Pereira não se mostrou satisfeita com a apresentação feita pela Vale e questionou a empresa sobre alguns levantamentos topográficos, como, por exemplo, na Rua Irineu Faria, onde existe um vale situado abaixo do nível do rio. A população teme que, em caso de ruptura da barragem Doutor, a água que descer junto com a lama venha a cair nesse vale.

Gostei muito da atitude da comunidade, a comunidade mostrou pra Vale, mostrou pro poder público, que ela não está adormecida. [Diante dos questionamentos] a Vale ficou sem resposta, marcando conosco novamente uma nova reunião, com menos pessoas para que a gente possa detalhar, fazer alguns levantamentos com a comunidade, e a comunidade detalhar alguns pontos dessa nova mancha que eles acham que está errado. Assim, a Vale vai trazer o pessoal da geotecnia, da agrimensura, para fazer um levantamento mais apurado em campo, junto com a Defesa Civil, junto com os gerentes e junto com a comunidade”, contou Wemerson Rodrigues, presidente da Associação de Moradores de Antônio Pereira, em áudio encaminhado à Agência Primaz e à Rádio Real FM.

O representante da comunidade do distrito também criticou a qualidade do som levado pela Vale para realizar a reunião, que teria dificultado a compreensão dos moradores. “Ninguém conseguia ouvir nada. Mas isso era estratégia da Vale ‘pra’ que as pessoas ficassem confusas. Porque estava muito cheio, então quem estava nos fundos, nos lados, não ouvia nada. Só quem estava muito próximo à caixa, e mesmo assim, era uma caixinha dessas aqui que compra no Shopping Oiapoque, por R$50 ou R$100”, relatou Wemerson.

Segundo o presidente da associação de moradores, houve um trabalho de mobilização, com carro de som passando de rua em rua, para que o maior número de pessoas possível comparecesse à  reunião. Ele considera que essas ações são de extrema relevância para que a população de Antônio Pereira consiga manifestar o descontentamento em relação ao impacto causado pelo descomissionamento da barragem Doutor. “Juntos, iremos lutar para que possíveis soluções e que possíveis respostas possam ser concretas, tirando o medo e a ansiedade. Tem pessoas que estão sendo medicadas, pessoas que não estão dormindo direito. Pessoas não conseguem dormir com medo da barragem romper. Mas fico muito feliz e muito satisfeito de ver uma comunidade trabalhando em conjunto. Se todos nós continuarmos no mesmo objetivo, pode ter certeza que Antônio Pereira vai caminhar para a vitória. Infelizmente, lutar contra uma gigante é muito difícil. Mas se unirmos forças, com certeza não existe uma palavra chamada ‘impossível’”, finalizou Wemerson.

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Ação judicial

No dia 3 de maio, o Comitê Municipal de Direitos Humanos de Ouro Preto promoveu uma reunião com os moradores de Antônio Pereira para tratar sobre os danos causados pelo risco de rompimento e pela descaracterização da estrutura, além de um processo que a mineradora move contra a comunidade.

A partir de uma paralisação na MG-129, no trevo de acesso a Bento Rodrigues, distrito de Mariana, promovida pelos atingidos de Antônio Pereira no dia 1º de dezembro, a Vale entrou com uma ação judicial contra a comunidade para que os moradores se abstenham de bloquear os acessos às suas dependências, sobretudo à Mina Timbopeba. Em primeira instância, a Justiça indeferiu o pedido da mineradora, que recorreu e conseguiu uma nova decisão, dessa vez favorável. De acordo com os advogados dos atingidos, a comunidade também irá recorrer e travar mais um embate judicial com a empresa.

Barragem Doutor, que passa por um descomissionamento, causando vários prejuízos aos moradores do distrito de Ouro Preto - Foto: Divulgação/Vale

Ainda em fevereiro de 2020, as primeiras famílias de Antônio Pereira foram retiradas de suas casas para iniciar o plano de descaracterização da barragem de Doutor. Em abril do mesmo ano, a Vale elevou o nível de emergência da estrutura para nível 2 da escala de rompimento. Desde então, a comunidade busca a reparação dos danos causados pelas ações da mineradora no distrito. Em maio de 2021, a barragem voltou ao nível 1 de emergência, mas cerca de 144 famílias foram removidas de suas casas. Algumas puderam retornar após a estabilização do nível de emergência da barragem, mas outros permanecem em hotéis e casas alugadas pela Vale.

Além de reparação de danos à saúde, lazer e qualidade de vida, os moradores de Antônio Pereira também cobram pelo direito de terem uma Assessoria Técnica Independente (ATI) durante o processo de reparação dos danos causados pela Vale no distrito. A mineradora também recorreu judicialmente dessa decisão e ainda não há uma definição sobre a garantia da ATI para a comunidade.

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