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Hoje é sexta-feira, 20 de setembro de 2024

“Não temos mais vida”: luta de Antônio Pereira contra Vale cresce a nível estadual e federal

Moradores cobraram seus direitos na Assembleia Legislativa de Minas Gerais

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Faixas de protesto foram estendidas no auditório José Alencar, na ALMG, nessa quarta-feira (14) - Foto: Daniel Protzner/ALMG
Aproximadamente 60 moradores de Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto, foram até a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nessa quarta-feira (13), em Belo Horizonte, para uma Audiência Pública que tratou da situação da comunidade, tendo em vista as alegações de descumprimento de leis, por parte da Vale, para resguardo da população local que é atingida pelo descomissionamento da barragem Doutor. Os atingidos também denunciam uma tentativa de criminalização dos mesmos, que estão sendo processados pela mineradora que tenta impedir manifestações e a continuidade do garimpo, atividade centenária na região.

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Sem contar as suspensões, a audiência durou mais de quatro horas, sendo que moradores chegaram com um atraso de quase uma hora. Entre os motivos da demora, destaca-se uma abordagem policial feita nos dois ônibus que levavam a comunidade, ainda em Antônio Pereira. De acordo com relatos da comunidade, a Polícia Militar revistou todos os que estavam partindo para Belo Horizonte, um deles utilizando uma arma de grande porte. Além disso, os militares fotografaram os veículos que partiam para a capital mineira.

Eles chegaram com a sirene ligada, vieram armados, com espingardas de todo tamanho, perguntando onde a gente ia, falou que iriam verificar a documentação do veículo e de todos no ônibus. Disseram que se tivesse algum documento irregular, não iríamos partir”, relatou a moradora de Antônio Pereira, Carla Moreira Dias.

A ação da Polícia Militar recebeu várias críticas de autoridades municipais e estaduais. A deputada estadual, Beatriz Cerqueira (PT), autora do requerimento da Audiência Pública, comentou o caso em sua fala inicial no auditório. “Não é possível que aquele que luta pelo seu direito de viver em paz seja criminalizado, que o ônibus que traz essas pessoas seja revistado, porque nós não paramos ônibus e nem carro da mineradora”, comentou.

O prefeito de Ouro Preto, Angelo Oswaldo (PV), também se posicionou sobre o caso, por meio do procurador-geral do Município, Diogo Ribeiro, repudiando a ação policial ocorrida na manhã de quarta-feira. “A ação de hoje foi totalmente desnecessária e violenta. Se tivéssemos conhecimento dessa ação, eu pessoalmente teria realizado uma intervenção no local, porém ficamos sabendo apenas no momento do episódio”.

De acordo com o secretário de Defesa Social de Ouro Preto, Juscelino Gonçalves, presente à audiência, Angelo Oswaldo ligou na manhã de quarta-feira para o Tenente Coronel do 52º Batalhão da Polícia Militar, Joilson Fernandes, perguntando o que havia acontecido. A resposta do comandante foi que houve uma denúncia anônima de que haveria uma manifestação e uma paralisação na rodovia. “Nós achamos muito estranho que essa denúncia tenha chegado na mesma hora da saída do ônibus. Angelo pediu para que eu afirmasse a nossa ironia de que achamos realmente muito estranho dessas ações tão pobres por parte da empresa [Vale]”, afirmou Juscelino.

Abordagem policial aos moradores de Antônio Pereira que se deslocavam para a ALMG na manhã de quarta-feira (13) - Foto: Reprodução/WhatsApp

Em resposta a questionamentos feitos pela Agência Primaz, a Polícia Militar alegou que a corporação recebeu a informação de que pessoas estariam se reunindo para realizar um bloqueio de via em Antônio Pereira e que, com essa atitude, cerceariam o direito de ir e vir de outros usuários da rodovia. Ao tomarem conhecimento que os moradores estavam se deslocando para a ALMG, foi colhido o nome dos representantes, a fim de ser inserido em um Boletim de Ocorrência Simplificado, em virtude da intervenção policial, “em consonância à informação repassada à instituição militar, não ocorrendo quaisquer tolhimentos de direitos e nem prática de ações irregulares” por parte dos policiais.

Quanto ao uso de armas de fogo por parte dos policiais, a PM informou que é uma ação prevista nos Manuais Técnico-Profissionais para o emprego operacional, com a finalidade do cumprimento da missão constitucional de polícia ostensiva e prevenção criminal, de preservação e restauração da ordem pública e de apoio a outros órgãos. “É imperioso esclarecer que, nossas equipes ao serem empregadas na execução do policiamento operam com todos os equipamentos necessários para que as abordagens sejam feitas de forma mais adequada e segura para todos os envolvidos”, explicou a PM, por meio de nota.

Ainda de acordo com a PM, as armas estavam carregadas com balas de borracha, próprias para ações de controle de distúrbios, e que o uso de armas é parte da rotina e do exercício da profissão policial militar.

Na nota, a PM informou ainda que, por entenderem a situação, vai ser feito contato com as lideranças de Antônio Pereira para fornecer e explicar mais detalhes da abordagem.

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Assessoria técnica e matriz de danos

A 27ª reunião extraordinária da Comissão de Administração Pública, da 4ª Sessão Legislativa Ordinária, da 19ª Legislatura, teve o objetivo de receber, discutir e votar proposições da comissão e debater a situação do distrito de Antônio Pereira. A audiência estava marcada para ter início às 10h, mas devido ao atraso da comunidade, foi suspensa às 10h03. Às 10h09 a reunião foi retomada, com a presença de todos.

A audiência foi iniciada com a exibição de um emocionante vídeo produzido pelo Instituto Guaicuy. Confira:

O Instituto Guaicuy foi eleito, em fevereiro de 2021, com 67,34% dos votos da comunidade, como entidade responsável pela Assessoria Técnica Independente (ATI) para os atingidos de Antônio Pereira, direito assegurado pela juíza Kellen Cristini, da Comarca de Ouro Preto. O resultado foi homologado pela Justiça no mês seguinte e, em maio, apresentou a primeira versão do plano de trabalho, construído junto com a população local. O Ministério Público aprovou o documento, que foi apresentado à juíza.

De junho em diante, o percurso processual do caso vem prolongando a espera e aumentando a aflição dos atingidos, que exigem a presença da ATI para que possam ter acesso a informações técnicas confiáveis e independentes para dimensionar perdas, materiais e intangíveis, provocadas pela ação da mineradora.

O Instituto Guaicuy recebeu 2/3 dos votos. Esperava-se que, na semana seguinte, no máximo, começaríamos a trabalhar, porque a apresentação do plano de trabalho foi concluída. Mas, iniciou-se o processo de ‘empurra’, de política de atraso, de demora de aprovação, de modificação de escopo. O escopo não está focado no exagero, mas sim na necessidade transdisciplinar de entender e assessorar os moradores. Três planos foram feitos nesse um ano e meio e até hoje o Guaicuy não pôde entrar no território para fazer”, declarou o presidente do Instituto Guaicuy, José Procópio.

Estudos técnicos apontam para conclusões que vão além da ATI. A coordenadora e pesquisadora do grupo de estudos e pesquisa socioambientais da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Karine Carneiro, indicou a necessidade do afastamento da Vale, de Antônio Pereira, desde o início do descomissionamento da barragem Doutor. “Não acreditamos que a causadora do dano possa ser a responsável pela condução dos processos”, afirmou.

Karine também indicou a necessidade do diagnóstico, com o levantamento de informações quantitativas e qualitativas. para que se compreenda a extensão dos danos que vêm sendo causados em função do risco de rompimento da barragem de Doutor e o plano de emergência que foi adotado. “O diagnóstico é imprescindível, porque todos os moradores de Antônio Pereira são atingidos pela barragem Doutor”, complementou.

Karine defende a ideia de que há uma tendência popular em considerar pessoas atingidas apenas aquelas que estão na área de autossalvamento, mas que é preciso entender que uma Zona de Autossalvamento é, na verdade, uma zona de alto risco de morte. “Temos que compreender a extensão do significado da morte, que é o fim de uma matéria física e também a destruição daquilo que é um laço comunitário, a possibilidade do desenvolvimento das atividades do cotidiano. Morrer existencialmente não significa necessariamente uma morte física. O ser atingido tem várias dimensões”, defendeu.

Todas as proposições levantadas até então estão previstas em cumprimento da lei, porém não estão sendo colocadas em prática, de acordo com o entendimento de Karine. Enquanto isso, o Instituto Guaicuy vem, voluntariamente, ajudando os moradores de Antônio Pereira e fazendo uma interlocução com o Ministério Público (MP) sem receber por isso.

Embora, antes da própria lei dos atingidos por barragens, o Ministério Público tenha obtido o direito à Assessoria Técnica Independente, por meio de uma Ação Judicial, ainda não conseguiu implementar a ATI em Antônio Pereira. Segundo o promotor de Justiça, Marcelo Machado, que estava representando, na audiência, o procurador-geral de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais, Jarbas Soares, há muita resistência por parte da Vale e uma certa desinformação do poder Judiciário, em fazer implementar o direito a ATI, que é fundamental para o equilíbrio de forças, para garantir o direito à informação, o direito à informação social e para garantir a construção dos parâmetros indenizatórios. “Já há uma Ação Judicial determinando que a Vale faça a reparação integral mas, ao mesmo tempo, a gente não consegue implementar essa decisão, porque há uma resistência muito grande e porque o instrumento para viabilizar, hoje, essas separações integrais, é a assessoria técnica. A Vale e o setor minerário apresentam uma resistência enorme em cumprir a política estadual dos atingidos por barragens hoje”, explicou.

A fim de garantir o que está na legislação, Marcelo Machado se comprometeu a contactar os promotores judiciais de Ouro Preto para que, juntos, esses direitos sejam fomentados o mais rápido possível, sensibilizando o Poder Judiciário para que ele aceite e concorde com o plano de trabalho já apresentado pelo Instituto Guaicuy. E que, caso haja resistência da Vale, que a juíza imponha essa obrigação o mais rápido possível.

Depoimentos

Carla Dias descreve Antônio Pereira como um lugar com nítida destruição do meio ambiente, transformando o distrito em um canteiro de obras que traz aos moradores muita poluição e poeira. “Viver em Antônio Pereira tem sido uma tortura. A gente escolhe um lugar ‘pra’ morar, faz nossa vida, nossos planejamentos e, de repente, tudo isso é mudado. Então, eu gostaria muito que Antônio Pereira fosse o que era no passado. Mas hoje, a gente vê que é impossível. Tentamos impedir que fosse tão devastado quanto está agora, mas não tivemos sucesso”, descreveu à Agência Primaz.

A moradora também relatou que a comunidade já recorreu ao poder público e à Câmara de Vereadores de Ouro Preto, mas não foi atendida.

Carla Dias, em manifestação na tribuna da audiência pública - Foto: Ricardo Barbosa/ALMG

Amintas Cigano, outro morador de Antônio Pereira, trabalhou na Vale como operador de perfuratriz. Para ele, a Vale não pode recusar dar auxílio aos moradores do distrito, classificando a postura da mineradora com a comunidade como reprovável. “Na nossa partida para a Assembleia, ela joga polícia em cima de nós, com armas tipo de uma [calibre] doze. Eu não preciso disso, não. Nos sentimos humilhados. Nunca vi isso. A gente não vai lá colocar polícia nos ônibus dela”, protestou.

Também de acordo com Amintas, a Vale está “matando” os adolescentes de Antônio Pereira com a barragem Doutor e retirando o direito dos moradores dos distritos. “O que eu quero dizer para a Vale é o seguinte: desrespeito conosco, não. O que ela está fazendo é um absurdo. Ela está tirando nossos moradores do lugar, escola ruim, falando que a barragem vai estourar. Aquele material em frente Antônio Pereira não acaba. Eles trabalharam errado. Estão querendo botar a culpa em nós. A poeira está afetando nosso lugar. Aquilo é matar as pessoas”, finalizou.

A atuação da Vale em Antônio Pereira também tem afetado o comércio da comunidade. Alessandra dos Santos realizou o sonho de abrir uma padaria, junto com seu marido, no distrito. Mas, com o desmoronamento do vertedouro de descomissionamento da barragem Doutor, eles perderam muitos clientes que precisaram ser removidos de suas casas. “Meu marido, hoje, trabalha fora, longe da família, devido ao transtorno que a Vale tem nos causado. Meu marido tem ansiedade, faz tratamento de dois em dois meses, vai ao médico. A gente tem laudo médico. Um problema a situação que a Vale nos causou”, relatou.

As intervenções da Vale em Antônio Pereira também têm afetado a educação no distrito. Segundo a diretora da Escola Estadual Antônio Pereira, Rita de Cássia, há um choque psicológico sobre os alunos que influencia o desenvolvimento pedagógico deles. Nós estamos vendo um desmando e uma impunidade que deixam todos nós apreensivos. A poeira atrapalha, o trânsito tem sido intenso, os nossos professores, às vezes, nem chegam na escola por conta do trânsito, ou atrasam tanto que prejudicam o pedagógico. Precisamos, mesmo, de união, fazer com que a Vale assuma a sua responsabilidade perante a comunidade”.

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Proibição do garimpo

Amintas Cigano, outro morador de Antônio Pereira, trabalhou na Vale como operador de perfuratriz. Para ele, a Vale não pode recusar dar auxílio aos moradores do distrito, classificando a postura da mineradora com a comunidade como reprovável. “Na nossa partida para a Assembleia, ela joga polícia em cima de nós, com armas tipo de uma [calibre] doze. Eu não preciso disso, não. Nos sentimos humilhados. Nunca vi isso. A gente não vai lá colocar polícia nos ônibus dela”, protestou.

Também de acordo com Amintas, a Vale está “matando” os adolescentes de Antônio Pereira com a barragem Doutor e retirando o direito dos moradores dos distritos. “O que eu quero dizer para a Vale é o seguinte: desrespeito conosco, não. O que ela está fazendo é um absurdo. Ela está tirando nossos moradores do lugar, escola ruim, falando que a barragem vai estourar. Aquele material em frente Antônio Pereira não acaba. Eles trabalharam errado. Estão querendo botar a culpa em nós. A poeira está afetando nosso lugar. Aquilo é matar as pessoas”, finalizou.

A atuação da Vale em Antônio Pereira também tem afetado o comércio da comunidade. Alessandra dos Santos realizou o sonho de abrir uma padaria, junto com seu marido, no distrito. Mas, com o desmoronamento do vertedouro de descomissionamento da barragem Doutor, eles perderam muitos clientes que precisaram ser removidos de suas casas. “Meu marido, hoje, trabalha fora, longe da família, devido ao transtorno que a Vale tem nos causado. Meu marido tem ansiedade, faz tratamento de dois em dois meses, vai ao médico. A gente tem laudo médico. Um problema a situação que a Vale nos causou”, relatou.

As intervenções da Vale em Antônio Pereira também têm afetado a educação no distrito. Segundo a diretora da Escola Estadual Antônio Pereira, Rita de Cássia, há um choque psicológico sobre os alunos que influencia o desenvolvimento pedagógico deles. Nós estamos vendo um desmando e uma impunidade que deixam todos nós apreensivos. A poeira atrapalha, o trânsito tem sido intenso, os nossos professores, às vezes, nem chegam na escola por conta do trânsito, ou atrasam tanto que prejudicam o pedagógico. Precisamos, mesmo, de união, fazer com que a Vale assuma a sua responsabilidade perante a comunidade”.

Wilson Nunes discursando em favor dos garimpeiros tradicionais de Antônio Pereira - Foto: Ricardo Barbosa/ALMG

De acordo com a legislação vigente, o garimpo legal é aquele que é feito tradicionalmente por uma comunidade. A atividade garimpeira ilegal é a que utiliza grandes máquinas e é feita por pessoas de forma independente, sem ser um trabalho passado por gerações da família.

Minas Gerais foi fundado a partir da descoberta de ouro em Mariana. Estabeleceu-se um garimpo, que é deste garimpo que estou falando. Espalhou pela região, foi usado, à época, mão de obra escrava. Após a carta de alforria, esse povo ficou morando às margens do rio e constituiu essas comunidades, que já existiam. Eles tiravam ouro em determinada época do ano. Quando o rio enchia, eles passavam para agricultura, pesca e outras atividades. Mas a atividade principal sempre foi a extração de ouro. Como o estado nunca investiu em capacitar pessoas para fazer outro tipo de trabalho, muitos desses garimpeiros, que assinam com o polegar direito, continuam tendo hoje, como sua principal atividade, a extração de ouro”, explicou Sérgio Papagaio, coordenador do grupo de garimpeiros tradicionais do Alto Rio Doce, que compreende Antônio Pereira.

Respaldo da Prefeitura

Até o momento, 182 famílias foram removidas do distrito, sendo 576 pessoas retiradas pela Defesa Civil de Ouro Preto. Já que não há ATI, o órgão fez com que a empresa Vale apresentasse a nova mancha, chancelada pela auditoria independente da Vale, para a comunidade. A apresentação ocorreu em 25 de maio, durante reunião realizada na Escola Estadual Daura de Carvalho, gerando muitos questionamentos e reclamações da população local.

Depois dessa apresentação, a Defesa Civil realizou 60 novas vistorias, analisando casa a casa, família por família, na mancha apresentada. Além disso, o órgão fez, no início desse processo, uma ação inédita em Minas Gerais, que foi a remoção preventiva. Pela Legislação, uma barragem nível 2 teria que ter, necessariamente, a remoção de pessoas. A Defesa Civil, portanto, se apresentou e exigiu que a empresa promovesse a remoção das famílias que estavam nas áreas, preventivamente, antes que acontecesse outra tragédia, como em Mariana e Brumadinho. “Numa negociação, no início do ano passado, nós conseguimos que a empresa removesse esse grupo de 33 famílias que moravam ali. Depois, em função das fortes chuvas que acometeram Ouro Preto por cinco meses e que deixavam cinco famílias na zona de auto salvamento (ZAS), nós sugerimos a remoção dessas famílias, que estão há seis meses num hotel”, relembrou Juscelino Gonçalves.

Em Ouro Preto há outras 39 barragens de mineração. Nos últimos cinco meses, com as fortes chuvas na Cidade Patrimônio, houve um prejuízo estimado em R$230 milhões para os cofres públicos, só com pontes, estradas, casas e mortes.

Em 2020 foi iniciado o processo de readequação das condições ambientais de Antônio Pereira, inclusive com a remoção de centenas de pessoas de suas residências em função da mancha. Diversas ações e obras foram iniciadas sem que a devida atenção aos moradores fosse oferecida. Em 2021, a atual gestão municipal, apesar de todas as circunstâncias negativas e prejudiciais da pandemia e da reduzida força operacional e financeira, prontamente iniciou o acompanhamento de toda a situação por meio da Defesa Civil. “Por parte da procuradoria geral, estamos atuando intensamente junto ao Ministério Público e ao poder Judiciário, buscando o desenvolvimento ágil dos processos judiciais administrativos sancionatórios. Não existe, do ponto de vista jurídico, outra medida a adotar se não a atuação nos autos judiciais em defesa dos moradores de Antônio Pereira. Assumimos, junto ao Ministério Público, o compromisso em dedicar mais esforços para a resolução do processo judicial para a devida reparação acelerada desse problema e a proposição da ação judicial que for necessária para coibir outros atos criminosos por parte da Vale e de qualquer outra empresa que venha a atuar no nosso município”, destacou Diogo Ribeiro.

Só em relação à Vale, existem mais de 30 processos em que a Procuradoria-Geral do Município atua, desde ações de execuções fiscais em razão do não pagamento de tributos municipais a ações civis públicas. Há, também, uma atuação sobre um débito da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), em Ouro Preto, que supera mais de R$500 milhões, de acordo com o último levantamento realizado pela instituição.

Apoio dos deputados

Deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT) fazendo o uso da palavra na audiência - Foto: Ricardo Barbosa/ALMG

Beatriz Cerqueira (PT) é uma das mais ativas parlamentares de Minas Gerais na luta pelo auxílio ao povo atingido por barragens. A deputada participou da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) de Brumadinho, em 2019, e atua em defesa da população atingida da Região dos Inconfidentes. “A negativa do direito à Assessoria Técnica é uma tática da Vale de controlar a comunidade, controlar as informações, por meio de grandes escritórios contratados que cumprem a função da violação permanente das populações que são atingidas pelas consequências dos seus empreendimentos minerários. Vale lembrar que a barragem Doutor, que impacta diretamente a comunidade acumula o triplo de rejeitos da barragem que rompeu em Brumadinho. Vale lembrar que uma obra iniciada pela Vale em 2020, a construção de um vertedouro com a função de descarregar a água e garantir a segurança da barragem desmoronou em outubro do ano passado”, ressaltou a parlamentar.

A Vale não foi convidada para a sessão. Questionada pela Agência Primaz, Beatriz Cerqueira explicou que a audiência foi um mecanismo exclusivo de escuta da população. “O objetivo da audiência é fazer a escuta da população. A Vale detém poder político e econômico. Ela controla boa parte dos processos, no sentido de procedimento junto à comunidade. As audiências ela faz virtualmente, todas controladas por ela. O dia inteiro aqui na Assembleia, que acompanhou, percebeu como a comunidade precisava falar e ser escutada”, afirmou a parlamentar.

O deputado federal Padre João (PT) chegou à sessão perto do fim da tarde. Ele pegou um voo em Brasília só para estar presente na audiência e fez um apelo para que a população continue com esperança de dias melhores, destacando que a Vale não pode continuar ignorando o Poder Judiciário e o Ministério Público. “É inadmissível esse aparato público por parte da população e a favor dessa empresa criminosa que não tem ninguém punido até hoje e que tenta punir os trabalhadores e trabalhadoras, invertendo o processo. Tem uma audiência por nós requerida na Comissão de Minas e Energia para fazermos valer o direito dos garimpeiros”, salientou.

Outro deputado federal do PT, Rogério Corrêa, também chegou à audiência já perto do fim da sessão, destacou os avanços alcançados pela legislação e salientou a importância em mudar a mentalidade em relação à prática mineradora. “Aprovamos na Câmara Federal, uma lei mais rígida de segurança às barragens, em especial às futuras, mas que obriga as atuais barragens a serem desfeitas. A Vale é poderosa, mas nós organizados, podemos fazer a diferença nesse processo. Precisamos rediscutir essa prática de mineração, que é predatória e apenas serve para exportar nossa matéria prima sem produzir emprego, devastando o meio ambiente”, declarou à Agência Primaz.

A audiência pública na Assembleia Legislativa teve alguns encaminhamentos importantes para a sequência da luta do povo de Antônio Pereira, como:

    • Solicitação imediata de contratação da Assessoria Técnica Independente, conforme já foi escolhida pela comunidade;
    • Solicitação ao Governo de Minas Gerais a regulamentação da legislação dos direitos dos atingidos por barragens;
    • Visita da comissão de educação ao distrito
    • Encaminhamento à Prefeitura de Ouro Preto, ao Ministério Público, ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais e à Vale das demandas que foram construídas pela população.

Em nota encaminhada à Agência Primaz, a Vale informou que tão logo iniciou a remoção programada da Zona de Autossalvamento da barragem Doutor, em 2020, passou a atuar para que a comunidade de Antônio Pereira retome as condições de vida anteriores. “A empresa não tem medido esforços no sentido de reparar e compensar, de forma justa e célere, os transtornos causados no distrito.  As ações de compensação e desenvolvimento são definidas a partir da escuta ativa dos moradores, do diálogo com o poder público e da participação direta de representantes da comunidade para que as principais necessidades locais sejam conhecidas e priorizadas”. 

Ainda de acordo com a Vale, é realizado o monitoramento contínuo dos trabalhos, de modo a identificar e eliminar, quando possível, ou reduzir os impactos das obras de descomissionamento da barragem Doutor. “Em Antônio Pereira, os compromissos assumidos pela empresa com a redução de impacto das obras estão sendo cumpridos, como, por exemplo, a umectação rotineira das áreas diretamente impactadas”, informa na nota, ressaltando que a contratação da assessoria técnica para os atingidos está em discussão em âmbito judicial.

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