- Ouro Preto
Defesa Civil de Ouro Preto recebe capacitação em gestão de riscos
Informações geológicas da cidade foram tratadas no curso, visando possibilitar mais segurança para a construção de habitações no município
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Ouro Preto conta, atualmente, com 313 áreas de risco, de acordo com o mapeamento feito pela Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM). Com as fortes chuvas que caíram na Cidade Patrimônio, do dia 8 ao dia 16 de janeiro, cerca de 300 pessoas ficaram desalojadas. Inclusive, cerca de 80 famílias que moravam no alto do bairro Taquaral estão desalojadas, após terem sido removidas de suas residências.
Um levantamento feito pela UFOP encontrou 250 cavidades na cidade, além de 170 sarilhos. Essas informações contribuirão para a reforma do Plano Diretor de Ouro Preto, buscando informar as pessoas onde é possível pisar, cavar e construir. Além disso, a Defesa Civil tem a intenção de criar núcleos em cada bairro para a devida orientação para a população local. “Estamos procurando nos capacitar, por isso acontece este evento com vários palestrantes para falar da parte de geologia de Ouro Preto. Estamos nos preparando, vamos continuar monitorando essas áreas, alertando a população. Ouro Preto faz divisa com 10 municípios, temos distritos que estão a 80 km de Ouro Preto. Futuramente nós vamos começar a ter problemas de colapso, porque são residências que estão sendo construídas em cima de cavidades, por falta de conhecimento”, alertou o coordenador da Defesa Civil de Ouro Preto, Neri Moutinho.
Na terça-feira, foi tratado no curso o Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR), que tem como objetivo a construção de referenciais técnicos e gerenciais que possibilitem à prefeitura implementar intervenções estruturais e ações não estruturais para controle, redução e erradicação de situações de riscos associados a processos de instabilização de taludes (deslizamentos e processos correlatos) em encostas e solapamentos de margens de córregos.
Dentro desse tema, foi tratada a construção de uma política para o gerenciamento e gestão de risco. Quem ministrou a palestra foi o engenheiro geólogo Leonardo Andrade de Souza. Ele propôs que fossem feitas reuniões com as secretarias municipais para o diagnóstico das potencialidades e fragilidades da estrutura organizacional da prefeitura e do arcabouço jurídico-legal disponível ou passível de ser estabelecido para o município.
O objetivo dessa ação é a proposição de diretrizes para a construção de uma política municipal para o gerenciamento dos riscos associados aos processos mapeados que possa ser abraçada pelo corpo gerencial da prefeitura e que possa ser executada plenamente pela equipe técnica.
Algumas das propostas de reestruturação e fortalecimento do Sistema Municipal de Proteção e Defesa Civil foram:
- Desenvolver a ação ao longo de todo o processo de elaboração do PMRR e estará presente na maioria dos momentos das etapas descritas anteriormente, em especial após a elaboração do diagnóstico e do planejamento participativo;
- Sensibilização junto ao prefeito, secretarias e Defesa Civil da necessidade de formação do Conselho Municipal de Defesa Civil atuante;
- Após a formação do Fórum de Representantes das áreas, inserção dos participantes na discussão sobre a formação do Conselho Municipal de Defesa Civil.
“O primeiro pilar de qualquer processo de gestão de risco é identificar as áreas, setoriza-las, com a maior quantidade de detalhes possível. Ouro Preto passou meses difíceis, mas ser computado apenas uma vítima no evento foi muito pouco, poderia ter sido muito pior. Ouro Preto tem uma condição de relevo específica. São inclinadas e elevadas, mas isso não quer dizer que essa definição se trata de áreas de risco. A questão geológica, e a resistência dos materiais, inclusive, permitem terrenos mais inclinados”, explicou Leonardo à Agência Primaz.
O principal problema apontado pelo engenheiro geólogo com relação aos deslizamentos em Ouro Preto é a ocupação de terrenos que não são propícios para receber habitação. “Quando não se consegue estabelecer critérios e diretrizes para a ocupação do terreno, há a possibilidade de ocorrer problemas, porque o processo inicial não foi considerado”.
Entretanto, Leonardo explicou que existem dois tipos de ocupação, a que é feita de forma espontânea — sem o controle do poder público, trazendo problemas específicos — e a planejada. Quando se fala de áreas não-ocupadas, há outros instrumentos que são obrigatórios para saber se determinado terreno está apto para receber uma ocupação, como a Carta de Aptidão, que mostra para o poder público as áreas que são mais complicadas para ocupar e as menos problemáticas para serem habitadas.
O Município tem, em suas mãos, a leitura de seu território para poder distinguir onde é melhor e pior para ocupar. A ideia central, defendida por Leonardo, é que, dentro da construção da gestão do território, a Prefeitura de Ouro Preto consiga interceder onde são mais ou menos necessárias as intervenções de alta complexidade para garantir segurança aos moradores de um local. “O que acontece no Taquaral é muito difícil de ser contido. É o que chamamos de rastejo e envolve um número grande de moradias. Então, não há uma obra que consiga fazer com que aquele processo pare, ele vai continuar como aconteceu agora. Em uma chuva muito forte, ele reativa e gera dano. Se permitir que a área continue ocupada, daqui há dois ou cinco anos, quando essa chuva voltar, quem teve sua casa consertada, será afetada novamente. Isso acontecerá até chegar num ponto em que não há mais o que fazer”, salientou o engenheiro geólogo.
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A chuva que ocorreu no início de janeiro e afetou drasticamente Ouro Preto pode ser considerada atípica, visto que foram 645 mm de chuva em 45 dias. Fazendo um paralelo, houve números semelhantes na década de 1970 e em 1987. A Cidade Patrimônio, naquela época, possuía um outro desenho e permitiu-se a ocupação de muitas áreas de baixa aptidão do ponto de vista geotécnico. “O importante é conseguir estabelecer, agora, qual cenário é esse, mapear as áreas que realmente são problemáticas. Quando se estabelece esses cenários ou setores de risco na escala correta, é possível adotar ações de gerenciamento e gestão que vão ser mais eficientes na próxima chuva no final do ano. Será possível localizar onde é preciso remover preventivamente, onde é necessário fazer uma obra emergencial, onde precisa abrir mão de uma intervenção”, finalizou Leonardo.
Carta de Aptidão
Com as Cartas Geotécnicas de Aptidão à Urbanização de Ouro Preto, o Município deve identificar e mapear áreas de risco, realizar estudos de identificação de suscetibilidades e vulnerabilidades, obrigatoriamente acompanhadas do monitoramento meteorológico, hidrológico e geológico. Esses instrumentos devem, inclusive, estar presentes no Plano Diretor municipal.
Em Ouro Preto, as Cartas Geotécnicas de Aptidão à Urbanização foram elaboradas por um grupo de pesquisadores da UFOP, no âmbito de dois termos de cooperação com o então Ministério das Cidades em quatro cidades mineiras.
Inicialmente, por meio do primeiro Termo de Cooperação, de 2013, foram cartografadas duas áreas em Ouro Preto: a bacia hidrográfica do Rio Maracujá e a área periurbana do Passa Dez. Esses trabalhos piloto foram base para o desenvolvimento de procedimentos adotados em outros três municípios no âmbito de um segundo Termo de Cooperação (2014/2015): Juiz de Fora (cinco áreas), Nova Lima (duas áreas) e Ervália (entorno da área urbana).
Posteriormente, foi assinado um termo aditivo ao segundo termo de cooperação para elaboração de duas cartas de aptidão à urbanização em Ouro Preto.
“A carta é um instrumento de prevenção. Ela foi feita, também, para áreas não ocupadas e em início de ocupação. O objetivo dela não é definir áreas de risco, ela serve para planejamento. Avaliar a possibilidade da elaboração de uma estrada vicinal ou se a gente busca um local para aterro de resíduos, ou o objetivo principal que é a urbanização, para onde a cidade pode crescer com segurança”, contou o geólogo e professor da UFOP, Frederico Sobreira.
O geólogo Francisco de Assis Silva, morador de Passagem de Mariana e membro da Associação Comunitária do distrito, acompanhou o curso na terça-feira. Ele citou a ausência de pontos e linhas de deslocamento nas Cartas de Aptidão apresentadas por Frederico Sobreira. Para ele, tais elementos contribuem para a melhor compreensão das áreas, no quesito de adaptabilidade.
Em Mariana, na borda do sítio arqueológico Morro do Santo Antônio, Francisco identificou 123 buracos. Com isso, ele conseguiu medir a espessura da formação ferrífera ou do itabirito presente naquela área. “Logo abaixo do itabirito, vem o filito batatal. Então, o itabirito funciona como uma esponja, capta a água, que vai para dentro de sua estrutura e o filito funciona como um impermeabilizante. Quando vamos para os bairros Piedade e Alto da Cruz (Ouro Preto), vemos uma quantidade enorme de combustão em cima do itabirito. A tendência lá é, cada vez mais, a verticalização por essa massa que está sendo colocada em cima do itabirito [ocupação]”, comentou Francisco.
O engenheiro geólogo da Defesa Civil de Ouro Preto, Charles Murta, corroborou a contribuição de Francisco, citando a complexa característica de geomecânica do itabirito e a folheação que favorece o deslizamento. “Na Serra de Ouro Preto, que é longitudinal, nós estamos falando do minério de ferro, que é uma esponja, um aquífero fissural. Quando o lençol freático sobe, no período de chuva, é com uma velocidade tão rápida que evidenciam os problemas relacionados com o itabirito. Nós precisamos de mais estudos, pela complexidade de Ouro Preto”, comentou.
Frederico Sobreira explicou que, quando é feita uma Carta de Aptidão, são levadas em consideração outras informações, como áreas protegidas, bases geomorfológicas e, assim, é feito um inventário. “As recomendações de aptidão partem de um estudo da estabilidade de uma encosta antes da ocupação ou loteamento. Há lugares em que um orientador vai falar que para uma expansão em uma determinada área específica é necessário, primeiro, realizar um estudo hidrológico. O orientador vai mostrar que existe um problema e dará a devida recomendação. O objetivo da carta de aptidão não é falar que em determinado local houve deslizamento”, justificou.
Encaminhamento à Prefeitura Municipal
As duas primeiras cartas foram entregues à Prefeitura de Ouro Preto em sessão oficial realizada no Salão Nobre da Escola de Minas, em 16 de dezembro de 2013, contando com a participação de representante do Ministério das Cidades.
As cartas executadas em 2015 e 2016 foram repassadas à Prefeitura de Ouro Preto em 2018, em solenidade realizada no encerramento do Curso Integrado de Gestão Urbana de Ouro Preto. De acordo com Frederico Sobreira, uma nova Carta de Aptidão foi entregue ao Município após as trágicas chuvas de janeiro, porém, elas nunca foram colocadas em prática no planejamento municipal.
Vale ressaltar que as chuvas que assolaram Ouro Preto em 2021 e 2022 custaram à Prefeitura de Ouro Preto R$223 milhões em ações de enfrentamento e resguardo da população.
“Nós temos um problema de política de governo e de estado. Nós precisamos trabalhar para que essas ações e que esse conceito de Defesa Civil mais amplo passem a ser políticas de estado, ultrapassando os governos. Eu vejo que há um desenvolvimento e uma força de vontade muito grande por parte da Defesa Civil Estadual em alcançar níveis mais avançados. Vamos fazer a revisão do plano diretor adotando a carta e, também, a indicação da Defesa Civil dos pontos das Zonas de Autossalvamento (ZAS)”, saiu em defesa da Prefeitura de Ouro Preto o Secretário Municipal de Defesa Social, Juscelino Gonçalves.