Morada

Leia ao som de: “Carioca – Joe Kinni, Jakko e Bianca Chami”; “Bom dia Rio – BossaCucaNova”; “Rio porque tô no Rio – Danilo Cutrim, Vitor Isensee e Dedeco” e “Rio (Puro Suco) – Marcelo D2”.

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Ilustração: Bruno Miné

Estamos no ano de 1995, mais precisamente no dia 26 do mês de junho, às 23h45. Para muitas pessoas foi um dia comum, mas não para Letícia da Silva Santos e Marcelo Rocha de Freitas. Os dois formavam um casal e moravam juntos na rua Gavião Peixoto, que fica em Icaraí, um bairro nobre da cidade de Niterói, no Rio de Janeiro. Naquele momento, estavam reunidos no extinto Hospital Santa Rosa, onde Letícia dava à luz ao pequeno Lucas.

O tempo passou. O ano agora é 2019, Lucas está com 24 anos de idade e acumula lares em lugares diferentes: Niterói, Saquarema, São Pedro da Aldeia e Araruama, no Rio, e Mariana e Ouro Preto, em Minas. Mas nada foi mais encantador que viver na cidade maravilhosa. O Rio de Janeiro é tão arrebatador para Lucas como o futebol – e quando estão juntos, o Rio e o futebol, a felicidade está completa.

O Rio tem muito a ver com o futebol, na verdade. E, na vida de Lucas, a cidade está estreitamente ligada ao esporte. Foi no Rio que o amor do jovem pelo futebol nasceu, cresceu e se consolidou.  Também foi no Rio que ele deu os primeiros passos rumo a esse esporte – era onde estavam os clubes de categorias de base e onde aconteceram as primeiras peladas.

Muito antes de ter sido, por algum tempo, a capital do Brasil, o Rio foi, primeiro, o lugar de refúgio da família real portuguesa quando Napoleão decidiu invadir Portugal. A cidade foi fundada no dia 1º de março de 1565, apenas 65 anos depois do descobrimento do país. Quando o assunto é beleza, o Rio, com certeza, se destaca entre outras muitas cidades. As praias e as áreas verdes encantam os visitantes.

Há certa beleza também nas favelas. Formadas no final do século XIX, as moradias desse espaço são resultado de um centro urbano superpopuloso e de transformações socioeconômicas. Fato é que as favelas se espalharam por todo o Rio de Janeiro, presentes também nas sub-regiões do centro, zona sul, zona oeste, zona norte e baixada fluminense.

Hoje em dia é praticamente impossível chegar em qualquer ponto turístico e não imaginar uma favela na paisagem. Esses lugares se enraizaram e fazem parte da estética urbana da cidade – e traz orgulho para aqueles que cresceram ali, como canta o compositor Leandro Sapucahy em sua música mais famosa: “Meu nome é favela, é do povo, do gueto, a minha raiz, becos e vielas, eu encanto e canto uma história feliz, de humildade, verdadeira, gente simples, de primeira.

Com o futebol a história é bem parecida. Uma das versões existentes sobre o início do esporte aqui é a de que o paulista Charles Miller voltou de uma viagem à Inglaterra com duas bolas na mala. A partir daí, foi disputado o primeiro jogo de futebol em São Paulo. Em outras versões, a história é a de que teria sido nas praias do Rio que o futebol foi praticado pela primeira vez. Como estamos falando do final do século XIX, não se sabe ao certo qual foi a primeira partida realizada em solo brasileiro nem onde ocorreu. O que realmente importa é que o esporte tornou-se uma febre por aqui e até hoje tem status semelhante ao de uma religião.

O Rio de Janeiro sempre foi uma das cidades de maior importância para o futebol do país. Clubes tradicionais da cidade como Fluminense, Bangu, Botafogo, América, São Cristóvão, Flamengo e Vasco foram pioneiros sob vários aspectos relacionados ao esporte enquanto praticado no Brasil. Exemplos disso são a construção de estádios, a inclusão de negros e pobres no esporte e até mesmo o uso de uniformes.

Além dos clubes e de suas ações pioneiras, é importante lembrar que o Rio foi a capital do Brasil até os anos 1960. Muita coisa aconteceu na cidade em 50 anos de futebol: o campeonato brasileiro foi criado, os campeonatos estaduais foram fortalecidos, outros campeonatos passaram a ser disputados e, enfim, o país sediou uma copa do mundo. Mas talvez o mais marcante de todos os eventos tenha sido a construção do então maior estádio do mundo: o estádio Jornalista Mário Filho – ou simplesmente Maracanã, o “Maraca”. Templo do futebol, já foi palco de duas copas do mundo, olimpíadas, pan-americanos, copa das confederações, copa América, campeonato mundial de clubes da FIFA, libertadores da América, copa Sul-Americana, campeonato brasileiro, campeonato carioca, amistosos internacionais, amistosos nacionais e por aí vai. O Maracanã é a “calçada da fama”, o museu do futebol. São aspectos que revelam uma cidade que é berço do futebol nacional. E onde o futebol se transformou. Nas praias, virou futebol de areia – que virou futevôlei, que virou altinha.

Para se formar em jornalismo – e assim contar histórias de futebol –, Lucas trocou o Rio de Janeiro por Minas Gerais durante alguns anos, mas carrega o apelido de carioca onde quer que esteja. Uma homenagem ao lugar de onde vem. A profissão que abraçou é a mesma de Mário Filho, que deu nome ao Maracanã. E que tinha Nelson Rodrigues como irmão – outro jornalista, também cronista. Tudo inspira Lucas nessa trajetória entre o futebol e o Rio, até chegar ao jornalismo. O Rio de Janeiro é morada: de Lucas e do futebol, agora registrada em crônicas. E que assim seja.

Lucas Santos é jornalista, graduado pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). A crônica “Morada” foi originalmente publicada no livro “Além das Quatro Linhas“, escrito como trabalho de conclusão do curso de Jornalismo.

Rua Dom Viçoso, 232 – Centro – Mariana/MG