- Mariana e Ouro Preto
UFOP implementa medidas para diminuir casos de assédio e importunação sexual
Episódios envolvendo pessoas ligadas à instituição foram pautas frequentes em 2022
- Milena Reis Silva
- Supervisão: Isabela Vilela
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No dia 21 de dezembro de 2022, um segurança de um dos conjuntos de residências estudantis da UFOP em Mariana, conhecido como Moitas, foi denunciado por importunação sexual a uma ex-aluna que estava visitando a república onde morou durante toda a graduação. A vítima de 25 anos, relatou que o homem a beijou à força por volta das 10 horas da manhã, quando foi jogar algumas caixas de papelão no lixo. Ao longo do ano foram registradas outras denúncias envolvendo pessoas ligadas à instituição, que estabeleceu medidas internas para trâmite e apuração das denúncias.
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A ex-aluna concedeu entrevista à Agência Primaz, mas não quis se identificar. Ela residia nas moradias desde o início da graduação do curso de Jornalismo, no período de 2017 a 2022, e relatou que, desde quando o funcionário foi contratado, em 2019, ele mantinha uma convivência amigável com os estudantes que moravam nas Moitas, e era sempre solícito a ajudar os moradores.
De acordo com a vítima, o acusado era considerado inofensivo por ser um senhor de 68 anos, e ter conquistado a confiança dos estudantes. “Ele foi ganhando a confiança de todo mundo, sabe? É senhor, aí sim a gente tem aquela aqueles preconceitos que às vezes acabam dando, validando algumas ações, né?”, afirmou a ex-aluna.
Por ser uma pessoa respeitada por todos, ela não esperava que ele agisse de tal forma, ainda mais por sua ligação com a religião. “Ele é pastor e é líder de associação de bairro também. Então acabava que ‘pra’ gente era o quê? Ele era um senhorzinho inofensivo, talvez um pouco emocionado, carente, porque ele realmente forçava muito uma amizade com todo mundo”, explicou a vítima.
Na manhã do ocorrido, a ex-aluna afirmou que se levantou para juntar alguns objetos seus que ainda estavam na casa e aproveitou para deixar a casa limpa. Ela explicou que desceu para ir até a lixeira, sendo necessário passar pela guarita onde o vigia estava. “Eu passei e desci com a caixa, coloquei a caixa no lixo, aí eu peguei meu telefone e fui fazer uma ligação, ‘pra’ otimizar o tempo. Porque, inclusive, eu estava com um dia super cheio lá, tinha muita coisa ‘pra’ fazer. Aí eu vi de longe ele acenando a mão, acenando muito a mão, chamando atenção assim, ‘pra’ falar mesmo. Aí eu desliguei o telefone e fui lá”, relatou.
A vítima relata que a conversa com o segurança foi sobre trivialidades, com questionamentos do porquê ela tinha saído das moradias sem se despedir. “Eu parei e a gente começou a conversar, né? Ele perguntou por que que eu tinha sumido e eu falei que estava na correria, que eu estava trabalhando. Aí ele falou: “Ah, você não se despediu de mim. O Juninho (no caso é meu namorado) esteve aqui, se despediu, você não se despediu’”. Em resposta a ex-aluna respondeu que não tinha tido tempo e que precisava se retirar, por ter ainda muitas coisas a fazer.
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De acordo com a vítima, o segurança continuou puxando conversa, falando sobre o Natal e perguntando sobre os familiares da ex-aluna e quando finalizou a conversa, pediu um abraço de despedida. “Aí ele foi e falou assim: ‘Ah, como você está indo embora, me dá um abraço de despedida então’. Eu não desconfiei de nada. Eu abracei. Aí beleza, né? Afastei e ‘tals’. Aí eu falei com ele, ‘preciso ir’, aí ele continuou puxando assunto, falando ‘Feliz Natal pra você, pra sua família’, manda um beijo ‘pra’ sua mãe, um abraço ‘pra’ sua mãe, ‘pros seus irmãos’”, explicou a ex-moradora.
Após o abraço ele pediu para que ela o abraçasse novamente, com o pretexto dela ter se formado e que não iriam se ver mais com frequência. “’Mais um abraço então de Feliz Natal, a gente não vai se ver mais’, aí eu estava um pouco desconfortável. Mas aquela velha história, né? Eu também eu falei, não vou tratar mal a pessoa. Aí eu abracei de novo, né?”
Após abraçá-lo novamente, ela notou que o acusado estava diferente e tentou se afastar, mas não teve tempo e ele a beijou à força. “No segundo abraço, ele deu um gemido, eu pensei, Ai, meu Deus!, acendeu o pisca alerta. Na hora que eu fui afastar ‘pra’ sair de perto dele, ele foi e segurou o meu braço e beijou a minha boca, sabe?”.
Sem saber como reagir ao inesperado, ela conta que se afastou do vigia e saiu andando em direção à moradia. “Foi tudo muito rápido e foi tudo assim, muito inesperado também. Na hora eu só puxei o meu corpo ‘pra’ trás, puxei o braço e olhei ‘pra’ cara dele assim, por alguns pouquíssimos segundos, e saí andando, sabe? Saí andando rápido, eu estava com o joelho machucado também, aí eu só saí andando o mais rápido que eu consegui em direção a casa”, relembra a vítima.
Ao chegar em casa, a ex-moradora contou o ocorrido aos amigos e eles a orientaram a procurar a polícia, e o acusado enviou uma mensagem no WhatsApp, pedindo desculpas, apagou em seguida, mas não antes que ela conseguisse ‘printar’ a mensagem.
“Ele nunca tinha me mandado mensagem no meu telefone. Nada, nada, nada, nada. Aí nesse dia ele foi e mandou uma mensagem assim, ‘me desculpa, eu passei do limite com você, eu não quero perder sua amizade, me desculpa. Aí eu tirei print dessa mensagem dele porque, em alguma medida, isso prova que ele fez alguma coisa. Logo em seguida ele apagou”, relatou a ex-aluna.
De acordo com a vítima, logo que chegou à sua antiga moradia, ela chamou a polícia e registrou um Boletim de Ocorrência. Em seguida foram encaminhados à Delegacia Civil de Ouro Preto, e ficou decidido que o acusado responderá pelo crime de importunação sexual em liberdade.
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Assim que a UFOP tomou conhecimento do acontecido, o funcionário foi demitido por justa causa e a instituição publicou a seguinte nota:
“A Universidade Federal de Ouro Preto repudia qualquer ato de violência e assédio. Conforme a Resolução CUNI 2249/2019, a UFOP tem instituída sua política de combate à violência contra a mulher, tendo em vista sua identidade de gênero, independente de classe, raça, renda, origem, nível educacional, idade, religião, orientação ou designação sexual.
A Universidade tomou conhecimento de caso, praticado por um porteiro, colaborador terceirizado, contra uma ex-aluna da instituição. A Coordenação de Segurança acompanhou a vítima à delegacia, dando o suporte necessário para que as medidas legais sejam tomadas, a partir do Boletim de Ocorrência registrado na ocasião. O funcionário foi demitido e deve responder pelas denúncias de assédio.
A Pró-reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantis (Prace) colocou também à disposição da ex-aluna os serviços de psicologia e assistência social do Núcleo de Assuntos Comunitários e Estudantis de Mariana (Nace), que segue à disposição da vítima.
A UFOP reafirma seu compromisso em combater o assédio sexual e a violência contra a mulher, garantindo que nenhuma pessoa sofra qualquer espécie de constrangimento ou sanção por ter denunciado ou testemunhado. A Ouvidoria Feminina recebe denúncias, inclusive anônimas, pelo portal Fala.BR”.
Crimes de importunação sexual são frequentes na sociedade brasileira. Em setembro de 2022, a TV Globo revelou dados de um levantamento feito pelo Ipec, em parceria com o Instituto Patrícia Galvão e apoio da Uber, revelando que 45% das mulheres brasileiras já tiveram o corpo tocado, sem consentimento, em local público. Ao mesmo tempo, apenas 5% dos homens admitem já terem praticado a importunação sexual.
O estudo também apontou que 41% das brasileiras já foram xingadas ou agredidas por dizerem “não” a uma pessoa que estava interessada nelas; 32% delas afirmaram ter passado por situação de importunação ou assédio sexual no transporte público, e 31% declararam que já sofreram tentativa ou abuso sexual.
Os crimes de racismo e de injúria racial também são frequentes no cotidiano do brasileiro. De acordo com dados do Painel da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, 610 denúncias foram registradas no Brasil para o crime de racismo, apenas no primeiro semestre de 2022. No mesmo período, foram registradas 97 denúncias de injúria racial. São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais são os estados que mais apresentam denúncias para ambos os casos de violação dos direitos humanos.
Medidas implementadas pela UFOP contra assédio e importunação sexual
Em resposta a questionamentos feitos pela Agência Primaz a instituição informou que há uma portaria específica para o tratamento das denúncias. “A Portaria Reitoria nº 123, de 4 de março de 2022, estabelece o fluxo interno para trâmite e tratamento de denúncias no âmbito da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), com o objetivo de ‘dar efetividade à apuração dos fatos denunciados e tornar mais eficiente o processo de detecção de indícios de ilicitude nas práticas e procedimentos internos, bem como prevenir futuras irregularidades’“.
As denúncias devem ser realizadas por meio eletrônico, através do Sistema Informatizado de Ouvidorias do Poder Executivo Federal (Fala.BR). Já a denúncia recebida por qualquer unidade da Universidade deve ser encaminhada à Ouvidoria da UFOP para a inserção no sistema.
De acordo com a instituição, após receber a manifestação, “a Ouvidoria procederá à análise prévia e, se necessário, a encaminhará às áreas responsáveis pela adoção das providências necessárias”. A portaria mencionada, além de fixar os prazos para os trâmites das denúncias no âmbito da UFOP, também estabelece que todos os procedimentos são gratuitos.
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UFOP é envolvida em outras denúncias
A Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) foi envolvida, involuntariamente, em outros crimes além de importunação sexual, tais como racismo e trotes violentos em repúblicas federais. Esses acontecimentos geraram grande repercussão nas redes sociais e nas mídias, inclusive no âmbito nacional, impactando fortemente a imagem da universidade e na vida dos estudantes que escolhem a instituição e precisam das moradias para conseguir se manter na cidade.
Relembre alguns casos de crimes envolvendo pessoas ligadas à universidade:
- Aluna sofre importunação sexual por aluno de república federal
No dia 08 de dezembro, aconteceu outro caso de importunação sexual, envolvendo uma aluna e um aluno da universidade. Uma moradora, não identificada, da República Pecado Original, situada no bairro Lagoa, foi assediada sexualmente por um estudante, morador da República Consulado, localizada no centro da cidade.
O episódio aconteceu no Ouro Preto Tênis Clube (OPTC), durante uma entrega de convites realizada pelas repúblicas. O estudante, de 21 anos, foi preso em flagrante, e a República Consulado publicou uma nota declarando repúdio ao “suposto” fato, e afirmando que agiria de forma transparente na apuração.
- Estudantes da UFOP praticam ‘blackface’ em festa de repúblicas
Moradores de repúblicas de Ouro Preto (MG) foram acusados de fazer blackface, uma prática racista existente há pelo menos 200 anos, na qual pessoas brancas pintam seus rostos com cores escuras com o intuito de ridicularizar os negros, com fins de entretenimento.
Segundo o perfil de uma das repúblicas, o evento, chamado de Miss Bixo, faz parte de um costume da cidade. “Os estudantes têm a tradição de se fantasiar e se pintar para a apresentação da equipe”, diz nota de retratação.
A Reitoria da UFOP demorou a se posicionar sobre o acontecimento, e não agradou os estudantes, que aguardavam um comunicado mais incisivo e direto. A universidade, além de pedir “a busca por diálogo”, indicou que “o linchamento virtual de pessoas ou moradias pode provocar prejuízos difíceis de serem dissolvidos”.
- Estudante entra em coma após “trote” em república federal
O estudante Ayrton Carlos Almeida Veras, sofreu um trote no mês de agosto, dentro da república federal Sinagoga, em Ouro Preto. O universitário relatou abusos realizados pelos republicanos que resultaram em estado de coma.
Ayrton contou que, ao chegar à república, acreditou que apenas vivenciava a “batalha”, com afazeres domésticos, idas a festas e demais tarefas cotidianas. Com o passar do tempo, os moradores mais antigos da república foram aumentando as tarefas, e o universitário disse ter passado a “servir de escravo, de garçom” dos moradores da república e de outras residências federais. “Eu não estava sujeito só a essa república, mas a todas as repúblicas federais próximas”, afirmou.
A república acusada usou as redes sociais para negar as acusações de violência contra o estudante. Segundo o post, a república segue as regras impostas pela UFOP de proibição de trotes.
A UFOP também publicou nota, expressando o posicionamento do Conselho Universitário (Cuni), repudiando o trote violento denunciado pela família de Ayrton.