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Hoje é quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Sob os céus de Brasília: E se?…

“Como irmãos e irmãs, somos convidados a construir uma verdadeira fraternidade universal que favoreça a nossa vida em sociedade e a nossa sobrevivência sobre a Terra, nossa Casa Comum”. (Papa Francisco)

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”

Esplanada dos Ministérios, Brasília, DF

Ouça o áudio de "Sob os céus de Brasília: E se?...", de Júlio Vasconcelos

Este ano tive a oportunidade de passar o feriado de carnaval de forma atípica, em Brasília, em pleno Planalto Central! Na verdade, de carnaval mesmo não tinha nada por lá! Apenas alguns poucos foliões vagando meio perdidos pelos enormes canteiros centrais da Esplanada dos Ministérios, buscando inutilmente um batuque onde pudessem foliar, mas sem nada encontrar! Nem parecia que eu estava no Brasil! Mas o que realmente me chamou a atenção foi o enorme contraste social! No centro, além da grande quantidade de gigantescos prédios oficiais enfileirados dos dois lados da Esplanada, destacam-se, com ostentação, a magnífica Catedral e os enormes e suntuosos edifícios, concentrando uma elite de elevadíssimo poder aquisitivo! Ao contrário, nos diversos aglomerados espalhados pelos arredores, precariedade e miséria! Fiquei a me perguntar qual seria a origem de tamanho contraste. Portanto, vejamos.

Estima-se que o custo direto da construção de Brasília na década de 50, com suas monumentais construções e amplas rodovias que fazem a ligação com os Estados, foi de U$83 bilhões de dólares em valores atuais, ou seja, quase R$500 bilhões de reais. Para se ter uma ideia de grandeza, este valor é equivalente a mil arenas de futebol construídas para a Copa do Mundo, em um país com um PIB mais de cem vezes menor que hoje, na época. Como o Governo JK não tinha dinheiro disponível para um projeto faraônico como aquele, o recurso foi emitir moedas de forma acelerada. A consequência imediata foi a sua rápida desvalorização e o aumento descontrolado da inflação e, com isso, a perda do poder de compra da população, afetando principalmente os mais pobres. Na sequência, surgiu uma enorme instabilidade econômica, com desabastecimentos frequentes, culminando com a hiperinflação dos anos 80.

Estima-se que cerca de 60 mil operários vindos principalmente das regiões norte e nordeste do país, os chamados candangos, trabalharam para construção da nova capital. O cotidiano deles era duro e as condições de trabalho precárias. Vale considerar que o termo candango é de origem africana e significa vilão, ruim, ordinário. Eles chegavam a trabalhar 16 horas por dia e ficavam alojados em instalações precárias, sem condições de higiene e de local adequado para alimentação. Os serventes eram alojados em grandes galpões e os mestres de obra dormiam em pequenos quartos improvisados de madeira. O trabalho era intenso, a fiscalização, nula e elevados os números de acidentes do trabalho, alguns fatais. Na época, chegaram a surgir boatos de que os corpos de trabalhadores mortos eram depositados nas colunas de concreto que sustentam três dos símbolos mais icônicos da capital – Congresso Nacional, Esplanada dos Ministérios e Torre de TV. As fotos antigas da construção nos dão uma visão concreta da precariedade do trabalho naquela época.

Concluída a obra, que durou cerca de 04 anos, os trabalhadores foram demitidos e orientados a retornarem para seus locais de origem, o que não aconteceu; a grande maioria preferiu ficar por ali. Impossibilitados de morar na parte central da cidade, se espalharam pelos arredores e daí nasceu Ceilândia e depois a Favela do Sol Nascente, considerada a maior favela do país, com cerca de 93 mil habitantes, maior do que a própria Rocinha, do Rio de Janeiro.

Bom, afinal, além de conhecer um pouco sobre os custos para a construção de Brasília e sobre o sacrifício de muitos que chegaram a dar a própria vida para a conclusão do projeto, o que podemos aprender com isso tudo?

Não sou o dono da verdade e nem quero ser! Também não sou especialista no assunto e nem quero denegrir a figura de Juscelino Kubistchek com seu sonho utópico (ou distópico) mas, talvez entrando no espírito da Quaresma e do tema da Campanha da Fraternidade – “Fraternidade e Amizade Social”, me pergunto:

E se os quase R$500 bilhões de reais gastos na construção da obra tivessem sido aplicados de forma estratégica em moradias dignas, saneamento básico, educação, saúde e geração de emprego e renda e transporte público para a população brasileira de uma forma geral? O que teria acontecido?

E se tivessem diminuído o número de políticos e seus aspones, de ministérios e secretarias e suas enormes mordomias e contratado profissionais técnicos, competentes e íntegros na gestão da máquina pública? O que teria acontecido?

E se tivessem construído uma cidade com uma estrutura socialmente equalitária, com menos ostentação no prédio faraônico da catedral, com menos palácios suntuosos, com menos apartamentos funcionais e com menos mansões na beira do Lago Paranoá? Quantas moradias decentes seriam construídas para a população? Quantos hospitais e escolas seriam construídos? O que teria acontecido?

Creio que todos sabiam a resposta, só faltou colocar em prática! …

O mais duro é sentir que não precisamos ir muito longe para perceber que os contraexemplos de Brasília estão muito mais próximos de nós do que pensamos! Como diz o cantor e poeta mineiro Beto Guedes na sua belíssima canção “Sol de Primavera”: “A lição sabemos de cor, só nos resta aprender”.

Quem tem ouvidos, que ouça!

Picture of Júlio Vasconcelos
Júlio César Vasconcelos, Mestre em Ciências da Educação, Professor Universitário, Coach, Escritor e Sócio-Proprietário da Cesarius Gestão de Pessoas
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