Exclusão de minorias é recado dado ao país
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- Giseli Barros (*)
- 26/06/2020
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Enquanto o senhor ria com escárnio de alunos, professores e pesquisadores, atribuindo a estes a balbúrdia que ele mesmo tentava instalar no país, a educação brasileira resistia aos ataques cada vez mais descabidos. E como se não bastasse tudo isso, na última cartada, revogou a portaria de 2016 direcionada a cotas para índios, negros e portadores de deficiência em cursos de pós-graduação nas universidades públicas. Sem dúvida, foi mais uma atitude reveladora do desprezo pelo cargo que ocupou, elegendo o deboche como sua principal característica, durante o exercício como Ministro da Educação. No fim das contas, revogar tal portaria não deixa de ser um recado dado ao país.
É válido lembrar que a desigualdade social brasileira teve início pelas mãos dos colonizadores, e hoje a sua manutenção é garantida pelos herdeiros de uma visão mesquinha que não aceita a identidade miscigenada do brasileiro. Nesse sentido, defender a meritocracia como o caminho para que as minorias tenham as mesmas oportunidades dadas aos demais é desconsiderar todo o nosso processo histórico, começando pela violência infligida aos índios. Já no século XVI, Caminha deixa registrada em sua carta a imposição de uma cultura que subjugou os costumes e as línguas de centenas de tribos, como se os nativos estivessem à espera de uma suposta salvação. Quanto engano! Salvos estariam os índios se não tivessem sofrido a espoliação de suas terras e o estupro de suas mulheres. E quando ainda ousam pisar nos ambientes “civilizados”, são muitas vezes vistos como intrusos, porque realmente interessa ao capitalismo a riqueza das reservas indígenas. De resto, quando não são repelidos pela sociedade, parecem atração de um espetáculo, apreciados como seres exóticos saídos de um livro mal escrito.
Dívida difícil de ser quitada, e não paramos por aí, pois infelizmente a violência histórica do país não encerra neste ponto. Outrora atividade bastante lucrativa, a escravidão do negro ainda reverbera no Brasil, mantendo viva a ideia de que estes devem servir ao homem branco, fato que se comprova com o espaço geralmente atribuído aos negros, ou seja, do trabalho servil. Tia Nastácia é um bom exemplo em nossa ficção da preta generosa, aquela figura amiga e de sorriso largo que serve a todos fielmente, ilustrando a velha fala “Ela é quase da família”. No esforço de fazer do Brasil um país branco, Machado de Assis, um dos maiores representantes da nossa literatura, teve o seu retrato alterado ao agrado de uma elite burguesa que se formava no país nascente. Aplaudimos o carnaval feito por negros, mas há horror na plateia ao ver representado, no maior festejo popular brasileiro, Jesus na pele de um menino negro da periferia. Lamentavelmente, um Estado com práticas fortemente racistas que acha normal o extermínio cotidiano de negros, em grande parte, adolescentes.
No país em que piada é eufemismo para ofensa, estende-se também a violência contra os portadores de deficiência que ousam ter seus direitos gritados, maiormente, por seus familiares. Por que garantir vagas no estacionamento para cadeirantes, por exemplo? O que faz uma pessoa ser impossibilitada de frequentar a escola regular, de ter recursos garantidos de acessibilidade, ao ser identificada como portadora de deficiência física ou intelectual? Já passou da hora de serem percebidas como pessoas capazes de aprender e de realizar as atividades ditas normais, visto que acessibilidade é uma forma legítima de garantir direitos. Já passou da hora de dar visibilidade real a elas. É lamentável que eventos de nível mundial, como as Paraolimpíadas, sejam pouco divulgadas pela mídia. É lamentável a mínima atenção dispensada aos profissionais portadores de deficiência. Em suma, mais um grupo que avoluma a fila dos invisíveis.
Desse modo, o recado dado ao país é claro. Às minorias cabe uma corrida desleal, já que equidade é palavra pouco conhecida, valendo, portanto, a manutenção da exclusão de todas as formas. Difícil entender como o Brasil poderia ser ainda hoje visto como branco. Triste assistir a ações vis como a do ex-ministro. Se é possível ante à barbárie ter esperança, que bons ventos tragam novas perspectivas para um país que urge pelo acolhimento do seu povo.
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