- Mariana
Falta de prevenção a incêndios e insegurança colocam em risco o funcionamento da Biblioteca de Mariana
Parceria com Escola de Ofícios e participação em editais têm sido as principais fontes de recursos para a manutenção da biblioteca pública municipal
- Nikolle Gandra
- Supervisão: Luiz Loureiro
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Localizada no centro da cidade, próxima à Praça Gomes Freire (Jardim), a Biblioteca Pública Benjamim Lemos conta com um acervo de mais de 40 mil livros e peças literárias de 1817. Contudo, a falta de reformas estruturais, como adequação de prevenção a incêndios e a contratação de serviços de restauração de obras raras, colocam em risco o seu funcionamento. O problema acontece principalmente pela falta de apoio da administração municipal, especialmente da Secretaria de Cultura, responsável pela biblioteca desde dezembro de 2022.
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Apesar da sua fundação, datada de 1985, a biblioteca ocupa o endereço atual (Rua Barão de Camargos, nº 59) desde 2007. O prédio histórico tem mais de 200 anos e necessita de reformas para adequação às diretrizes do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e do Conselho Municipal do Patrimônio Cultural (COMPAT) de Mariana.
Além disso, há a necessidade do cumprimento de leis, como a nº 10.098, referente a acessibilidade, que prevê construções e reformas de espaços para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. O diagnóstico extenso das condições que necessitam de atenção na biblioteca foi produzido em 2022 e ainda não obteve retorno da Secretaria de Cultura.
No diagnóstico de necessidades da biblioteca, a adequação do prédio às leis de prevenção contra incêndios é listada como a mais urgente. De acordo com Alexandre Soares, bibliotecário responsável, desde agosto de 2021, e coordenador de biblioteca e acervo material, essa condição é preocupante. “O prédio não poderia nem estar funcionando. A prefeitura em si, como um todo, não poderia ter nenhum tipo de prédio aberto sem que essa prevenção fosse obrigatória. É uma lei, não é opcional. Tanto para indivíduos, como comércio, quanto para prefeitura”, comenta.
Além dos problemas na infraestrutura do ambiente físico, a biblioteca também necessita da disponibilização de materiais de segurança para a manutenção e preservação das obras raras que estão atualmente paralisadas. “Por exemplo, eu tenho um livro de 1817. Só ‘pra’ gente se colocar no tempo, foi a época das invasões napoleônicas. Tecnologias da época eram barco a vela e canhão. A gente tem um livro dessa idade. Eu não posso permitir uma pessoa, por mais capacitada que ela seja, de encostar a mão em um livro de mais de 200 anos, tanto para risco dela, quanto para própria obra. Não tem como imprimir uma obra novamente que foi tipografada em 1800. Se perder aquele livro, perdeu a sua história”, afirma o bibliotecário.
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Parede aberta devido a um acidente de trânsito foi reformada com parceria privada
Em maio de 2021, um carro atingiu a parede da biblioteca. O impacto ocasionou a abertura de um buraco na parede, colocando em risco a segurança do local, com possibilidade de invasões e impactos diversos na infraestrutura do local. A biblioteca, que ainda estava vinculada à Secretaria de Educação, realizou a reforma, em parceria com a Escola de Ofícios de Mariana, que durou 4 meses.
Para o bibliotecário, a assistência da Secretaria de Educação não foi efetiva devido à falta de experiência com reformas desse tipo. “Eu acredito que teve um desconhecimento de como são feitos os trabalhos em prédios históricos. (…) Quando ocorrem problemas como este, não se pode utilizar itens diferentes daqueles que naturalmente foram utilizados, por exemplo, na parede. Então uma parede de adobe tem que ser consertada com adobe. Foi sugerido que fosse utilizado tijolo e cimento, [isso] não pode de forma nenhuma! (…) Então, acabou que a Secretaria de Educação não conseguiu ter o papel decisivo”.
A troca de vinculação da Biblioteca Municipal, da Secretária de Educação para a e Cultura, ocorreu em dezembro de 2022, a partir de uma avaliação realizada por Alexandre e pelo professor de História, Fernando Maricato, a respeito da Lei Orgânica do Município. Foi observado que a biblioteca é um bem cultural e, devido a isso, havia a necessidade de mudança organizacional, para pleno atendimento da lei.
“Eu entendo que a Secretaria de Educação fez o melhor que podia com o conhecimento que tinha e as limitações que tem. Por exemplo, o orçamento da Educação é muito restrito. Então você não pode chegar para a secretária e falar assim: ‘eu quero comprar cinco pacotes de etiqueta autoadesiva’. Não faz parte dos ítens que foram aprovados para compra. Essa é uma compra extraordinária, ela tem que passar por outro tipo de processo”, explica Alexandre.
Mesmo com troca de secretarias, apoio ainda é insuficiente
Para o bibliotecário, a mudança de secretarias é fundamental para o melhor funcionamento da biblioteca, além de ser também um alívio para a antiga secretaria. Com uma equipe maior e mais preparada para lidar com a preservação de construções e itens históricos, a Secretaria de Cultura tem mais preparo para atender às demandas da biblioteca. Entretanto, a constante troca de prefeitos e de secretários afeta negativamente na comunicação.
“A cada vez que a biblioteca avança três meses em questões difíceis, como a compra de extintores que precisa passar por licitação, que precisa de uma conversa um pouco mais extensa, a cada três meses troca o secretário e eu volto três meses no meu trabalho. Troca de novo, volta três meses no trabalho. Então eu fico tendo reuniões cíclicas sobre o mesmo problema”, aponta Alexandre. Devido a essa situação, os problemas apresentados pela biblioteca são, na grande maioria das vezes, sanados por parcerias e participação em projetos de incentivo à leitura.
De acordo com a atual Lei Orçamentária Anual (LOA), existe a previsão de R$100 mil para a manutenção da biblioteca pública. Contudo, o valor refere-se apenas ao pagamento de funcionários e contas, não sendo incluídos as reformas necessárias da biblioteca. Para Alexandre, isso é desanimador. “Em 2022 foi onde Mariana arrecadou mais de R$600 milhões. Se você arrecada 600 milhões de reais e não consegue dedicar 1 milhão para manutenção desse tipo de prédio, eu não sei quanto dinheiro é necessário arrecadar para se dedicar”, questiona.
A Agência Primaz, antes da nomeação de Cristiano Vilas Boas, encaminhou questionamentos à Secretaria de Cultura de Mariana relacionados aos problemas enfrentados pela Biblioteca Municipal, mas não obteve retorno até o momento da publicação desta reportagem.
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Participação em editais e comunicação digital têm sido estratégias para manutenção da Biblioteca Municipal
Além da assistência prestada pela Escola de Ofícios Tradicionais, editais também são utilizados para manter a preservação do prédio e do acervo. Em 2022, a Fundação Renova abriu um Edital de Incentivo à Leitura, que disponibiliza cursos de capacitação, móveis, acervo literário e equipamentos. Por meio dele, a biblioteca deve receber cerca de R$200 mil em materiais selecionados por Alexandre, que devem atender às necessidades mais urgentes da biblioteca, alguns dos quais já estão disponíveis na área de literatura infantil, como cadeiras e mesas próprias para crianças.
Alexandre explica que um dos focos atuais da biblioteca é fomentar o interesse à leitura no público jovem, seja por meio de livros ou aparelhos eletrônicos. “A biblioteca entende que a gente tem que começar resolvendo a coisa mais básica, que é continuar a incentivar os leitores, principalmente a meninada, hoje a gente disputa com computador, tablet, celular. Só que eu não considero que seja um contra o outro, eu acredito mais que seja uma balança. (…) Hoje, a biblioteca não é só aquela ideia clássica de armazém de livros e papiros. Aqui é um centro de informação. Você quer ter acesso a internet? Você quer usar computador? Tem também, afirma.
Contudo, materiais de valor elevado, como notebooks, ainda não foram recebidos devido à falta de segurança na biblioteca. Alexandre explica que esses equipamentos somente serão aceitos quando essa dificuldade for sanada.
Além disso, a biblioteca vem investindo em comunicação nas mídias sociais para aumentar seu reconhecimento entre a comunidade, por meio de divulgação dos seus projetos. Alexandre ressalta que a amostra digital de literatura marianense é um pré-requisito para o recebimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) Patrimônio Cultural, programa de incentivo à preservação de patrimônios culturais.
A produção de vídeos na plataforma YouTube, que antes era feita anualmente, agora passa a ser quinzenal, de modo a dar visibilidade à biblioteca.
Alexandre comenta que é entristecedor não ver a biblioteca sendo tratada com a relevância pelo poder público e pela comunidade. “A biblioteca hoje oferta esses espaços, um espaço de inclusão, para trazer as crianças para passar um tempo, tomar um café, usar a internet e ficar à vontade. A biblioteca está aí ‘pra’ isso. E a gente torce para que, um dia, bons olhos enxerguem a biblioteca. Que observem como ela está sendo bem maltratada nos últimos anos, e comecem a ajudar a ficar bonita novamente”, finaliza o bibliotecário.
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