Necessidade e riscos da retomada das atividades econômicas em Mariana

Plano prevê a compatibilização da prevenção e enfrentamento da propagação do novo coronavírus (COVID-19) com a manutenção da economia, pleno emprego e bem-estar social no município

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Instituído pelo Decreto Municipal nº 10.071, de 30 de abril de 2020, o Plano Estratégico de Retomada Gradual das Atividades Econômicas estabeleceu as condições para a reabertura de estabelecimentos comerciais que não haviam sido considerados essenciais no decreto que estabeleceu restrições à atividade empresarial.

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Publicado no Diário Oficial de Mariana na última terça-feira (05), o decreto prevê que, mediante a apresentação e aprovação de um plano de ação e posterior assinatura de um termo de compromisso, será possível a retomada das atividades “de forma gradativa e segura, após aprovação da Administração Pública Municipal (…) como forma de mitigar os efeitos maléficos decorrentes do novo coronavírus na economia do município”.

Na prática, a nova determinação da Administração Municipal abre a possibilidade de funcionamento, sob determinadas condições, de setores que anteriormente haviam sido considerados como não essenciais, tais como: lojas de alimentos para animais; comércio varejista em geral; bares, sorveterias e distribuidoras de bebidas; salões de beleza, barbearias, clínicas de estética e similares; hotéis, pousadas e afins; marcenarias, serralherias, lava-jatos e locadoras; assistências técnicas; transporte corporativo, academias esportivas, profissionais liberais e estabelecimentos ou instituições classificadas como Terceiro Setor.

No caso das instituições financeiras, o decreto anterior mencionava “agências bancárias e similares”, termo que foi agora substituído por “financeiras, bancos e correspondentes bancários”. Para consultórios médicos, cai a restrição de “saúde complementar e assistência médico-hospitalar”, assim como a possibilidade de atendimento apenas a casos de urgência nos consultórios odontológicos e veterinários

Além disso a determinação legal prevê que “os serviços essenciais em funcionamento também devem protocolar o Plano de Ação, estando sujeitos à fiscalização e penalidades em caso de não apresentação e/ou descumprimento do mesmo”, prevendo ainda a manutenção da obrigatoriedade de utilização de máscaras por “todos os clientes e funcionários atuantes”.

Não se enquadram no plano as aulas presenciais na rede pública municipal de ensino, vedação aplicável também às escolas e instituições educacionais privadas; a abertura de templos religiosos, principalmente, para realização de cultos religiosos, espirituais e espiritualistas; os eventos com aglomeração de pessoas em qualquer número, de caráter público ou privado, incluídas reuniões e cursos presenciais, comemorações, shows, eventos culturais, atividades esportivas e afins; as feiras, eventos e atividades em clubes recreativos e similares, espaços culturais, bibliotecas e praças e espaços públicos e privados, assim como as visitas ao Lar Santa Maria (Asilo).

Duas determinações do decreto chamaram a atenção de nossa reportagem. A primeira é que o Art. 4º prevê a apresentação do plano de ação “72 (setenta e duas) horas a contar da data de publicação” do decreto. E a outra é a disposição do Art. 7º que mantém “inalteradas até o dia 15 de maio de 2020 as determinações do Decreto nº 10.030, de 16 de março de 2020, e do Decreto nº 10.041, de 23 de março de 2020, no que se refere ao impedimento de funcionamento das atividades comerciais, industriais e de prestação de serviços considerados NÃO essenciais”. A Agência Primaz buscou esclarecimentos sobre esses pontos, mas não obteve retorno do Secretário de Desenvolvimento Econômico. Entretanto, foi apurado que os planos de ação estão sendo protocolados em regime de fluxo contínuo, que as análises estão sendo feitas pelo Comitê Gestor do Plano de Prevenção e Contingenciamento em Saúde do COVID-19, e que as equipes de fiscalização vão iniciar os trabalhos nesta segunda-feira (11).

Necessidade da retomada

O Plano Estratégico de Retomada Gradual das Atividades Econômicas de Mariana (clique aqui acesso ao texto original) foi desenvolvido sob a coordenação do Comitê Gestor do Plano de Enfrentamento em Saúde COVID-19 e envolveu diversos setores da administração pública municipal. Embora não citada nominalmente, a Associação Comercial, Industrial e Agropecuária de Mariana (ACIAM) informa que teve participação decisiva nas questões envolvidas e em reuniões que coletaram informações para a elaboração do plano, inclusive até mesmo com a iniciativa de propor e realizar reunião com o representante do Ministério Público. Por telefone, Rubens Nunes, Gestor Administrativo, e Amarildo Pereira, Diretor Comercial, enfatizaram que a ação da associação sempre foi norteada pela preservação da saúde pública, ressaltando que o plano é um avanço, mas talvez não contemple as necessidades específicas de todos os setores. “Para conseguir isso a ACIAM tem procurado realizar reuniões de setores específicos com o Comitê Gestor, como já foi feito com o setor de academias e será o caso dos restaurantes na próxima semana”, informa Amarildo, reforçando a importância da questão do cooperativismo.

Tanto Amarildo quanto Rubens não veem problemas quanto à responsabilização dos comerciantes pela organização das filas, uma vez que “os estabelecimentos comerciais que podem ter a possibilidade de filas são aqueles que já estavam autorizados a funcionar, como padarias, bancos e supermercados, mas há a necessidade de ação conjunta do poder público, uma vez que seguramente haverá uma coexistência das filas de bancos com as de outros tipos de comércio”. Amarildo ressaltou, entretanto, “a responsabilidade de cada cidadão para que não ocorram problemas”, reforçando a preocupação da entidade com a saúde em primeiro lugar. Mas lembrou a importância da preocupação com a manutenção do emprego. “Quem é que vai segurar esse eventual desemprego em massa, uma vez que vai haver sim um aumento de pessoas desempregadas em Mariana. Está nítido isso porque, mesmo o comércio voltando a funcionar, não há garantia nenhuma que as pessoas vão comprar”, finalizou.

Nossa reportagem fez contato com vários empresários e empresárias locais. Apenas um se dispôs a comentar o assunto, mas sob condição de anonimato. Ele não gosta do termo “empresário”, preferindo adotar “dono de comércio” ou “dono de pequeno comércio” para designar a si próprio a à maioria dos que se dedicam a essa atividade em Mariana. Também por telefone, ele fez uma série de considerações sobre a situação da maioria de seus colegas em Mariana. “Filas de instituições bancárias, supermercados e transporte público são os três grandes possíveis focos de aglomeração e, portanto, de possibilidade de contágio. Isso não só em Mariana, mas a nível nacional. E esses setores estão prejudicando a população, na medida em que estão funcionando e o resto não”, reclama, reforçando a declaração de Amarildo Pereira.

“A ajuda dos governos federal e municipal na parte de  impostos até veio. É maravilhosa? Não, mas veio! Mas a ajuda em termos financeiros não chegou” (Comerciante local)

Para nossa fonte, os comerciantes locais precisariam de ajuda governamental, “mas o poder público municipal não tem cacife para isso. O governo estadual também não tem, e continua cobrando um ICMS altíssimo”. Dizendo-se ainda sem condições de vislumbrar as consequências econômicas futuras e suas implicações na economia local, o comerciante informa que o setor está “muito sobrecarregado porque jogou toda a sobra que tinha do final de 2015 pra cá, tentando manter o comércio aberto, não tem mais gordura pra queimar, e veio esse negócio aí [referindo-se à pandemia]. A ajuda dos governos federal e municipal na parte de impostos até veio. É maravilhosa? Não, mas veio! Mas a ajuda em termos financeiros não chegou”.

Nesse pondo ele se mostra descontente com as medidas econômicas adotadas pelo governo federal. “As medidas provisórias em relação a funcionários estão cheias de pegadinhas que podem comprometer as finanças do empregador”, queixa-se o comerciante. E reclama que ninguém em Mariana conseguiu a ajuda para folha de pagamento, mesmo os que não tem dívidas e nunca contraíram empréstimos. “Bradesco, Itaú e Santander fazem propaganda no Jornal Nacional e, no dia seguinte, você vai nos bancos e a resposta é que não chegaram as diretrizes para operacionalização dos empréstimos”, acusa. E não vê perspectivas favoráveis nem no Programa Desenvolve Rio Doce, instituído pela Fundação Renova em parceria com o BDMG (Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais), nem no PRONAMPE (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), que está dependendo de sanção presidencial desde 22 de abril. “O quê que um cara que fatura 1 milhão/ano faz com esse valor que ofereceram a ele [Programa Desenvolve Rio Doce] como empréstimo? A propaganda é maravilhosa, mas na prática não ajuda ninguém”, denuncia.

Sobre o plano, ele entende que as primeiras fiscalizações serão mais educativas e só haverá sanções quando ocorrer reincidência no erro. “Nesse aspecto não tenho nada a reclamar do governo municipal. Entendo que alguns pontos podem ser melhorados, mas está razoável e dentro do possível”, finaliza.

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Riscos

Guilherme de Sá Meneghin, Promotor de Justiça em Mariana, comentou a participação do Ministério Público no processo, destacando ter deixado claro que não é competência do MP “autorizar ou dar aval a essas questões”. Meneghin diz que compete ao município avaliar o cenário e aí sim adotar as providências que julgar pertinentes. “Tem algumas normas que são obrigatórias e essas é que nós [Ministério Público] fiscalizamos”. Como exemplo ele menciona as deliberações do comitê estadual do COVID-19, a lei nacional e as recomendações do Ministério da Saúde e destaca que “se o município, por exemplo, não adotar medidas de isolamento social para qualquer pessoa que apresente sintomas, se o município não adotar medidas nesse sentido, aí está incorrendo em ilegalidade”.

Indagado sobre sua visão quanto aos riscos de perda de controle com a retomada das atividades econômicas, o promotor afirmou que, dentro da competência legal do município, qualquer solução que for adotada tem que ser baseada em dados concretos, levando em consideração o contexto local, envolvendo a capacidade do sistema de saúde e a análise de como se dá a evolução dos contágios. Ainda demonstrou ter esperança que o próprio município use o bom sendo e faça voluntariamente a reversão das medidas em caso descontrole. “Se ele não fizer, nós vamos tentar, inicialmente, um diálogo extrajudicial. Mas, se não for possível e a gente perceber que está extrapolando, aí é o caso de o Ministério Público entrar com uma ação para decisão do Poder Judiciário”, finalizou.

Fila em instituição bancária na última sexta-feira (08) - Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz

Braz Azevedo, Secretário de Defesa Social informou à Agência Primaz que equipes formadas por integrantes da Guarda Municipal (GM), da Vigilância Sanitária e da Fiscalização de Posturas farão o trabalho de fiscalizar os estabelecimentos autorizados a funcionar, e que “ainda teremos o telefone 153 para recebimento de denúncias”, com mobilização  de todo o efetivo da GM. Segundo Braz, a fiscalização vai fazer um check-list do termo de compromisso dos estabelecimentos comerciais. Sobre o momento atual e os riscos a partir da retomada, o secretário diz que “nossa maior dificuldade, principalmente em relação a filas, é porque parece quase automático do ser humano que a pessoa dê um passo à frente ao menor movimento da fila”. Destacando a necessidade de compreensão e conscientização da população, Braz considera que o trabalho é complicado “porque a fiscalização passa distanciando as pessoas mas, quando chega no fim da fila, o início já está mais compactado”. Ele se mostra confiante que a nova situação vá sendo controlada aos poucos e lembra que os mecanismos de repressão colocados no decreto vão ajudar o trabalho da fiscalização. “Nos casos de comprovada desobediência às normas por parte dos comerciantes, eu acredito que além da aplicação de multa, com essa possibilidade de cassação do alvará, o pessoal vai ficar mais preocupado e vai facilitar pra gente”, ressalta.

Reforçando a questão da necessidade de ampla colaboração de todos, o prefeito Duarte Júnior reforçou o papel da administração, em termos da elaboração das normas de enfrentamento da pandemia, com acompanhamento diário da evolução e disponibilização de instalações e equipamentos. E finalizou deixando um recado para a população marianense: “Não adianta criar um plano detalhado, com análise da possibilidade de retorno de cada empresa, se a população não fizer a parte dela. Ou a população vai se conscientizar ou nós teremos, daqui a pouco, a reversão do plano, se a gente perceber que a situação pode se agravar”.

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