Notícias de Mariana, Ouro Preto e região

Hoje é sexta-feira, 22 de novembro de 2024

O sol

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”

Quarto de criança, com decoração em amarelo, em homenagem ao sol

Ouça o áudio de "O sol", da colunista Giseli Barros:

Como era lindo o seu Sol! Passava horas admirando a criança, planejando o futuro. Antes, no que denominava vazio, sentava-se no canto do cômodo e preenchia o tempo com anotações, escrevendo uma espécie de diário para dar mais força ao sonho de uma vida feliz. Visualizava o lugar com objetos coloridos e uma bela mobília. Não era triste. Mantinha os hábitos do seu grupo. Não estava sozinha. Ele também queria o mesmo que ela. Certo dia, a criança chegou.

O casal tinha um gosto em comum, a cor amarela. O quarto era lindamente ensolarado. Nas gavetas da cômoda, tonalidades variadas e bem-organizadas para facilitar a rotina. Fazia combinações perfeitas. Tudo preparado com muito zelo. A criança teria uma vida confortável. Ajustavam planilhas com todos os horários: alimentação, lazer, consultas, visitas, hora do sono, amigos, as festinhas. Diariamente, contava-lhe histórias. Narrava as aventuras do rei Sol que havia nascido para brilhar e iluminar a vida de todo o reino. Falava de um lugar distante, muito triste, porque as pessoas haviam perdido a capacidade de amar. Solitárias, viviam amarguradas, perdidas em noites infinitas. Certa vez, incomodado com a escuridão, o Sol tomou uma decisão. Reuniu todos os astros numa longa reunião, para mudar a rota do universo, deixando a luz chegar àquele lugar de pessoas tristes. Ele falava que ninguém deveria conhecer apenas a noite. E se emocionava ao lembrar que, certa vez, depois de muito trabalho, conseguiu fazer chegar o prenúncio da manhã, mas que, mesmo assim, o dia não pôde nascer. Sentiu-se, então, muito infeliz, porque o céu nem de estrelas se cobria, ficando com uma espessa névoa, que chorava constante de fina chuva.

A criança contemplava a mãe e ficava aguardando o desenrolar da narrativa. Gostava de saber que o rei Sol era muito justo e esforçado. Vibrava ao ouvir sobre os planos do rei. Pedia a ela para contar novamente sobre o dia em que os astros conseguiram acolher o pequeno planeta, girando com toda a força, como um lindo carrossel, até o Sol irradiar a sua luz e calor pelo universo.  E com seus olhos redondos e amendoados, enquanto crescia, mirava o céu e imaginava o mundo se transformando. Seria assim também. No entanto, no meio de planilhas e conjecturas, não percebiam o isolamento que se formava em torno da criança. Tudo de fora lhes parecia hostil. Recomendações intermináveis para a escola. Reclamações a todos que orbitavam em torno daquele que seria grande e justo. Riscavam nomes das agendas. Formavam, lentamente, uma barreira, uma redoma invisível. Quem estaria à altura da criança predestinada a uma vida promissora? Fariam o que fosse necessário para que o filho vivesse feliz. Aceitariam os sacrifícios para protegê-lo da aspereza do mundo. Planejavam. Guardavam os dias. Selecionavam.

E o mundo seguia. O mundo se encolhia. Nas gavetas da cômoda, poucas tonalidades. Nem a janela do quarto recebia os dias com a mesma alegria. Nos pensamentos do menino, uma janela também se encobria com cortinas acinzentadas. Nem um girassol no quintal à procura do rei que era justo e bom. Se pudesse, com um único pedido, enviaria um sinal ou uma carta, pedindo a ele para abraçar o universo novamente, através da união dos astros, e que fizesse chegar ali o calor gostoso dos primeiros sonhos. Correria feliz entre outras crianças e contaria a elas as histórias de um mundo que deixou de ser triste, unindo-se a outros reinos com a ajuda de um rei que era sábio, humilde e generoso.

Picture of Giseli Barros
Giseli Barros é professora, mestra em Literatura Brasileira pela UFMG, membro efetivo da ALACIB-Mariana
***

Inscreva-se nos grupos de WhatsApp para receber notificações de publicações da Agência Primaz.

Banner Anuncie aqui, versão
Veja mais publicações de Giseli Barros