“Mimimi” não é participação popular

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “editoriais”

Compartilhe:

[wpusb layout="rounded" items="facebook, twitter, whatsapp, share"]

Conforme defendem alguns estudiosos, o Estado brasileiro é um grande caldeirão de conceitos e arranjos que parecem nunca evoluir, apenas se acumular. Lá no início de tudo prevalecia o modelo patrimonialista, quando os barões faziam grande confusão entre o que era público e o que era privado. É de lá que vem o nepotismo, o autoritarismo e boa parte das apropriações que ainda contaminam o serviço público. Depois veio o modelo burocrático, quando os conceitos de impessoalidade, carreira pública e normatização tomaram forma. Mas este último modelo também trouxe a elitização de servidores públicos e um maior comprometimento com os meios do que com os fins dos governos. Por fim veio o modelo gerencial, em que a eficiência passou a ser perseguida com metas de qualidade, redução de custos e resultados tangíveis, ao mesmo tempo que impôs um gerencialismo mínimo cada vez mais distante das causas sociais.

Mais recentemente surgiu então a gestão social, que consiste na ideia de que cabe à sociedade civil participar ativamente dos processos decisórios da gestão pública, mesmo considerando a representação conferida aos gestores por meio de mandatos. Não é a simples gestão de programas sociais, como pode parecer, mas a verdadeira gestão pela sociedade de todas as ações desenvolvidas pelos governantes. É da gestão social que nascem e se desenvolvem os conselhos municipais, estaduais e federais, por exemplo, bem como importantes mecanismos de acesso à informação, ouvidorias, políticas afirmativas e parcerias paraestatais, como as que são feitas com associações e fundações. Nesse novo modelo a interação entre gestores públicos e população é maior, buscando o tênue equilíbrio entre legalidade burocrática, eficiência financeira e comprometimento social.

Mas infelizmente o que deveria ser a mais bela e saudável relação entre governantes e governados está virando uma grande bagunça que pode nos jogar ao início dos tempos! Isso porque as pessoas estão confundindo a necessária participação popular da gestão social com “lives”, resenhas e textões em redes sociais. Ao invés de procurarem os meios adequados de manifestação, na forma e no tempo corretos, partem logo para os ataques raivosos e para o choro escandaloso chamado de “mimimi” por conhecido desenho animado brasileiro do início dos anos 2000. Aparentemente desorientados com os ataques cada vez mais pessoais, os gestores públicos, por sua vez, ficam acuados e reféns da polêmica do momento. Acabam deixando de lado projetos mais robustos e estruturais e pautam suas ações no cansativo ciclo do imediatismo.

É preciso a retomada do conceito de gestão social feita por instâncias, entidades e órgãos realmente democráticos e representativos, que afastem o “mimimi” dos oportunistas e incultos, levando à gestão pública diretrizes reais para a realização de obras, programas e ações governamentais. Cabe a população participar com responsabilidade e compromisso, abstendo-se do achismo e do individualismo próprios do patrimonialismo que tanto refutamos e para onde não queremos voltar. Para a verdadeira e necessária participação popular o cidadão deve se envolver em associações de moradores, conselhos municipais e entidades de classe, por exemplo, além de acompanhar os debates do legislativo e as audiências públicas. Ficar de “mimimi” em redes sociais por conta de problema específico e individual torna insuportável a gestão pública e desqualifica o debate.

(*) André Lana  é advogado militante nas áreas de direito público e gestão social

Veja também:

Rua Dom Viçoso, 232 – Centro – Mariana/MG