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Hoje é sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Polo cultural, Ouro Preto abre espaço para artistas alternativos no Marte Festival

O evento levou arte e tecnologia para a Cidade Patrimônio, com oficinas, palestras e shows no centro histórico

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Pólo cultural, Ouro Preto abre espaço para artistas alternativos no Marte Festival
Marte Festival levou a Ouro Preto uma programação diversificada, envolvendo arte e tecnologia, para o centro de Ouro Preto entre os dias 26 e 30 de julho - Foto: jpsofranz/Marte Festival
Durante os dias 26 e 30 de julho, Ouro Preto recebeu o Marte Festival, evento que proporciona o encontro da cultura contemporânea com a produção cultural, envolvendo arte e tecnologia. Além de oficinas e palestras, a Cidade Patrimônio foi palco para shows de vários artistas alternativos do Brasil, que ganharam notoriedade na internet e hoje já possuem um tipo de público nichado, mas muito fiel.

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O Marte parte da premissa da gente entender como a tecnologia é capaz de promover uma nova linguagem. Como ela propicia que a gente experimente. Crie a arte, a música, de uma maneira diferente. Que a gente consiga encontrar novos códigos. Acho que a tecnologia vem no momento que, ao mesmo tempo, ela favorece uma cultura hegemônica, mas também favorece que artistas novos consigam se produzir em casa, encontrar seu público, como são os artistas que a gente trouxe no line-up”, declarou Erick Krulikowski, organizador do Marte Festival, à Agência Primaz.

Um traço desse tipo de cultura contemporânea que vem sendo produzida é a mescla de referências, não sendo possível definir exatamente o estilo musical dos artistas. Símbolo disso foram não apenas os artistas do Marte, mas até as apresentações gráfica e de luz do festival.

Essa característica do som contemporâneo é reflexo do comportamento da Geração Z, que tem cada vez mais acesso à informação em uma velocidade ainda maior. Cheio de dados e referências, a cultura alternativa cresceu mesclando forró com eletrônico, funk com samba, MPB com trap.

Eu costumo dizer que não dá pra explicar isso, porque são 30 anos de vida. Todos os buracos que eu tenho no meu corpo entra alguma informação. Eu acho que é apenas o resultado de tudo isso. Então, eu costumo não centralizar e não responsabilizar uma pessoa por isso, porque eu estou deixando as coisas entrarem o tempo inteiro”, comentou Getúlio Abelha à Agência Primaz.

Getúlio Abelha é um dos artistas mais excêntricos da programação do Marte, misturando muito forró e batidas eletrônicas em uma performance picante e interativa, junto com seus dois bailarinos. “Eu estava me perguntando o tempo inteiro por que me chamaram pra esse festival, exatamente pelo quão absurdo é eu fazer esse show de forró aqui hoje. Mas se for parar pra pensar, não é tão absurdo, pois eu acho que o festival é visionário nesse sentido de trazer esse estilo que eu estou produzindo”, salientou.

Gêneros musicais

Desde os anos 1940 até 2000, era muito comum a crítica especializada classificar os tipos de músicas que eram criadas. Os prêmios mais renomados de música, inclusive, possuem troféus para cada categoria, como R&B, Rock, Pop, Rap, Jazz e Blues, entre outras. Mas, de uns tempos para cá, com o processo de globalização atingindo também o setor cultural, fica cada vez mais difícil rotular as produções que têm sido lançadas a partir de 2010.

Se você for ver, o nome é dado depois que passa muito tempo, por outras pessoas, inclusive. A gente vai olhando para história e falando o que foi o que era. Quando você vai ver, os caras que cantavam bossa nova não sabiam o que era bossa nova ainda. Eles foram nomeados depois”, opinou Lay, da banda Tuyo, em entrevista à Agência Primaz.

A Tuyo é um dos grupos mais promissores da cena alternativa. Com dois discos lançados, inclusive com participações de Lucas Silveira e Luccas Carlos, a banda formada em Curitiba conta com o talento de duas vozes femininas e um instrumental masculino que fazem com que o seu timbre sonoro soe bastante diferente.

Em Ouro Preto, durante o Marte Festival, o trio se apresentou na Casa da Ópera, no dia 28 de julho, em um show que contou com um DJ set, baixo, guitarra e processamento de voz, fazendo uma mescla de um universo orgânico com a linguagem eletrônica.

Se a gente for definir, eu gosto de chamar a gente de pop, porque o pop é democrático, atinge muito mais gente. Mas eu sinto que a gente faz muitas manobras do universo eletrônico, a gente flerta bastante com o que acontece no house, um pouco de afropop”, declarou Lio, a outra voz da Tuyo, à Agência Primaz.

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Pólo cultural, Ouro Preto abre espaço para artistas alternativos no Marte Festival
Banda Tuyo, em entrevista após o show na Casa da Ópera - Foto: jpsofranz / Marte Festival

A Tuyo representa muito bem essa classe de artistas alternativos contemporâneos, por ser diverso e muito autêntico. Esse traço é algo que está presente na geração Z em vários aspectos, principalmente nas formas de se representar indivíduos e nas diversas maneiras de se comunicar com outras pessoas.

Eu entendo que, para muitos artistas da nossa geração, a motivação é muito do interior. Teve época que era uma observação para fora, para se comunicar. Você vai ao rolê, entende e escreve como é aquele rolê. Eu acho que, hoje, muito da nossa motivação, é o rolê que está acontecendo dentro de nós, que se identifica no mais próximo e, depois que a gente vê, esse mesmo rolê está acontecendo com todo mundo. Daí a dificuldade de se definir como uma alguma coisa”, complementou Jean, o instrumentista da Tuyo, à Agência Primaz.

Outro exemplo de artista “multigênero” é o DJ Vhoor, que ganhou disco de ouro com o rapper FBC, com o álbum “Baile”, e que se apresentou no Marte Festival no mesmo dia da banda Tuyo. Com uma pegada de “world music eletrônica periférica”, ele estuda música eletrônica e cultura do gueto, fazendo um som diferenciado como produtor de música de favela. 

A produção desses artistas, como Getúlio Abelha, Tuyo e Vhoor, conseguiu chegar até pessoas do Brasil todo e cativar um público nichado, que consegue garantir o sustento da cena musical contemporânea. Para que isso fosse possível, não tem como deixar de lado da discussão a democratização do mercado com a ascensão da internet. É muito doido. A gente já está em outra geração. Hoje, eu sou um músico que vive da internet para poder trabalhar. A maioria dos meus trabalhos vêm da internet. Eu monetizo meu trabalho todo pela internet. Ganhar o disco de ouro pela internet é muito louco. A gente vê que o cenário está mudando”, relatou Vhoor .

Pólo cultural, Ouro Preto abre espaço para artistas alternativos no Marte Festival
Getúlio Abelha performando no palco do Marte Festival, na Praça Tiradentes, no dia 29 de julho | Foto: Rômulo Soares / Agência Primaz

Oportunidade

O Marte é um festival audacioso, que leva a cena alternativa para um diâmetro de alcance que se justifica em uma cidade histórica e tradicional. Os produtores assumiram o risco de confiar na curiosidade e perspicácia da população de procurar o que está à margem da música brasileira, apresentando estéticas que caminham fora dos grandes veículos.  Isso é de muita coragem. Eu imagino que esteja sendo desafiador para os organizadores, mas acho importantíssimo que corram esse risco. Nós sabemos em que situação política e econômica nos encontramos, de catástrofe, de desastre, de desespero, com relação ao que se pensa da cultura do Brasil. Então, o que a gente viveu aqui foi um milagre, se parar pra pensar”, declarou Lio, da banda Tuyo.

O Marte Festival se propõe a levar o underground, que já é consolidado em grandes centros, para uma cidade do interior de Minas Gerais, com pouco mais de 70 mil habitantes, onde as festas tradicionais são o cargo chefe da agenda cultural. Para os artistas, é um desafio cativar e conquistar um público que não faz parte de sua bolha.  Esse tipo de espaço é muito importante pra gente conseguir trazer esse tipo de música pra cá. Eu que sou de Belo Horizonte, já acho difícil chegar esse tipo de música na minha cidade. Imagino que aqui também tenha esse tipo de coisa. Trazer um pouco do underground pro interior do meu estado é algo incrível, até mais gratificante que tocar em outro lugar”, destacou Vhoor.

Pólo cultural, Ouro Preto abre espaço para artistas alternativos no Marte Festival
Vhoor fechando a noite do dia 28 de julho do Marte Festival, na Praça Tiradentes | Foto: jpsofranz / Marte Festival

Mas a experiência do Marte Festival não foi gratificante apenas para os artistas. O público também comprou a ideia e colocou uma média de público superior a mil pessoas na Praça Tiradentes durante os cinco dias do evento.

Eu acho que o festival é importante como estratégia de democratização também, não só de visibilidade para esses artistas, que têm plataformas um pouco reduzidas de um grande público. Mas trazê-los para a cidade é uma estratégia interessante de divulgação, para eles terem esse contato com o público”, comentou Yuri Torres, que prestigiou o evento como espectador.

Ouro Preto e a influência mineira

Berço de artistas consagrados na música nacional, Minas Gerais possui, em algum grau, influência na maioria dos artistas contemporâneos. Mas tais influências não partem apenas dos nomes mais antigos da cultura mineira, pois o estado ainda é representado por novos músicos que também seguem levando a “mineiridade” para todo o Brasil, principalmente na cena ligada ao rap.

Sou a ‘louquinha’ com o Milton Nascimento. Quem não é, é maluca, com todo respeito. E muitos nomes que têm acontecido nesse momento. A gente tem um carinho muito grande pelo Vhoor, pelo FBC, que a gente conheceu curiosos por querer entender o que estava acontecendo no hip-hop de Minas Gerais. Djonga, que está aí fazendo mais barulho que caminham ao contrário. Minas tem sido bastante generosa com o Brasil na hora de dividir seus artistas”, comentou Lio, da banda Tuyo.

Falando em “berço”, Ouro Preto, primeira capital de Minas Gerais, é, também, um berço para a história e a cultura mineira. A banda Tuyo se apresentou na Casa da Ópera, teatro mais antigo da América Latina. “Um privilégio poder acessar esse espaço aqui e tocar. Foi muito doido”, afirmou Jean. 

Ouro Preto é quase um museu a céu aberto, tanto que é a primeira cidade do Brasil a ser tombada pela Unesco como Patrimônio da Humanidade. O município, cheio de história, lugar da Inconfidência Mineira, da arquitetura barroca, das festividades e culinária tradicional, é um lugar especial não apenas para visitar, como para se apresentar também.

A gente brinca muito entre nós que os interiores se conhecem e se reconhecem. A Tuyo nasceu em Curitiba, mas a gente se criou em Londrina, que é Norte do Paraná. Nunca nem sonhava que a gente viria pra Minas Gerais. Toda vez que a gente frequenta uma esquina de Minas Gerais, os interiores se encontram, se espelham. A gente se sente muito à vontade. Ouro Preto é cheio de memórias. Muita coisa passou pela minha cabeça sobre isso no show”, declarou Lio.

Com tudo isso que Ouro Preto agrega, citar o turismo é inevitável. Durante todo o mês de julho, a cidade teve uma média de 85% da rede hoteleira preenchida, 100% em todos os finais de semana, e se tornou a segunda cidade mais procurada do Brasil para visitação. Somado ao Marte, o município atraiu ainda mais pessoas, mas com uma proposta diferente, como parte da agenda cultural da região central do estado.

O Marte é um festival que une a tecnologia com a arte, e isso é uma coisa muito linda. É, de fato, muito importante ter festivais como esse, que tragam as pessoas para as cidades históricas do Brasil, saírem da correria, virem conhecer de onde elas vierem. Isso é muito importante. Fazer com que a gente tenha conexão com os lugares que, de fato, a gente pertence. Então, assim, sou muito grata a festivais como o Marte”, declarou Agnes Nunes, cantora que fechou o festival no dia 30 de julho, à Agência Primaz.

Pólo cultural, Ouro Preto abre espaço para artistas alternativos no Marte Festival
Agnes Nunes fechando a edição 2022 do Marte Festival | Foto: jpsofranz / Marte Festival

Agnes Nunes é um caso curioso dentro da cultura alternativa, pois pode-se considerar que ela alcançou uma notoriedade que furou a bolha do underground, atraindo fãs e artistas do mainstream. A cantora é considerada uma revelação do MPB. Para além dos seus mais de 2 milhões de seguidores nas redes sociais, a artista conquistou fãs do porte de Caetano Veloso e já se apresentou em países da Europa, como Inglaterra e Portugal. 

Eu confesso pra você que, primeiramente, é uma honra e eu sou muito grata por ter sido abraçada dentro da música por essa maneira. Mas também é uma responsabilidade muito grande, de uma hora pra outra você começar a fazer sucesso com o que você faz, com sua arte. Acredito que nada é do dia pra noite. É uma carreira que está sendo construída”, declarou Agnes Nunes, de apenas 19 anos, à Agência Primaz

Apesar da pouca idade, Agnes não se sente nem um pouco pressionada em ser uma promessa da MPB. “Eu levo tranquilo demais. Da forma mais divertida possível. Meu pensamento é me divertir e fazer o que eu amo. Eu só vou levar o que eu fazia, da janela da minha casa, pro palco, pras pessoas, ao vivo”, contou.

Das pequenas casas de show para os grandes festivais, dos grandes centros para o interior, a cultura alternativa é a nova cara desta geração. Não é possível definir de forma padronizada o que é a relevância disso é ainda menor. O importante a se destacar é que a música brasileira passa por transformações ao longo do tempo e que, ainda que confusas, mantém vivo tipos de mercado, de público e de identidade. Seja da forma que for, o setor cultural está mais aquecido do que nunca em 2022, seja nas capitais ou mesmo no interior. 

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