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Hoje é segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Câmara discute aumento do número de casos de suicídio em Mariana – Parte 2

Área da Saúde Mental do município acredita que há subnotificação das ocorrências e estuda ampliação do quadro técnico

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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Com a ocorrência de seis casos nos últimos 30 dias, em Mariana, a Câmara de Mariana convidou integrantes da área de atenção psicossocial do município, secretarias municipais e representantes do Conselho Municipal de Saúde para um debate, realizado em formato online na última segunda-feira (23), durante reunião das comissões internas da Câmara. Foram dadas explicações sobre o funcionamento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), debatidas as questões relacionadas ao quadro de funcionários e definida a constituição de uma comissão para desenvolvimento de estudos sobre as ações necessárias e monitoramento da situação.

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No início da reunião ordinária realizada em 16 de maio, diante da ocorrência de mais dois casos de autoextermínio, o Presidente da Câmara Municipal de Mariana quebrou o protocolo (leia a Parte 1 desta reportagem), convidado o Subprocurador Luciano Guimarães para falar sobre a questão e, em seguida, fez a proposição de convocação dos integrantes da área de saúde mental do município, para discussão do tema.

Na manhã da última segunda-feira (26), após as discussões dos projetos em pauta, o vereador Fernando Sampaio (PSB) passou a palavra a Ronaldo Bento (PSB), que fez uma exposição dos motivos da reunião, em especial quanto ao funcionamento do setor, capacidade de atendimento e casos notificados. “Começando com a pergunta que o vereador Ricardo fez na reunião passada, saber se essas pessoas que, fatalmente, foram acometidas pelo suicídio, se estavam sendo tratadas pela equipe de Saúde daqui da nossa cidade, se nós temos planos de ações, se vocês conseguem trazer o número real que nós temos aí, de 60 dias para cá, e também é se há, um start de uma força-tarefa já montada, para que nós consigamos chegar dentro desses lares e poder dar uma ajuda a essas pessoas que estão aí, de uma certa forma, ceifando a vida e deixando uma ferida que não irá cicatrizar para os seus entes, para sua família”, questionou o Presidente da Câmara.

Citando sua proximidade pessoal com algumas pessoas que cometeram suicídio recentemente, Ronaldo conclamou os participantes para o estabelecimento de uma política agressiva de ação para enfrentamento do problema. “Eu posso dizer aqui que essas cinco pessoas que eu disse são pessoas muito próximas, né? Que a gente possa ter uma política hercúlea, célere, para a gente tentar. Pelo menos uma vida que nós salvarmos, nós já estamos fazendo demais”, finalizou.

Antes de passar a palavra ao corpo técnico convidado, Fernando Sampaio perguntou sobre o quadro de pessoal existente, fazendo menção a relatos de excessiva demora para o acolhimento, nos casos de primeira consulta. “Eu só queria complementar, para saber quantos psicólogos nós temos hoje no município? E qual o tempo, geralmente, que gasta para uma consulta, para o atendimento de uma pessoa. Quando a pessoa é encaminhada, qual o tempo que gasta para a primeira consulta dessa pessoa também?”.

Em sua fala, o coordenador da área de Saúde Mental, Jesse Catta Preta, ressaltou a importância da iniciativa, destacando a gravidade da situação e fazendo um alerta em relação aos cuidados que devem ser tomados, inclusive, na própria discussão do tema. “Acho muito importante a gente ter esse momento, a gente ter essa conversa. Infelizmente, acho que isso provoca uma situação séria, grave, que a gente ‘tá’ lidando no município, mas tem que ser tratada da melhor forma possível, da forma mais técnica. Até como isso é apresentado para a população, esse canal falando de campanhas tem que ser bem representado. Porque o próprio modo, às vezes, de falar, pode gerar o aumento de casos. Então, é algo que ser muito bem pensado”, afirmou.

Jesse ainda comentou sobre a realização de discussões internas com diversos setores da administração municipal, admitindo que há espaço para melhorias. “A gente tem feito conversas internas com outros setores da própria Secretaria, falando sobre o assunto, a gente entende que é temos dificuldades em alguns pontos. A gente tem falhas, mas a gente está aqui para justificá-las. Acho até que a ideia é outra, é debater para ver como que a gente consegue melhorar”.

O coordenador também lembrou que nem sempre a Saúde Mental é demandada, ou toma conhecimento dos casos potencialmente críticos, reforçando a importância de envolvimento de diversos setores no trabalho de. “Quando essa reunião foi convocada, a gente entende o motivo, mas a gente sentiu-se um pouco incomodado, porque parece que todos os olhos, quando acontecem [esses casos], todos os olhos se voltam para o CAPS, para a Saúde Mental. Eu acho que essa é uma tarefa que tem que ser cumprida em consenso, em equipe, em conjunto com outros setores da saúde, com outras secretarias. Tanto é que a Câmara sabiamente convidou, aí a Secretaria de Desenvolvimento Social, de Educação, que eu acho que estão muito próximas. Porque, quanto antes for abordado, é o momento que a gente tem realmente de conseguir melhores resultados, finalizou Jesse.

Atuação e capacidade de atendimento da RAPS

O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) 1, direcionado ao público adulto, está localizado à Rua 16 de Julho, em Mariana – Foto: Reprodução/Facebook

Terapeuta Ocupacional, atuando há 16 anos em mariana, Tamara Vaz Valamiel Leonel Arantes é a atual referência do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) 1 (adulto) que, juntamente com o CAPSad (álcool e drogas), o CAPSij (infanto-juvenil), o Matriciamento e o Conviver, compõe a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) em Mariana. Falando especificamente sobre a atuação do CAPS 1, Tamara Arantes detalhou o funcionamento do setor, que funciona como a porta de entrada para adultos. “Os casos graves, as crises dos adultos, chegam para nós através do CAPS 1, que mantém plantões diários, de segunda à sexta. Em cada plantão a gente tem uma equipe disponível para fazer a escuta a qualquer paciente que chegue com uma questão que a gente entenda que tenha que passar naquele momento. Os plantões são feitos através de um psiquiatra, um por dia, e um colega técnico de saúde mental, psicólogo, terapeuta, enfermeiro. Então a gente tem toda a equipe para receber no acolhimento diário, de segunda a sexta-feira, a gente tem como prestar essa escuta”.

De acordo com Tamara, depois de realizado o acolhimento, a equipe desenvolve um projeto terapêutico individualizado, havendo também casos que são encaminhados ao CAPS 1 por outros setores da rede. “A gente entende o acolhimento como sendo a primeira porta de entrada a um paciente que nos procura. Após esse acolhimento, a gente vai pensar em conjunto um projeto terapêutico individual para cada para cada paciente. Alguns vêm em crise, outros vêm por algum incômodo, outros vêm com o encaminhamento de um outro setor, [quando] já passou pela policlínica, com um comportamento um pouco estranho, um pouco diferenciado. A família está percebendo que ele está mais quieto, [ou] mais falante… Então, é na parte do acolhimento que a gente constrói como planejar individualmente o tratamento para aquele usuário, daquele sujeito que chega nos procurando”, explicou.

Reconhecendo que existem algumas defasagens em relação ao corpo técnico, mas ressaltando que isso ainda está em avaliação, Tamara informou que o corpo técnico é composto por 66 profissionais, dos quais 18 têm formação em Psicologia. “Estamos com algumas defasagens, a gente teve uma funcionária que se aposentou, e a gente está aguardando para que possa recompor algumas vagas. Mas, nesse momento, trabalhamos com esse número: 18 psicólogos na rede, em um total de 66 técnicos em saúde mental, e todos nós podemos fazer essa primeira escuta. (…) A gente está levantando essa lista. A gente fez a Conferência de Saúde Mental, agora no finalzinho de abril, participamos da última reunião do Conselho de Saúde, justamente pensando nessa resposta. Porque a gente precisa cobrir as cinco unidades. Nesse momento, a gente [está] fazendo um levantamento de quantos que podem chegar para nos ajudar em outras unidades, né? Porque não precisa ser três só ‘pro’ CAPS 1. De repente a gente pode receber três e conseguir dividir a Carga horária. Então a gente está fazendo esse levantamento e a gente vai apresentar para vocês. Combinei de apresentar também no Conselho de Saúde, e a gente vai levar o que nos falta nesse momento”.

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Subnotificação

Questionada pela vereadora Sônia Azzi (DEM), em relação ao atendimento às pessoas que cometeram suicídio nos últimos 60 dias, Tamara informou que, dos cinco últimos casos notificados, apenas uma estava em tratamento, enquanto a outra havia feito uma consulta no Matriciamento, com acompanhamento “apenas na região da UBS, ainda na atenção primária”.

Entretanto, o psiquiatra Leonardo Brandão Barros Lima, também com vários anos de atuação em Mariana, levantou a questão da subnotificação dos casos de suicídio, citando uma situação em que chegou a atender um paciente na véspera da tentativa consumada de autoextermínio. “Desses cinco que foram citados, é um número realmente subestimado. A gente tem, eu acho, um número maior que esse. Eu consigo lembrar, infelizmente, de outro que que perdeu a sua vida, né? Ele passou no acolhimento comigo e com um colega lá no CAPS numa terça-feira, e a gente entendeu que havia um risco, tanto é que a gente assumiu os cuidados dele. Mas, infelizmente, a gente não teve tempo de atuar. Infelizmente, no dia seguinte, ele cometeu suicídio. Então, eu consigo lembrar de mais alguns além desses cinco que foram citados aí, acho que nesse número ainda é subestimado, e que a gente pode jogar esse número para cima, infelizmente”, declarou Leonardo.

Adelina Barbosa, psicóloga e coordenadora do CAPSij, reforçou a discussão sobre a questão das notificações, que precisa ser fortemente atacada para permitir o desenvolvimento de políticas mais efetivas. “A gente tem uma necessidade de notificação compulsória. A gente viu, na pandemia que, pela forma, pelo desafio que é a saúde pública, como que as subnotificações são uma parte do processo de trabalho. Então a gente precisa pensar na capacitação para notificar esses episódios, a gente pode pedir a epidemiologia para lançar um boletim semestral ou anual. Então a minha contribuição seria esse ponto: a gente pensar que tem um sistema de informação que notifica, por lei, em até 24 horas. Mas a gente sabe que isso não acontece”, afirmou.

Segundo a psicóloga, alguns esforços têm sido feitos nesse sentido, mas ressaltou a necessidade da ampliação dessa corrente, incluindo o setor de epidemiologia e ainda o setor privado, de uma forma mais sistêmica, abrangendo todas as possibilidades de fatores que possam influenciar o comportamento das pessoas. “A gente tem feito um esforço. Fizemos uma capacitação aqui no CAPSij no início do ano para fazer essa discussão, para tentar melhorar esse registro. A epidemiologia recebe [notificação] inclusive dos que a gente não atendeu. Então, se aconteceu no privado, o profissional do privado tem que notificar, o hospital, tem que notificar. E, desde 2019, até mesmo as escolas têm que notificar as suspeitas e comportamento de automutilação. Inclusive dentro dessa notificação tem quesitos muito sensíveis. Por exemplo, já foi entendido que existem vulnerabilidades da saúde que tem a ver com orientação sexual, com a transgeneridade, com o gênero, com a raça. Então todos esses dados a gente precisa ter acesso para conseguir entender os territórios mais vulneráveis, o perfil mais vulnerável, para a gente fazer uma sociedade que seja menos insuportável para as pessoas viverem”.

Reprodução de um instante da reunião realizada online na segunda-feira (26)

E foi de Adelina a sugestão da formação de uma comissão para analisar, de forma contínua, tanto as ocorrências quanto a formulação e implantação de políticas de prevenção ao suicídio. “A gente precisa, a partir da provocação de vocês, pensar uma comissão que vai estudar, durante 12 meses, pensar alguma coisa, para além desses [casos] pontuais, porque é preciso mesmo construir políticas. E a assistência está sendo feita, é o que vocês estão vendo aqui, nas que chegam, está sendo feita. Mas é um fenômeno complexo, que precisa de muitos atores. E a gente se angustia e fica querendo, de alguma forma, tentar criar uma garantia de que não vai se repetir. E essa garantia a gente não tem, mas a gente tem essa equipe, tem o Conselho de Saúde aqui em peso. A gente tem aí a rede de atenção psicossocial, aqui representados por nós, como profissionais, mas é um dever da sociedade discutir, outras secretarias também, caberia muito estar aqui”, sugeriu.

Concurso público

Um dos questionamentos feitos pelo vereador Marcelo Macedo (MDB) foi relacionado ao edital de concurso público, uma vez que está prevista apenas a contratação de um psicólogo e de um terapeuta ocupacional. “A gente depara com uma situação interessante, que nós temos aí um concurso público, não é, que está tendo vaga de um psicólogo e um terapeuta ocupacional, e não temos nenhuma vaga de psiquiatra. Então, para começar, nós temos que fazer esse trabalho, a Tamara já tem que fazer esse trabalho, e tentarmos a inserir mais profissionais nesse concurso.  A princípio, eu acho que nós estamos aí na contramão da história, né? Tentando construir aqui, mas lembrando que nós temos um concurso em aberto, que tem uma vaga de um psicólogo e um terapeuta ocupacional”.

Segundo Carlene Almeida, essa é uma preocupação da Secretaria de Educação, cuja meta é ter profissionais da área de Psicologia, acompanhando os professores da rede municipal, no intuito de qualificar e assessorar no entendimento e interpretação dos sinais de comportamento dos alunos, mas há entraves em relação ao número de vagas disponíveis no quadro efetivo do município. Segundo a secretária, o assunto está sendo discutido junto á Secretaria de Administração, inclusive em termos da possibilidade de utilização dos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). “Nós fizemos a solicitação de pelo menos 5 profissionais psicólogos para atender à educação, mas a gente está com um problema de vagas legais, que está sendo tramitado junto à Administração. A gente precisava desse profissional para trabalhar, mas hoje a gente faz uma parceria com a Saúde, para trabalhar isso com os alunos, com os profissionais da educação. Agora a gente teve um avanço no Fundeb que ele permite que a gente faça pagamento desses profissionais, tanto assistente social como psicólogo, com o recurso do Fundeb, mas a gente não tem como, pela educação, fazer a contratação. A gente precisa fazer a contratação via Secretaria de Administração, então a gente já estava trabalhando isso para contratar os psicólogos para atender os alunos”.

Com manifestação também relacionada à escassez de profissionais, Aída Anacleto, representando o Conselho Municipal da Saúde, lembrou a questão da automutilação em jovens, ressaltando que não basta utilizar recursos do Fundeb para contratar profissionais fora do quadro efetivo, uma vez que isso prejudica a implantação de políticas sólidas de atenção à saúde mental. “Me chama atenção o fato de encontrarmos muitos jovens com automutilação, são vários jovens passando por essa situação. E isso que a Carlene acabou de falar, é de suma importância, porque os nossos professores também estão doentes. Eu, enquanto representante da sociedade civil, acho que falta investimento na saúde mental, porque esse fato vem sendo discutido desde o século 20, que o século 21 seria o século da saúde mental. Então nós teríamos que ter nos preparado muito antes. E não adianta ter estrutura física. Nós precisamos ter estrutura humana, profissionais de Saúde Mental. Então, o que a gente sugere é que o Plano Municipal de saúde metal seja implementado na sua integra, nós não podemos mais brincar. Parte desses trabalhadores da saúde mental, a maioria deles, inclusive, não são concursados, e a rotatividade profissional prejudica o tratamento dos pacientes. Por isso a necessidade de termos concurso público para garantir que seja cumprida a legislação”, pontuou Aída.

Uma outra preocupação da integrante do Conselho Municipal de Saúde é quanto à ausência de informação e incertezas quanto à continuidade da atuação dos profissionais da saúde mental no município. “Eu tenho uma outra preocupação, porque vários desses profissionais são contratados dentro desse acordo entre [Fundação] Renova e cidade [de Mariana]. Esse acordo, eu não sei até quando ele vai. Então, desses 18 profissionais aqui colocados, e dos 66 trabalhadores e trabalhadoras, eu não sei quantos estão neste programa da Renova. E aí, vai até quando? E quando acabar, com quantos nós ficaremos? Quantos trabalhadores e trabalhadores nós teremos, na realidade, dentro da nossa cidade? Acho que essa Casa de Leis ‘tá’ de parabéns quando chama essa discussão, mas é uma discussão necessária. E essa Casa sabe da sua responsabilidade, enquanto na proposição de legislação, para garantir à nossa sociedade civil, o acesso a essa política pública”, finalizou.

Em resposta a esse último questionamento, depois de intervenção do vereador Fernando Sampaio, o Coordenador de Saúde Mental, Jesse Catta Preta, esclareceu que, dos 66 profissionais mencionados, 21 são pagos com recursos do convênio com a Fundação Renova.

Depois de várias manifestações, ficou acertada a constituição de uma comissão para dar continuidade ao debate e ao estudo das proposições para melhoria das condições gerais de atenção à saúde mental no município, com indicação de representantes de todos os setores envolvidos, ficando a cargo da Câmara a iniciativa de reunir os nomes e agendar a primeira reunião.

Em relação ao concurso público, a reportagem da Agência Primaz apurou que o edital já foi publicado, e que as vagas já estão definidas, com prazo final de inscrição marcado para 10 de junho.

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