Professores e a sua suposta vida folgada

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Recentemente um vídeo circulou pela internet causando repulsa principalmente entre os profissionais da educação. Um homem dispara insultos a determinadas profissões e chega a afirmar com todas as letras que os professores brasileiros são burros e não ensinam nada, porque somente os “piores” alunos do Ensino Médio escolhem fazer Pedagogia. E sem perder tempo, debocha do referido curso, dizendo também que o professor pode até ficar cansado, mas não trabalha. Chamo a atenção aqui para o que essa fala revela sobretudo no que concerne ao trabalho dos professores, e para isso destaco dois pontos fundamentais para a reflexão.

Os dois pontos a que me refiro estão ligados diretamente aos públicos para os quais esse locutor se direciona. O primeiro chamarei de público-plateia, aquele que se diverte com o tom grosseiro de quem se apropria de uma performance debochada para insultar o outro como se proferisse verdades incontestáveis. E o segundo é o público-marginalizado, aquele sobre quem se fala, ou seja, o alvo da ação. O discurso, neste caso, serve para atingir aquele que é visto como empecilho à realização dos desejos de um grupo específico, e, nesse sentido, está às margens da sociedade. No máximo, é a pedra no caminho do público-plateia. Sendo assim, observa-se que o primeiro público age sobre o segundo com escárnio.

Tendo, pois, construída a imagem desse cenário, atrevo-me ao debate sobre o ataque feito aos professores. Numa sociedade que está longe de resolver as suas mazelas sociais, enxovalhar os docentes faz parte do espetáculo. Professores são muitas vezes chamados de baderneiros e agredidos fisicamente ao reivindicarem melhores salários e condições de trabalho. Não são poucos os casos de ameaça e de agressão física sofridos pelas mãos de alunos e de familiares dos alunos, dentro e fora das escolas. Mas, talvez, com um pouco de sorte, muitos serão alvo apenas da zombaria, pois, se não trabalham, têm tempo para leituras inúteis e promover a balbúrdia entre os discentes, curtindo ainda duas férias no ano. Desse modo, chegando mesmo ao cerne da questão, pode-se dizer que a vida dos professores no Brasil é muito folgada. Chegamos ao ponto de limitar a educação à aprovação nos cursos mais celebrados socialmente, e, de quebra, negamos a ciência e a pesquisa. Aceitamos inclusive discursos que entendem o Enem como seleção para os denominados melhores, excluindo desse exame a busca pela democratização do ensino superior.

Ora, a educação é também para corrigir as injustiças sociais, e a sala de aula é lugar legítimo para almejar mudanças. A escola não pode ser um funil para que os chamados vencedores, em sua maioria, sejam oriundos somente das instituições privadas de ensino. Ela deve ser espaço democrático de aprendizagem para todos os educandos independente de sua origem. Nessa perspectiva, os professores são essenciais no processo. Vale salientar ainda que esses profissionais passam quatro anos, no mínimo, dentro das universidades para se licenciarem. Além disso, muitos, quando conseguem conciliar suas jornadas de trabalho, ou podem estender o tempo nas academias, buscam especializações como Mestrado e Doutorado, dedicando pelo menos mais dois, quatro anos de estudo e pesquisa. E sim, lutam diariamente contra o abismo que separa os mais vulneráveis daqueles que são assistidos.

Isto posto, vale lembrar ainda que, na vida folgada dos professores, devem ser computadas as horas de planejamento e realização das aulas, de elaboração e correção de avaliações, de reuniões feitas entre seus pares e famílias, como até o atendimento a alunos fora do ambiente escolar. Não são poucos os casos de professores que improvisam salas de aula em suas casas, ou em outros espaços temporariamente cedidos para o ensino. Não são poucos os que chegam até mesmo a descobrir casos de violência contra crianças e adolescentes praticados inclusive por familiares.

Portanto, na vida folgada dos professores, há muito o que ensinar e aprender com todos os que estejam dispostos a compreender que as salas de aula devem ser por excelência democráticas, onde não há lugar para discursos de exclusão.

(*) Giseli Barros é professora, mestra em Literatura Brasileira pela UFMG, membro efetivo da ALACIB-Mariana

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