- Ouro Preto
Festival de Inverno de Ouro Preto promove encontro de gerações da música popular mineira
Artistas locais dividiram palco com lendas da música de Minas Gerais nos três dias de show em tributo aos 50 anos do Clube da Esquina
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Por um espaço ao sol
Natural de Belo Horizonte e morador da Cidade Patrimônio desde 2017, Ed Nasque, que foi uma das atrações da quarta-feira (06), exaltou a possibilidade de músicos independentes da região poderem se apresentar. “O evento é muito importante. Já frequento há bastante tempo. Essa diversidade que tem em Ouro Preto, tantos artistas bons. Eu acho muito legal ter essa mescla de grandes artistas e essa galera que está batalhando de forma independente. Acho que a tendência é só melhorar, pode ser só um começo. Espero que continue e espero tocar mais vezes aqui”, afirmou o artista à Agência Primaz.
A luta para viver de música pode ser, muitas vezes, inglória. Essas pessoas precisam superar obstáculos enormes, como a dependência de gravadoras, selos e distribuidoras, a rejeição de parte da população em abraçar algo novo, além da desvalorização da arte no Brasil. O Festival de Inverno da UFOP, que se define como uma programação formadora, cumpre a função, também, de abrir portas para quem ainda não recebeu muitas chances na carreira. A cantora Luiza Gaião, uma das atrações do evento, é prova do caráter educacional do festival. “Na minha infância, eu participei muito do festival de inverno, em oficinas. Eu tenho essa memória. Meus pais eram artistas, minha mãe trabalhava na FAOP, ela dava oficinas. Então, eu era cria de festival, de oficina, de aula de arte. Para mim, é sempre muito simbólico”, revelou em entrevista à Agência Primaz.
Uma das grandes artistas locais, Gaião foi atração do Festival de Inverno pela segunda vez e ratificou a importância disso. “É a segunda vez que eu componho a programação, a primeira com meu trabalho solo. É um outro lugar dessa vez. Muito importante, muito especial. A primeira vez foi em 2017, com Trejeitos”, comentou.
O lugar certo
Ponto de partida de boa parcela da história de Minas Gerais, a cidade de Ouro Preto tem tudo a ver com o Clube da Esquina. Aliás, o município foi palco de diversos passeios e shows de membros do grupo ao longo da vida. O cantor Celso Alves, uma extensão do coletivo e morador da cidade, revelou que Milton Nascimento e os demais membros frequentavam Vila Rica na juventude. “Ouro Preto é uma cidade fantástica, turísticamente e historicamente. A cidade sempre teve essa coisa do movimento. O Milton Nascimento e os integrantes vinham muito para cá quando começaram a carreira”, revelou o músico à Agência Primaz.
O carioca Paulinho Moska também possui fortes ligações com Ouro Preto. Convidado para abrilhantar o tributo, o cantor tem família na cidade. “Eu tenho camadas de amor por Ouro Preto, porque me casei com a filha do Carlos Bracher e da Fani, a Larissa. São artistas plásticos daqui. Eu venho muito de férias com nosso filho. Tem essa camada de amor em tocar na cidade onde minha mulher cresceu, a mãe do meu filho. Eu fico muito feliz com essa oportunidade”, afirmou.
Artisticamente, porém, Ouro Preto nem sempre foi atrativa e receptiva para os agitadores culturais. De acordo com Celso Alves, nas décadas de 1970 e 1980, uma das poucas saídas para quem queria viver de música era tocar em bares e restaurantes, mas que, ainda assim, eram poucos. Prova disso é o cantor João Bosco, natural de Ponte Nova e que estudou Engenharia Civil na Escola de Minas. Segundo Celso, ele só se destacou no mundo artístico após respirar novos ares, pois não tinha espaço na realidade da Região dos Inconfidentes.
Alves é natural de Nova Era, mas já reside em Ouro Preto há mais de 30 anos. Ele conta que a cena musical ouro-pretana se desenvolveu ao longo do tempo, com a criação de festivais, além da chegada do curso de Música na UFOP, em 1999. “Depois que chegou a escola de música na UFOP, cresceu. Tem muito músico bom em Ouro Preto hoje. Na minha época, em 1986, era mais bar e restaurante, mas não tinha muita coisa aqui não. O movimento que sempre teve aqui foram os festivais, o Festival de Inverno e o Festival de Jazz. João Bosco, por exemplo, não tinha espaço para tocar em Ouro Preto, pegava só um violão à toa mesmo. Vinícius de Moraes vinha para o bar, tomava cerveja e tocava de vez em quando. O Milton, com 17 anos, vinha mesmo para passear. Hoje eu acho que está bem melhor nessa questão de oportunidades”, comparou.
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50 anos de história e legado
O Clube da Esquina nasceu da relação de amizade entre Milton Nascimento, Lô Borges, Marilton Borges e Márcio Borges, no começo dos anos 1960, no bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte. Os rapazes compartilhavam de duas características: a juventude e o amor pela música. O resultado dessa junção foi positivo.
Em 1972 o grupo lançou o disco “Clube da Esquina” que é, até hoje, o trabalho mais lembrado e respeitado do coletivo. Não à toa, em 2022, ano que marca o seu cinquentenário, o disco foi avaliado por 162 especialistas, que o definiram como o melhor da história do Brasil. Faixas como “Cais” e “Trem Azul” se eternizaram na mente e no coração de milhares de pessoas espalhadas pelo mundo.
Do jazz à MPB, do rock ao samba, o fato é que o Clube da Esquina passeou por diversos estilos a ponto de criar o seu próprio. A identidade do grupo é fácil de ser notada, e se confunde com a de Minas Gerais. Toda a genialidade depositada por Lô Borges, Milton Nascimento, Beto Guedes, Flávio Venturini e os outros integrantes resultou numa legião de novos músicos influenciados pelas melodias, letras e acordes do Clube.
Luiza Gaião nasceu na Bahia, mas aos quatro anos se mudou com sua família para Ouro Preto. Ela acredita que o Clube da Esquina está presente na vida de quem se torna artista no estado mineiro. “Eu acredito que todo artista que se forma, especialmente em Minas Gerais, tem referências [do Clube da Esquina]. Durante a faculdade, eu cursei Música aqui também, estava muito presente. Seja nas rodas de violão, seja no repertório mais informal ou na grade do público mesmo. O primeiro trabalho que a gente apresentou no festival, que era o Trejeitos, tinha uma relação muito mais direta com a sonora. Tinha uma estética que lembrava muito. Três violões e três vozes. Havia arranjos muito ligados ao Clube”, afirma a cantora.
Celso Alves, Ed Nasque e Luiza Gaião são claras extensões da música popular mineira, que segue viva nas ruas estreitas de Ouro Preto, e se renova a cada momento. Afinal, ela tem o poder de ilustrar a leveza de Minas Gerais e levá-la para todos os cantos.