- Ouro Preto
Fumaça expelida por fábrica preocupa moradores de Ouro Preto
Imagens mostram poluição tomando bairros e até o campus da Universidade Federal de Ouro Preto
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Durante o mês de maio, alguns vídeos e fotos foram publicados por moradores da região da Bauxita, denunciando a quantidade de fumaça que tem saído das chaminés das caldeiras, além de um pó branco proveniente da produção de alumina. Estima-se que aproximadamente 120 famílias são afetadas diariamente com a poluição gerada pela fábrica.
“Nós convivemos há décadas com a emissão de pó de alumina e de particulados muito finos que precipitam sobre a Vila Operária e outros bairros próximos, como a Bauxita. A gente não sabe qual é a gravidade disso. Imagina, pessoas ficarem absorvendo esse pó durante 10 ou 30 anos ininterruptamente, não sabemos os malefícios que podem trazer à saúde. Também tem um cheiro muito forte, também tem caído uma fuligem preta e todo dia temos que tirar uma quantidade significativa de pó”, relata o presidente da Associação dos Moradores da Vila Operária, Luiz Carlos Teixeira, à Agência Primaz.
De acordo com Luiz, mesmo com as constantes mudanças de gestão da unidade, a relação entre a empresa e a comunidade é muito conflituosa. Ele conta que já faz anos que acontecem reuniões entre ambas as partes, mas não há nenhuma mudança nas ações da fábrica. “São muitas promessas e pouca ação efetiva. Geralmente apresentam um plano daquelas ferramentas de qualidade, mas queremos a redução de emissão de poluentes, filtragem e monitoramento”, complementa.
A Prefeitura de Ouro Preto não tem fiscais específicos e nem equipamentos para realizar alguma aferição sobre o caso. Coube, então, à administração municipal, oficializar o órgão estadual, Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM), que é o licenciador e fiscalizador da atividade. Além disso, foi criada uma comissão dentro do Conselho Municipal de Desenvolvimento Ambiental (Codema), composta por representantes da localidade da Vila Operária, da Secretaria do Meio Ambiente e da empresa para tratativas acerca deste tema.
Enquanto Hindalco, a fábrica não possuía licenciamento ambiental expedido pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente para poder operar, tendo seu funcionamento autorizado mediante um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado em abril de 2021, e que foi renovado recentemente. Porém, segundo Luiz Carlos, o TAC foi conquistado pela Hindalco sem que algumas condicionantes fossem cumpridas.
“Com relação ao licenciamento, houve uma mudança no CNPJ, saiu a Hindalco e entrou a ACTECH. Então, eles entraram com um pedido, solicitando a renovação do TAC que estava vigente à Hindalco junto ao Estado e ainda não houve um retorno”, informa o secretário de Meio Ambiente de Ouro Preto, Chiquinho de Assis, à Agência Primaz.
Durante a 30ª reunião ordinária da Câmara de Ouro Preto, ocorrida na terça-feira (24), foram aprovados, por nove votos, dois documentos relacionados ao assunto, ambos de autoria do vereador Matheus Pacheco (PV). O primeiro é a Representação 147/2022, “a ser encaminhada à Empresa ACTECH solicitando informações quanto à concretização do Termo de Ajuste de Conduta (TAC) de Desenvolvimento Ambiental firmado pela empresa Hindalco”. Já o segundo é o Requerimento 151/2022, “a ser encaminhado à Procuradoria do Município, buscando conhecer a existência de ações, denúncias ou procedimentos administrativos e jurídicos em aberto, em referência à emissão de fumaça produzida pela antiga Empresa Hindalco, atualmente denominada ACTECH”.
De acordo com Matheus Pacheco, a Câmara de Ouro Preto já convidou a Actech para que fossem explanadas as intenções da empresa na cidade, mas não houve resposta. “Sabemos que essa é uma pauta antiga, mas que não pode se tornar utopia. Quem passa pela empresa em Saramenha, não consegue perceber grandes investimentos para tentar mudar essa realidade. Sabemos da importância dos postos de emprego que são gerados pela empresa, mas não podemos nos calar e fechar os olhos para o crime ambiental que a empresa comete”, declara.
Outro motivo de preocupação do vereador é quanto aos efeitos da poluição em duas unidades de ensino que se encontram na Vila Operária: a Creche Colmeia e a Escola Municipal Tomás Gonzaga. “Estudei lá no Ensino Fundamental e convivi com aquela fumaça. Hoje a realidade é a mesma, dos meus pais também foi a mesma. Algo precisa ser feito de forma concreta”, finaliza.
Reuniões do Codema
Na quinta-feira (26), a Actech se reuniu com o Codema para tratar da fumaça expelida pela fábrica. Nela, alguns itens foram pactuados:
- Instalação de medidores de emissão de particulados;
- Instalação de uma estação de monitoramento do ar na Vila Operária;
- Mitigação do pó em suspensão por meio da aspersão de água;
- Estabelecimento de comunicação mais eficaz entre a fábrica e a comunidade;
- Apresentação dos documentos legais de garantia de funcionamento.
A Agência Primaz tentou contato tanto com a Actech quanto com a Terrabel — grupo que administra a Actech —, mas não houve resposta. Ao Estado de Minas, o CEO da Terrabel, Maurício Gontijo, disse que a unidade possui uma produção de 280 toneladas de alumina por dia e, para dar conta da demanda, existem dois fatores que emitem fumaça: a queima de biomassa e a calcinação, que é feita em três fornos. Segundo Gontijo, a empresa trocará o combustível desses fornos para um combustível mais limpo, saindo do petróleo bruto para o gás liquefeito de petróleo (GLP).
Quanto ao mau cheiro, Gontijo disse ao EM que é proveniente da soda é usada na fabricação, mas que não há nenhum dano à saúde. De acordo com o gestor, a Actech faz monitoramentos ambientais relativos às emissões atmosféricas, ruídos, efluentes líquidos e superficiais regularmente, estando credenciados nas regras do Conselho de Política Ambiental (Copam).
No dia 19 de maio, também houve uma reunião do Codema. Na ocasião, Alexandre Mortimer Guimarães, representando a Actech, explicou qual é a situação em relação ao pedido de renovação de licença de operação, que foi indeferida pela Semad quando a fábrica ainda era operada pela Hindalco, em razão de descumprimentos de condicionantes. “No dia 5 de abril de 2021, foi firmado um TAC, com uma série de condicionantes, com a validação de um ano. Dentro do prazo, foi apresentado um pedido de prorrogação do prazo, já visando a alteração para a Actech. No dia 29 de março de 2022, antes do vencimento do TAC, foi expedido um ofício pela Semad, prorrogando o TAC da empresa até que fossem analisadas todas as condicionantes”, afirmou Guimarães.
O professor do Departamento de Engenharia Ambiental da UFOP, Guilherme José Cunha, teve acesso ao laudo da Hindalco no fim do ano passado. De acordo com o docente, todas as quatro estações monitoradas estavam abaixo do limite estabelecido pelo padrão nacional e estadual. Entretanto, segundo ele, havia outros dados que não estavam legíveis, como, por exemplo, quanto à calibração dos equipamentos. “Foram poucos, apenas quatro parâmetros que estavam no relatório, e eles estavam de acordo com a legislação”, diz.
Um dos pedidos de Guilherme à Actech é a instalação de uma estação de monitoramento na Vila Operária, já que o maior número de reclamação vem de pessoas que vivem em bairros próximos à fábrica.
“Nós sabemos que não vai resolver o problema da poluição, mas vai traduzir numa medição técnica aquilo que nós vemos e sentimos todos os dias. Nós estamos cansados de fazer vídeo, foto e isso não ter valor legal para o licenciamento. Queremos uma medição técnica que demonstre claramente o que sofremos no dia a dia”, declara André Lana, morador da Vila Operária, corroborando com o pedido do professor da UFOP.
Há anos, André Lana relata, denuncia e registra indícios de malefícios que a produção da fábrica faz. Porém, ele diz que já perdeu a esperança de alguma providência por parte do poder público ou mesmo pela empresa e teme que aconteça alguma tragédia. “Chegamos em um ponto de falar tanto e nada ser feito, principalmente porque há, por parte das autoridades, o medo do desemprego. Eu só acredito que vai acontecer alguma providência quando uma tragédia acontecer. Vazar um gás ou explodir uma caldeira, matar um trabalhador ou estudante. Aí, quando acontecer a tragédia, nós vamos ter todo o histórico para mostrar as omissões no processo”, desabafa.
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Histórico
A produção de alumínio em Ouro Preto possui uma longa história. A planta industrial, que hoje pertence à Actech, foi a primeira a ser instalada no Brasil e no Hemisfério Sul. A história da fábrica começou no dia 8 de julho de 1934, quando Américo René Giannetti e Simão Lacerda fundaram a Eletroquímica Brasileira S.A. (Elquisa), para a produção de ácido sulfúrico, a partir da pirita encontrada na Cidade Patrimônio, mas tendo a pretensão de produzir alumínio.
Depois de visitar a Europa para conhecer as plantas de fabricação de alumínio, Giannetti inaugurou a fábrica no ano de 1940, em Ouro Preto. Até 2010 a capacidade produtiva nominal da fábrica, por ano, era de 7 mil toneladas de aluminas especiais, 140 mil toneladas de pasta Söderberg e 75 mil toneladas de alumínio. A água utilizada na indústria vem de um poço artesiano de captação nos córregos Barcelos e do Manso. Atualmente, a indústria emprega mais de 500 pessoas.
Poluição na produção de alumínio
A produção de alumínio é responsável pela emissão de vários poluentes atmosféricos, o que exige a instalação de equipamentos de controle e o compromisso de se monitorar os efluentes oriundos do processo produtivo, em cumprimento com a legislação ambiental vigente.
Os processos referentes ao licenciamento corretivo das instalações industriais consideram alguns itens, como o Relatório de Controle Ambiental (RCA) e o Plano de Controle Ambiental (PCA), bem como aqueles que seriam referentes às revalidações das licenças de operação, por conterem os Relatórios de Avaliação de Desempenho Ambiental (RADA) e os relatórios de automonitoramento.
Na dissertação de mestrado em Engenharia Ambiental apresentada na UFOP, por Cláudia Geralda de Souza Maia Alves, com o título “Análise comparativa dos impactos ambientais e dos aspectos tecnológicos da produção de alumínio primário em Minas Gerais”, é explorada a fábrica de Saramenha. De acordo com o trabalho acadêmico, até 2010, quando a fábrica era da empresa Novelis, era realizado o monitoramento de:
- Emissões de material particulado (MP);
- Fluoreto gasoso e particulado, dióxido de enxofre (SO2);
- Cloreto de hidrogênio (HCl);
- Gás cloro (Cl2);
- Óxidos de nitrogênio (NOx).
Como reduzir o impacto ambiental
O tempo médio que os resíduos de alumínio levam para se decompor na natureza é de 200 anos. Para Guilherme Arruda, CEO da VG Resíduos — empresa especializada em gestão de resíduos das empresas desde a geração até a destinação ambientalmente adequada dos resíduos —, a solução para reduzir o impacto ambiental gerado pelo alumínio é a reciclagem.
O alumínio é um material 100% reciclável e que gera bom retorno financeiro para as empresas da área. De acordo com a VG Resíduos, o Brasil é o maior reciclador de alumínio do mundo, tendo, aproximadamente, 98% do alumínio produzido no país presente no processo de reciclagem.
As vantagens da reciclagem do alumínio são a economia de energia elétrica; a não extração de recursos naturais como a bauxita e a geração de renda aos trabalhadores que vivem da atividade; a diminuição do volume de lixo gerado que teria como destino os aterros sanitários, além da possibilidade de uso em embalagens, construção civil, indústria automotiva e bens de consumo.
O desenvolvimento sustentável é um dos objetivos principais da indústria do alumínio e, por isso, o compromisso ambiental é uma das premissas relacionadas a soluções sustentáveis. Dessa forma, o ideal é que uma fábrica possua uma sucata de alumínio para se realizar uma boa gestão de resíduos. Além disso, também é preciso manter a produção dentro dos parâmetros de preservação da saúde dos trabalhadores e das pessoas que vivem no entorno da unidade.