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Hoje é sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Um lugar de passagem

Escassez de oferta na Região dos Inconfidentes: As dificuldades que os estudantes da Universidade Federal de Ouro Preto encontram para se inserir no mercado de trabalho local.

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Sobre fundo branco, a logomarca da Agência Primaz, em preto, e a logomarca do programa Google Local Wev, em azul, com linhas com inclinações diferentes, em cores diversasde cores diversas
Casas coloniais da Rua Getúlio Vargas, em Ouro Preto, com lateral da Igreja das Mercês, ao fundo e no alto
Rua Getúlio Vargas, Ouro Preto – Foto: Júlia Raydan

O passado colonial, a arquitetura barroca e a paisagem montanhosa são características ostensivas que marcam a Região dos Inconfidentes. Foi diante desse cenário que, há 53 anos, surgiu a Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Atualmente, com 38 cursos de graduação, a instituição abrange cerca de 10 mil alunos, sendo a grande maioria jovens de outras regiões do Brasil, que deixaram seus lares em busca de um ensino superior público e de qualidade.

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Devido a esse fluxo intenso de novas singularidades, as cidades universitárias, como Mariana e Ouro Preto, tornaram-se centros de enorme efervescência cultural, que influencia toda a população já preestabelecida. Além disso, os setores econômicos, como o imobiliário e o comercial, também sofrem grandes mudanças com a chegada, a cada período, de novos moradores.

Vivendo uma vida de novos aprendizados e experiências, esses alunos, ao se estabelecerem nas cidades, encontram na UFOP a base profissional que precisam para adentrar no mercado de trabalho. Porém, embora a universidade seja referência em vários cursos, a cidade coloca alguns empecilhos para a capacitação completa desses jovens, como a pouca oferta de estágio ou emprego integral. Ou seja, os estudantes têm êxito na formação acadêmica, mas, quando o assunto é, de fato, colocar o conhecimento adquirido em prática, a região não oferece um vasto campo de oportunidades.

Cidade de travessia

Nesse cenário, constantemente os alunos preocupam-se com a possibilidade de atrasarem a formação devido à dificuldade de realizar o estágio obrigatório e os graduados são arrebatados pela ideia de não conseguir emprego na área em que se especializaram. Cientes dessa realidade, abandonar a cidade, que durante bons anos foi um lar, torna-se uma questão que coloca os estudantes em constante estado de despedida e faz com que a cidade seja apenas um lugar de “travessia”, expressão utilizada pelo estudante do 8° período de letras, Jorge de Castro, para caracterizar Mariana.

Preocupado com as limitações trabalhistas e orçamentárias que a cidade impõe, ele afirma: “Na minha área, que é licenciatura, ainda é um pouco mais fácil encontrar emprego que em outros cursos, mas ainda assim é complicado. O custo de vida para um estudante ou recém-formado é altíssimo. Para mim, Mariana é um lugar de travessia mesmo, a gente vem, faz o curso, conhece pessoas, faz amigos e, depois, vai embora”.

Também é o que enfatiza Laene Andreata, aluna do 6° período de jornalismo. “Nunca pensei em ficar na cidade, porque ela não me oferece as oportunidades de emprego que eu preciso, principalmente por ser pequena e elitista. O custo financeiro para se viver aqui é muito caro”.

O alto preço do comércio e do setor imobiliário na Região dos Inconfidentes são fatores também apontados pelos estudantes da UFOP como responsáveis por dificultar a estadia em cidades como Ouro Preto e Mariana. Muitos alunos de baixa renda dependem de auxílios ou bolsas estudantis disponibilizadas pela universidade, mas elas terminam ao final da graduação. Sendo assim, após esse período, a não ser que encontrem um trabalho bem remunerado, fica difícil para os recém-formados permanecer nessas cidades.

Apesar dos empecilhos, deixar a região que foi sua vida por quatro anos ou mais não é um processo fácil. “É estranho, dá um friozinho na barriga. ‘Tô’ trabalhando minha cabeça para pensar que essa é uma mudança necessária para um futuro mais certo, mas confesso que é difícil” diz Castro, com os olhos marejando, já como uma prévia de saudade na face.

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Preocupação durante a graduação

A preocupação com o mercado de trabalho chega antes mesmo do fim da graduação. Conseguir um estágio é uma questão para grande parte dos alunos da UFOP, uma vez que, sem concluir o número de horas obrigatórias nessa experiência prática, o estudante tem sua formação atrasada.

A aluna do 5° período de jornalismo, Lívia Labanca, conta sua angústia por ainda não ter conseguido um estágio. “Isso me deixa extremamente ansiosa, já foi razão de muitas crises de ansiedade, porque é um medo acumulado. Medo de não conseguir estágio agora e, futuramente, de não conseguir emprego. Eu mando 30 currículos por dia e não sou chamada para nada. Aqui, em Mariana, tem poucas vagas para jornalismo, e as poucas que têm, são para áreas muito específicas”, desabafa.

A Região dos Inconfidentes proporciona um contexto de concorrência assídua, em que há um número pequeno de vagas, desproporcionais à grande quantidade de estudantes. Devido a essa deficiência estrutural, muitos alunos estão vulneráveis a desenvolver baixa autoestima intelectual, por não serem devidamente reconhecidos e absorvidos pelo mercado de trabalho local.

Fachada do Instituto de Ciências Humans e Sociais (ICHS) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)
Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS), UFOP – Foto: Paula Bamberg

Migração para outras cidades: uma realidade imposta após a graduação

Em razão da escassez de oportunidades de emprego após a conclusão de curso, os estudantes se deparam com uma possível alternativa: migrar para outras regiões que os acolham no mercado de trabalho. Esse é o caso de Vinícius Peret que, há cerca de um mês graduou-se em Farmácia pela UFOP e, atualmente, trabalha na área em São Paulo. “Eu mandei currículo para três empresas, só que empresas menores e eu não tive muito sucesso. Eu fiquei bem ansioso para arrumar alguma coisa, não sabia onde estava o problema, o porquê de eu não estar conseguindo e acabou que aqui em São Paulo eu consegui indicação de outras pessoas que eu conhecia, e deu certo”, declarou.

Para Vinícius, a falta de infraestrutura adequada é algo determinante para que os estudantes tenham que deixar as cidades da região. Ele aponta que, considerando os processos e as necessidades da profissão em que ele atua, seriam necessários investimentos não só em setores como o econômico e o tecnológico, mas também em indústrias secundárias à farmacêutica, para que a logística de distribuição pudesse ser facilitada. Tais requisitos não são cumpridos, entre muitas questões, pelo fato de a mineração se manter como a principal atividade econômica da região, o que faz com que a atenção esteja voltada para empresas como a Vale e a Samarco.

Os desafios durante a busca

Aqueles que conseguiram ingressar na área local também encontraram dificuldades durante o caminho, até serem contratados. As oportunidades são escassas até mesmo nos setores que costumam ser comumente distribuídos regionalmente, como o campo da docência. “Aqui em Mariana acho que, para trabalhar sem ser em sala de aula, é um pouco mais complicado. ‘Pra’ quem é professor, se você não for para o Estado, você fica meio que de mãos atadas. E o outro jeito é tentar ir para as escolas particulares, que também já tem ali aquelas pessoas certas. Eles não abrangem a galera que vem ‘pra’ cá, não tem tanto professor que formou aqui pela UFOP e que está dando aulas nas escolas daqui”, relata Larissa Vitória Ivo, formada em história pela UFOP e mestranda na área.

Visão de especialista

Ainda nessa questão, o professor Chrystian Soares Mendes, docente da UFOP na área de macroeconomia e métodos quantitativos, afirma que “aqui não tem um grande número de empresas para atender os estudantes. Então, por conta dessa falta de oportunidade nos diversos setores, os alunos geralmente buscam migrar para as capitais porque acabam encontrando mais opções, seja no mercado de trabalho ou na área acadêmica”.

Além disso, Chrystian destaca que a maior causa dessa deficiência no setor local se dá devido ao fato de que a cidade ainda possui, em suas palavras, “uma dependência muito grande do setor de mineração”, e, logo em seguida, aponta que isso resulta em insuficiência de um setor produtivo industrial bem estruturado que geraria empregos para essas diferentes áreas.

O levantamento feito pelo professor é assertivo, como comprova o coordenador do Sistema Nacional de Empregos de Mariana (Sine), Gustavo Ribeiro. Atuando no mesmo cargo desde 2015, Gustavo, que durante esses anos pode entender bem sobre o mercado de trabalho da cidade, além de afirmar que mineradoras como a Samarco e a Vale monopolizam os empregos da região, também aponta outras causas que aumentam a exclusão dos graduandos, em fase de estágio, e dos graduados, no trabalho.

Aqui tem um problema que colabora muito para deixar os jovens à margem: a maioria dos empregos relacionados à mineração, que é onde há mais vagas, exige pelo menos 1 ano de experiência. Mas um aluno que acabou de se formar não vai ter essa experiência e, então, vai encontrar mais dificuldade para ingressar no mercado”, afirma.

O que esperar do futuro?

Embora a escassez de oportunidades seja uma questão atual, investigamos, com os dois profissionais, acerca da visão de futuro da região. Segundo o professor Chrystian, “a cidade tem um planejamento de um polo industrial. Então, pode ser que, futuramente, o cenário mude. Além disso, acredito que deveria haver uma maior interação entre a faculdade e a prefeitura, de forma que possibilite uma ingressão maior desses jovens no mercado de trabalho”. Ele cita que uma alternativa viável seria uma interação maior entre a Universidade e empresas, de modo que permaneça a independência da UFOP em relação ao conhecimento.

Gustavo defende que, só a partir de mudanças na esfera trabalhista, é que os estudantes conseguirão ficar nas cidades. “Vamos tratar disso com as mineradoras para tentar absorver os alunos pelo menos no estágio, para pegarem experiência e cumprirem a parte prática que a faculdade impõe como obrigatória, mas aderir isso é um trabalho de formiguinha, que a gente começa a desenvolver, para usufruir depois”, conclui o coordenado do Sine Mariana.

Esta reportagem foi produzida por Júlia Raydan Diab, Maria Clara Soares e Wanessa Sousa, sob a supervisão do Prof. Felipe Viero, como trabalho final da disciplina Redação em Jornalismo, no 1º semestre de 2022.

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