- Mariana
Zema diz que ação na Inglaterra prejudica repactuação do Acordo de Mariana
Declaração pública foi feita ao final do encontro de governadores do sul e sudeste, realizado no início de junho, em Belo Horizonte
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No dia 02 deste mês, no encerramento do 8º Encontro do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud), Romeu Zema (Novo), governador de Minas Gerais, criticou duramente a ação interposta conta a BHP Billiton, na Inglaterra, afirmando que sua conclusão vai inviabilizar a proposta de repactuação referente às reparações e compensações do rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em novembro de 2015. A posição de Zema foi respaldada por Renato Casagrande (PSB), governador do Espírito Santo.
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Repactuação do acordo com a Samarco/Vale/BHP
A repactuação do acordo com a Samarco, que estabeleceu o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), em 2016, vem sendo discutida há aproximadamente dois anos, envolvendo órgãos públicos (governos estaduais e municipais, Ministério Público, Conselho Nacional de Justiça e Comissão Externa da Câmara dos Deputados), visando a criação de diversos fundos que possibilitem recursos reparatórios e compensatórios dos danos produzidos pelo rompimento da barragem.
Em seu pronunciamento, no encerramento do encontro do Cosud, Zema ressaltou a importância da repactuação, especialmente para os estados de Minas e do Espírito Santo. “O acordo de Mariana é um acordo importantíssimo tanto pra Minas quanto para o Espírito Santo. Nós já tivemos centenas de reuniões das nossas equipes e também do Governo Federal, do Ministério Público Federal da Defensoria Federal, para que o acordo seja costurado, efetivado. Posso dizer que mais de 99% do acordo está pronto, e é um acordo que precisa, principalmente, ressarcir Minas Gerais e Espírito Santo, que foram os estados mais prejudicados”, afirmou o governador.
Cobrando agilidade do governo federal, Zema lembrou o tempo decorrido desde o rompimento e as consequências decorrentes da demora para o fechamento da repactuação. “(…) Nesse momento, ele [acordo] só depende da União. Então, eu até faço aqui um apelo para que seja agilizado. Porque uma Justiça que tarda, não é uma Justiça que é justiça. Daqui a pouco se passaram 20 anos, 30 anos, e as pessoas que foram afetadas, que deveriam ser ressarcidas, já se foram”.
Quase oito anos após o escoamento de 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos que impactaram brutalmente a bacia do Rio, a tomada de ações não ocorreu de forma satisfatória, o que levou os órgãos públicos a trabalharem para a repactuação do acordo.
Em declarações prestadas à Assessoria de Comunicação do Ministério Público de Minas Gerais (MPFMG), em 08 de março deste ano, Carlos Bruno Ferreira, procurador da República e coordenador da Força-Tarefa do Rio Doce e Brumadinho, considera que um exemplo da ineficácia da atuação da Fundação Renova em Mariana, criada a partir da assinatura do TTAC, é que ainda não foi concluído o processo de reassentamento das famílias que residiam nas pequenas comunidades atingidas pela lama de rejeitos de minério de ferro, como Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira.
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Para o procurador, o reajuste do acordo é uma ação necessária e urgente que demanda o esforço conjunto dos principais órgãos do Poder Público, mas que pode ser resolvida em um encontro presencial entre seus representantes. “Estamos perdendo a oportunidade de criar programas que poderiam ser geridos por entes do Governo Federal e que, como ocorreu em Brumadinho, têm um potencial enorme de trazer vantagens e resultados para uma população invisibilizada e esquecida”, afirmou Carlos Bruno Ferreira.
O coordenador da Força-Tarefa do Rio Doce e Brumadinho considera que o modelo atual da Renova é “um completo fracasso”, inclusive em termos de reparação ambiental, destacando que, após todo esse tempo, nem 10% dos sedimentos foram retirados do Rio Doce. Segundo ele, estudos comprovaram que, da poluição que se encontra no fundo do rio, hoje, 70% referem-se ao que continua sendo despejado após a tragédia de 2015. “Se calcula que, para retirar todo o rejeito, seria preciso comprar terrenos equivalentes a dois mil campos de futebol, um impacto enorme nos territórios e no meio ambiente de Minas Gerais e do Espírito Santo”, declarou o procurador à publicação do MPFMG.
Repactuação x Ação na Inglaterra
A manifestação mais polêmica do governador de Minas, entretanto, foi direcionada aos envolvidos na ação proposta na Inglaterra, tendo como ré a empresa BHP Billiton. “E nos preocupa muito, porque escritórios internacionais de advocacia estão concluindo decisão judicial na Inglaterra e, se essa decisão lá for concluída, dificilmente esse acordo aqui ficará de pé nos termos em que nós estamos propondo”, declarou Zema.
Na continuidade, o governador fez menção aos honorários advocatícios cobrados pelos representantes legais dos queixos na ação movida na Inglaterra. “E vale lembrar, aqui não tem nenhuma sucumbência, não temos despesas com advogado. E lá fora, pelo que me consta, os grandes escritórios internacionais de advocacia, que tem representantes aqui no Brasil, é que vão ficar com 30% desse bolo. Então, não vai ser Minas, nem Espírito Santo, nem Brasil que estarão ganhando, e sim escritórios internacionais. ‘Pra’ mim, é uma questão de honra ‘pra’ Minas, para o Espírito Santo e para o Brasil, que esse acordo seja costurado aqui”, finalizou Romeu Zema.
Essa não foi a primeira manifestação do governador de Minas. A mais recente foi feita durante a cerimônia de reabertura do processo de repactuação do acordo de Mariana, realizada em maio, por iniciativa do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6).
Apoiando as declarações de Romeu Zema, Renato Casagrande relatou informações colhidas junto ao Ministro da Casa Civil do Governo Federal. “Concordância total com as palavras do governador Zema. E eu estive, na semana passada, com o ministro Rui Costa. Tratamos dos temas necessários ‘pro’ Espírito Santo, mas também tratei do tema do acordo. O governo [federal] está ultimando, segundo ele, posições internas. Há uma diferença hoje, no Ministério do Meio Ambiente, com relação aos valores, e pedi a ele, então, que pudesse também ter agilidade, porque é melhor um acordo do que uma briga grande, longa, na justiça”, afirmou Casagrande.
Com efeito, de acordo com informações publicadas pela Agência Brasil, na última segunda-feira (12), o Ministério do Meio Ambiente criou um grupo de trabalho (GT) para analisar e deliberar sobre a repactuação do chamado acordo do Rio Doce, referente ao rompimento da barragem do Fundão.
A portaria de criação do grupo de trabalho, quem tem 180 dias para conclusão de seus trabalhos, foi publicada no Diário Oficial da União, estabelecendo que o GT possui natureza consultiva e será composto por representantes da própria pasta; do Serviço Florestal Brasileiro, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama); do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade; e da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).
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Repercussões
A Agência Primaz ouviu personagens envolvidas nos processos de repactuação e da ação interposta na Inglaterra.
Duarte Júnior, prefeito de Mariana, de 2015 a 2020, afirma que o acordo do município com o escritório encarregado da ação na Inglaterra prevê honorários de 20% e não de 30%, como declarado por Romeu Zema. De acordo com Duarte Jr., a questão não pode ser colocada em termos de prejuízo em relação à repactuação. “É claro que a gente trabalha para que o acordo possa acontecer. Agora a gente trabalha para ser o melhor acordo possível, seja para os atingidos, seja para os municípios. E o acordo, assim como a ação judicial na Inglaterra, defende que os municípios recebam o valor de quarenta e quatro bi. Então, não há que se falar, nesse momento, em prejuízo se o acordo sair na Inglaterra ou no Brasil”.
Para o ex-prefeito, a situação dos municípios é confortável, podendo optar pelo melhor resultado em termos da repactuação e da ação no exterior. “Eu acho que os municípios, nesse momento, eles estão numa situação que eles poderão definir o que é melhor para o seu município. (…) Então, eu tenho certeza se a repactuação for melhor no Brasil, todos os prefeitos vão estar na repactuação no Brasil. É importante trazer esse esclarecimento a toda população”, finalizou.
Para uma fonte da área jurídica, ouvida pela Agência Primaz sob condição de anonimato, a razão do posicionamento de Romeu Zema é de simples entendimento, por se tratar da defesa dos interesses do governo do estado, em detrimento aos atingidos. “Não tem dinheiro e nem indenização para os atingidos, somente uma ‘salvação’ para os cofres dos entes federativos falidos, para serem gastos, todos sabem como. (…) Sobre os 30%, interessante é que virão, primordialmente, para os atingidos, mesmo com esse desconto. Na repactuação, quanto que virá para indenização dos atingidos? Zero. Matemática básica!”, declarou nossa fonte, ressaltando que, não fosse a ação interposta na Inglaterra, nem mesmo o sistema Novel de indenização existiria.
Essa interpretação é endossada por uma outra fonte, ligada ao movimento dos atingidos pelo rompimento da barragem, também com declaração emitida sob condição de anonimato. “Alegando que o evento ocorreu em Minas, o governador tem uma possibilidade de deslanchar a repactuação e, por consequência, uma porcentagem maior no valor a ser indenizado. Porém, a gente vê que, para o atingido direto que sofreu na pele, que perdeu casa, que perdeu história, que perdeu amigos, é o mínimo que vai, né? Então, fala-se muito em repactuação mas a gente tem o exemplo de Brumadinho, em que o dinheiro foi destinado para metrô e para rodoanel”, desabafou a fonte ouvida pela reportagem da Agência Primaz, lembrando que os governos estaduais não integram a ação movida, no exterior, contra a BHP Billiton.
A Agência Primaz solicitou um posicionamento da Pogust Goodhead sobre o assunto, mas não obteve retorno. Entretanto, nossa reportagem teve acesso a um release da assessoria de comunicação do escritório responsável pela ação em curso na Inglaterra, na qual é comunicada a negativa, pela Suprema Corte daquele país, de um recurso da BHP Bilinton, em apelação da decisão de julho de 2022, que permitiu que o caso fosse ouvido na Inglaterra.
De acordo com o comunicado, “a permissão para apelar foi recusada porque o pedido não levanta uma questão de direito discutível”, o que abre caminho para que a empresa, agora sem a possibilidade de interposição de mais recursos, seja julgada em outubro de 2024.
A manifestação da Pogust Goodhead também faz referência ao valor da indenização, o que foi utilizado por nossa fonte da área jurídica, para contestar a declaração de Romeu Zema, afirmando que “a Renova diz que já gastou quase R$15 bilhões com indenizações, número largamente questionado, em sete anos! O valor da ação inglesa é de aproximadamente R$230 bilhões. Eis a diferença!”.
A reportagem da Agência Primaz também ouviu Mauro Marcos da Silva, que perdeu sua casa em Bento Rodrigues, assim como seu pai e sua irmã. De acordo com ele, a participação dos atingidos na repactuação é mínima, apesar dos esforços do CNJ e da Comissão Externa da Câmara dos Deputados. “Na repactuação nós tivemos participação através do CNJ e em reuniões com alguns deputados, entre eles o Rogério Correia e o Padre João [ambos do Partido dos Trabalhadores]. Inclusive uma, aqui em Mariana, no fórum, com o [Desembargador] Bandeira de Melo, que era o interlocutor junto ao governo federal. Mas a participação da gente é como ouvinte. Simplesmente a gente vê que o atingido, hoje, virou moeda de troca de governos, de políticos, de instituições de justiça”, queixou-se Mauro.
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Complicações na tramitação das ações de reparação na Justiça Brasileira
As fontes consultadas pela Agência Primaz, sob condição de sigilo, levantaram uma questão referente a supostas “coincidências” que vêm ocorrendo, já há algum tempo, com a transferência de integrantes de órgãos da Justiça brasileira envolvidos no julgamento das ações relacionadas ao rompimento da barragem, atrasando ainda mais a emissão de decisões, bem como o estabelecimento de conflitos de competência e demora na substituição de juízes e desembargadores.
Para Mauro da Silva, os atingidos veem isso “como uma ação orquestrada que, curiosamente, só está privilegiando o interesse das empresas e, por consequência, da Fundação Renova”.
Ele afirmou, ainda, que há algum tempo, foi necessária uma mobilização para evitar a transferência do Dr. Guilherme Meneghin, Promotor de Justiça de Mariana, e responsável pelo acompanhamento, pelo Ministério Público, das ações de interesse dos atingidos do município de Mariana. “Tivemos que fazer manifestações para pedir que o processo ficasse aqui em Mariana. Tivemos que fazer manifestações para que o Doutor Guilherme não fosse transferido. Na verdade, para que não fosse promovido, que é o que acontece muito na justiça, e é o que aconteceu agora recentemente com a juíza de Mariana. Ela não foi transferida, ela foi promovida, com também aconteceu, curiosamente, com o Juiz Michael, promovido assim que saiu a decisão do STJ, dando o direito da 4ª Vara da Justiça Federal tocar o processo”.
Mauro se referiu à decisão do Ministro Humberto Martins, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que proferiu sentença transferindo para 4ª Vara Cível e Agrária da Justiça Federal, sediada em Belo Horizonte, a competência para julgar os casos envolvendo os atingidos de Mariana, contrariando decisão transitada em julgado, que estabelecia a Comarca de Mariana como local de tramitação das ações.
Em sua sentença, publicada no dia 30 de maio, o relator do processo, com amparo no artigo 955, parágrafo único do Código de Processo Civil (CPC), acatou a alegação da justiça federal, considerando que a Bacia do Rio Doce, impactada pelo rompimento da barragem de Fundão, é um bem federal, ignorando a justificativa, apresentada pela Juíza da Comarca de Mariana, no sentido que o processo “envolve aspectos humanos e econômicos da tragédia de Mariana, na medida em que, além da reparação do direito à moradia, visa o ressarcimento patrimonial e moral das vítimas e atingidos, cuja competência é do foro da residência dos autores ou do dano, garantindo-se a facilidade do acesso ao Poder Judiciário e da colheita de prova”.
A questão do bem federal é contestada por Mauro da Silva, para quem o rompimento da barragem de Fundão extrapolou os limites do rio, sem contar que o Rio Doce é formado fora dos limites do município de Mariana. “Da hidrelétrica [de Candonga] ‘pra’ baixo é competência da justiça federal porque é o Rio Doce. Mas, ‘pra’ cima, a lama ultrapassou o os limites do rio. E, além do que, o Rio doce só é constituído a partir do encontro do Rio do Carmo com o Rio Piranga, depois de Ponte Nova. ‘Pra’ cima, a lama simplesmente passou por cima por cima do rio. Então, não abrange [bem da União]”, afirmou o integrante da Comissão de Atingidos de Mariana.
Questionado pela reportagem da Agência Primaz em termos dos eventuais prejuízos que podem decorrer da decisão do Ministro Humberto Martins, Mauro considera que a situação se tornou complicada, uma vez que a 4ª Vara tem atuado, basicamente, com ações individuais, via Sistema Novel, enquanto na Comarca de Mariana também tramitavam ações coletivas, com matrizes de danos completamente diferentes. “O que já estava ruim conseguiu ficar pior. As ações que estavam aqui, a Juíza falou que não pode dar sequência, e a 4ª Vara está sem juiz nomeado. E aí, quando chegarem os processos lá, vai chegar tudo fatiado. Vão chegar os processos individuais, vai chegar a Ação Civil Pública, vai chegar tudo para as mãos de um juiz novo”, finalizou Mauro.