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Hoje é sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Orgulho

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O dia 28 de junho de 1969 representa um marco importante para a comunidade LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transsexuais, queers, intersexuais, assexuais e mais, uma vez que, tal qual a sociedade em geral, essa comunidade, em específico, também está em contínuo processo de descoberta e reinvenção de si). Era comum, naquela época, em Nova York, que policiais invadissem bares destinados ao público não heterossexual, realizando batidas, espancando funcionários e clientes e efetuando prisões. Na madrugada do dia 28, contudo, algo mudou.

“Somewhere over the rainbow, way up high, there’s a land that I heard of once in a lullaby. Somewhere over the rainbow, skies are blue. And the dreams that you dare to dream really do come true” (em tradução livre: Em algum lugar além do arco-íris, bem lá no alto, há uma terra da qual eu ouvi falar em uma canção de ninar. Em algum lugar além do arco-íris, os céus são azuis e os sonhos que você se atreve a sonhar realmente se tornam realidade”. E essa música, aqui reproduzida, tem tudo a ver com isso.

Judy Garland, uma das principais estrelas da era de ouro hollywoodiana, era, também, um ícone da comunidade LGBTQIA+. Em um contexto de perseguição, onde não ser heterossexual poderia levar à prisão (algo que, ainda hoje, é realidade em diversos países), gays costumavam perguntar, a fim de saber sobre a orientação sexual muitas vezes mantida sob sigilo, se aquele com quem conversavam era “amigo da Dorothy” (em uma alusão a um dos papeis mais famosos da atriz: Dorothy, de O Mágico de Oz (1939)).

Em 22 de junho de 1969, aos 47 anos, em razão de uma overdose não intencional causada pelo consumo de medicamentos, Judy faleceu. O velório aconteceu apenas no dia 27 de junho, em Nova York, levando às ruas mais de 20 mil pessoas que desejavam se despedir daquela que, como mencionado, mais que estrela, era também uma amiga. Estima-se que diversas dessas pessoas, LGBTQIA+, foram ao bar Stonewall Inn, um reduto da comunidade em Greenwich Village, após o evento, a fim de permanecerem juntas e celebrarem a atriz.

Na noite do dia 27 e na madrugada do dia 28, então, enlutados pela perda de Judy e exaustos em razão de uma perseguição violenta e contínua, gays, lésbicas, transexuais e drag queens enfrentaram a polícia. A oposição frente à intolerância, uma exceção até então, se prolongou pelos dias seguintes, reunindo centenas de pessoas em frente ao bar que, em vigília, lutavam pelo direito de ser quem eram. A Rebelião de Stonewall, como ficou conhecida, é considerada fundamental na luta pelos direitos de igualdade e liberdade da comunidade e, em razão disso, passou a ser celebrada.

A partir de 1970, cidades estadunidenses como Nova York, Los Angeles e Chicago passaram a realizar, no dia 28 de junho, manifestações em celebração à comunidade e em protesto às perseguições. No ano seguinte, o mesmo se deu em lugares como Paris, Londres e Berlim. Em 1995, no contexto da 17° conferência da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersex, ocorrida no Rio de Janeiro, cerca de 500 pessoas marcharam em Copacabana pela cidadania. Em 1996, em São Paulo, um ato ocorrido na Praça Roosevelt, reunindo menos de mil pessoas, também pedia por igualdade. Foi em 1997, contudo, que de fato ocorreu a primeira parada LGBTQIA+ de São Paulo, reunindo cerca de duas mil pessoas na Avenida Paulista.

De 1997 para 2023 (são 26 anos, afinal) muita coisa mudou. Citemos algumas delas. Em 2011, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, por unanimidade, a união estável entre casais do mesmo sexo; Em 2013, uma resolução publicada pelo Conselho Nacional de Justiça garantiu o casamento, determinando que tabeliões e juízes são proibidos de se recusarem a registrá-lo; Em 2018, a Organização Mundial da Saúde retirou a transexualidade da lista de doenças e transtornos mentais; Em 2019, o Supremo Tribunal Federal equiparou crimes LGBTQfóbicos (motivados por LGBTQfobia) aos crimes de racismo; Em 2020, o Supremo Tribunal Federal entendeu como inconstitucional o impedimento à doação de sangue por homens que mantêm relações sexuais com pessoas do mesmo sexo; Em 2023, a parada LGBTQIA+ de São Paulo, já considerada a maior do mundo, levou às ruas da cidade mais de três milhões de pessoas.

Muito se conquistou, de fato, mas há, ainda, muito a se conquistar. De acordo com relatório do Observatório de Mortes e Violências contra população LGTBQIA+, apenas em 2022, de acordo com os registros disponíveis, 273 pessoas morreram (228 assassinadas) em razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero. O número representa que em nosso país, em 2022, uma pessoa LGBTQIA+ foi assassinada (repito: em razão de ser quem é) a cada 38 horas. Desse total de mortes, 159 foram de mulheres trans e travestis, 96 foram de gays, 8 foram de lésbicas, 8 foram de homens trans e 1 de pessoa não binária (pessoas que não se identificam com o par binário masculino/feminino). 74 assassinatos ocorreram por arma de fogo e 48 por esfaqueamento. Houve, ainda, 30 suicídios, motivados, também, pela LGBTQfobia.

Mas voltemos à Parada de São Paulo. Ao passo que o evento era organizado, o orgulho era celebrado e as ruas eram ocupadas, sob o tema “Queremos Políticas Públicas”, na véspera, dia 10 de junho, duas mulheres trans eram atacadas na Avenida Brasil, no Rio de Janeiro. Beatriz e Gabrielle são garotas de programa e, diante de um carro que estacionava próximo a elas, foram conversar com os prováveis clientes. Ao passo que o motorista filmava a ação (divertindo-se, tal qual os demais ocupantes do veículo), quem estava ao lado, munido de isqueiro e aerossol, ateou fogo em ambas. Para além da violência física, extrema e gratuita, as mulheres também receberam insultos de ordem transfóbica. Gabrielle afastou-se a tempo. Beatriz teve o cabelo queimado. Segundo as vítimas, que voltaram ao mesmo local para trabalhar no dia seguinte, os criminosos retornaram e ofereceram dinheiro para que não ocorresse uma denúncia. O crime foi reportado, mas, até então, os responsáveis não foram identificados ou punidos.

“Orgulhar-se de quê?” é um comentário recorrente em matérias de portais noticiosos que abordam eventos como a parada de São Paulo (quem sabe, talvez, acabe aparecendo por aqui também e, também por isso, já me antecipo). O questionamento, que se reveste de pergunta ingênua e inocente, diz, em suas entrelinhas, que não há motivo para orgulhar-se em ser algo que, em uma sociedade patriarcal, machista e LGBTQfóbica, aprende-se, diariamente, que é um equívoco. “Orgulhar-se de quê?”. Orgulhar-se de, em diferentes momentos e de diferentes maneiras, existir. Orgulhar-se de ser quem se é. Orgulhar-se de uma luta que é por liberdade, por igualdade e por respeito. Orgulhar-se de uma luta que é da comunidade LGBTQIA+ e que, também, é de todas, todes e todos nós (escrito assim mesmo, a fim de abarcar o maior número de pessoas possível). Orgulhar-se de uma luta na qual cabemos eu, que aqui escrevo, você, que aí me lê, e aquelas e aqueles que entendem que na base de uma sociedade, de fato democrática, há que existir pluralidade e diversidade.

Os avanços, como sinalizado, são diversos. Os desafios, do mesmo modo, também o são. Que possamos seguir, juntas, juntes e juntos, a cada dia, reconhecendo, aprendendo e construindo, coletivamente, uma sociedade que, de fato, acolha semelhanças e diferenças, que tenha um céu azul onde cada uma e cada um de nós tenha a liberdade de sonhar, de acreditar que seus sonhos podem se realizar e que, como cidadão e cidadã, possa, simplesmente, ser, existindo sem precisar, sempre, estar resistindo. Trata-se de um direito, não de um privilégio.

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Felipe Viero é professor do curso de Jornalismo e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)
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