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Hoje é sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Dia 1

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Foto: John-Towne/Unsplash

Não ouviu o som do alarme do despertador e, por isso, dormiu muito além do tempo programado. Levantou-se depressa, arrependida. Havia planejado uma caminhada para aproveitar o nascer do último dia do ano. Tomou o banho, preparou o café e saiu para as compras da última ceia. A casa ficava sempre cheia para as festas de dezembro, e não sabia explicar muito bem a necessidade de receber as pessoas, sobretudo, para a virada do ano, mas fazia questão de organizar as coisas, com dias de antecedência.

E foi com essa urgência que ela despertou, naquela manhã, para finalizar o que havia iniciado nos dias anteriores. Verificou mensagens, fez umas duas ligações e saiu. Ao retornar, começou a orientar os afazeres na cozinha. Em seguida, abriu muito bem as janelas e colocou flores pela casa. Sentia prazer em contemplar a sua decoração. Largava-se no sofá, por longos minutos para isso, ouvindo a sua música preferida. Em seguida, retomava a correria. As horas começavam a correr, e ela ria, aflita, sentindo a adrenalina tomar conta do seu corpo. Por fim, o último banho, ervas, conforme orientações místicas, reflexões e a abertura da agenda do ano que teria início em poucas horas. Reservava um tempo especial para o planejamento. Caneta nova na mão, sentava-se, muito confortavelmente, para enumerar tudo o que desejava para o próximo ano. E o seu coração vibrava nesse momento.

Ao final da escrita, a escrivaninha acolhia o ritual, enquanto o incenso continuava a queimar ao lado do objeto que guardava todos os sonhos. Uma folhinha especial também era depositada na primeira página para que tudo desse certo. Pensamentos positivos. O último dia do ano exigia o melhor dela. Como sempre, as pessoas chegando e se acomodando, vários sons se misturando, garrafas sendo abertas, comentários sobre vestidos, sapatos, cabelos, um novo carro, uma viagem para logo mais, filhos, fogos, choros, muitos abraços, mais garrafas sendo abertas, o novo, passos se distanciando. O silêncio. Apreciava o céu começar a se colorir e ia dormir. Novo ciclo.

No entanto, desta vez, acordou antes do previsto. Um pouco incomodada, vasculhou gavetas e encontrou, em seguida, dentro de um armário, cadernos e agendas empilhados em colunas paralelas. Como estavam organizados de forma cronológica, iniciou uma leitura rápida pelo objeto mais antigo. Para a sua surpresa, na primeira página de cada agenda, a lista de desejos e uma frase motivadora, além da plantinha desbotada, já bem seca. De repente, resolveu destacar a primeira página de todas elas. Colocou-as lado a lado e marcou tudo o que havia realizado ao longo dos anos. Não conteve a emoção ao ver que a sequência dos seus desejos era praticamente a mesma naquelas folhas. Ficou sem ação. Não tinha coragem de ir até a escrivaninha para pegar a mais recente. Fechou os olhos e chegou a ouvir as batidas do coração. Não era possível que fosse tudo repetição. Arrancou a primeira página e analisou, metodicamente, a letra, símbolos e frases. Teria de ser diferente a partir de agora. Gastou horas para pôr fim aos objetos antigos. E só então conseguiu perceber a novidade que nascia dela, para que o ano fosse, definitivamente, diferente.

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Giseli Barros é professora, mestra em Literatura Brasileira pela UFMG, membro efetivo da ALACIB-Mariana
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