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Hoje é quinta-feira, 21 de novembro de 2024

A miopia analítica da imprensa sobre a tabela do IRPF

Análises esquecem injustiça tributária ao colocar foco no que o governo deixa de arrecadar

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”

Representação do Leão da Receita Federal, símbolo do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF)

O jornal Valor Econômico, em matéria do dia 07 de fevereiro de 2024, destaca que, com o pequeno ajuste que foi feito na base da tabela do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), o governo vai deixar de arrecadar valores vultosos. Diz o texto: “Com a subida do valor de isenção para o Imposto de Renda, o governo federal renunciará a uma receita de R$3,03 bilhões em 2024. O valor sobe para R$3,53 bilhões em 2025 e para R$3,77 bilhões em 2026.”

As projeções são corretas, mas o olhar é? O ajuste foi feito para que pessoas que recebem duas vezes o “novo” salário-mínimo (e põe mínimo nisso!) não passem a ser tributadas. E se nós mudarmos o olhar e pensar que o governo está mordendo muito mais do que deveria ao não ajustar a tabela do IRPF? Ou seja, ao invés de pensar o governo deixa de arrecadar, pensarmos o governo está deixando com o trabalhador pobre o que não deveria tirar dele em termos de poder de compra. Mais ainda, que o governo não está fazendo o mesmo com os outros trabalhadores e tem, ao longo dos anos, ao não ajustar a tabela, penalizando os trabalhadores duplamente, pois perdem poder de compra e ainda pagam proporcionalmente mais impostos. Para alimentar essa visão, vamos comparar a tabela do Imposto de Renda de vigente em janeiro de 2009, quando passa a vigorar a mesma estrutura de tributação em cinco faixas que temos atualmente, e a tabela que passa a vigorar agora. Vejam a diferença de valores após 15 anos:

Comparação entre a antiga e a nova tabela do IRPF

Calculando os ajustes feitos nas diferentes faixas em termos porcentuais, temos o seguinte:

Para comparação, vamos pensar quais teriam sido as variações da inflação, tomando como parâmetro o IPCA. A inflação teve uma variação de 134,1% entre janeiro de 2009 e dezembro de 2023, último dado disponível e consolidado na calculadora disponível no site do IBGE, que oferece os dados oficiais que utilizamos. Considerando pela inflação apenas, a tabela de Imposto de Renda, para refletir valores reais, deveria ser essa:

Isso vale dizer que, mesmo considerando esses valores, parece óbvio que muitos trabalhadores pagariam IRPF antes de conseguir pagar suas contas. Obviamente, não se pode falar em renda para uma pessoa que não recebe nem o suficiente para fazer frente às suas despesas básicas, mas é esse o absurdo tributário que ocorre. O salário-mínimo calculado pelo Dieese, que corresponde às despesas básicas de uma família de quatro pessoas para janeiro de 2024, que é o dado mais recente, é de R$6.723,41. Ou seja, mesmo atualizando a tabela pela inflação, a pessoa seria onerada. Considerando a tabela vigente, a pessoa com a renda mínima do Dieese paga cerca R$753,00. Isso equivale a 11,2% de carga tributária só de Imposto de Renda. Como a carga tributária recai sobretudo no consumo – e pessoas de baixa renda não têm opção, exceto gastar tudo o que ganham com o consumo imediato, assegurando a sobrevivência -, a injustiça tributária brasileira fica mais evidente. É um escárnio tratar de Imposto de Renda para quem não ultrapassa os limites da sobrevivência.

Assim, a imprensa deveria refletir sobre o olhar que lança sobre esse tema. Como esperamos ter deixado claro, o foco deveria ser não quanto o governo deixa de arrecadar ao ajustar apenas o piso da tabela, mas o quanto ele está tirando da população com mais esse elemento de aumento de imposto em razão da inflação. Para que não reste dúvida, um último dado: mesmo considerando os ajustes do piso, na tabela inicial eram isentos aqueles que recebiam cerca de 3,5 salários-mínimos. Mesmo com os ajustes feitos na base dos últimos anos, a isenção caiu apenas para quem recebe 2 salários-mínimos. Mesmo na base, nesses 15 anos a mordida só cresceu e é urgente um ajuste da tabela para devolver aos cidadãos o que tem sido retirado deles. O ajuste da tabela do IRPF não trata, portanto, de o governo deixar de arrecadar, mas de o cidadão não ser cada vez mais onerado. A imprensa fixar o olhar no que o governo “deixa de arrecadar” é muito miopia.

Picture of Fábio Faversani
Fábio Faversani é Professor Titular de História Antiga, da Universidade Federal de Ouro Preto
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