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Mãe,
A senhora acredita em destino? Acha que já estava escrito – em algum lugar desse mundo ou do outro – que seria professora, moraria em Mariana e tantas outras coisas que fazem parte da sua história?
Tem muita gente que acredita. Que jura, de pés juntos, que a vida é como é e que não adianta fazer algo a respeito. E, sabe, Mãe, não há nada mais cômodo do que acreditar nisso e, assim, tirar a própria responsabilidade do caminho.
Dias atrás, o senhor que ocupa o cargo de presidente disse lamentar as mortes por coronavírus no Brasil. Mas, fazer o quê? “Morrer é o destino de todos”.
Para que construir hospitais de campanha?
Para que liberar verbas e incentivar o isolamento?
Para que investir na saúde e na pesquisa?
Por que, então, conservar o SUS?
Para que tanto auê? Não importa o que se faça, vamos todos morrer, afinal.
Nesse raciocínio louco – e hipócrita –, viver ou morrer é uma questão de sorte. Aliás, não é só a vida ou a morte em si, é o como se vive entre uma coisa e outra.
Mas, sabe, Mãe, afirmar que “as coisas são como são” é, quase sempre, uma maneira de propagar injustiças sem que a consciência doa tanto. De lavar as mãos – com álcool ou qualquer coisa que seja forte o suficiente pra matar o vírus de uma sociedade doente.
Não é destino morrer pelo descaso do estado.
Não é destino receber tiros enquanto se brinca na casa dos primos.
Não é destino perder o ar debaixo dos joelhos de um policial.
Não é destino cair de 35 metros por, simplesmente, procurar a própria mãe.
Não é destino, nem é acaso. E todos eles e elas sabem disso, Mãe. Todos nós sabemos.
E aí, a senhora acredita em destino? Acha que já estava escrito – em algum lugar desse mundo ou do outro – que as coisas seriam como são?
Eu, de cá, prefiro pensar que o destino é o que canta o Caetano: que “gente é pra brilhar, não pra morrer”.
A benção,
J.
(*) Jamylle Mol é jornalista e marianense