Dentro da toca
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Ouça o áudio de "Dentro da toca", da colunista Giseli Barros:
Correu o máximo que pôde e gritou bem alto. Com um movimento brusco dos braços, tentou alcançar o garotinho que vestia um colete colorido e tinha um relógio diferente nas mãos. Achou tudo estranho. Não parecia uma criança. Por um instante, analisou a cena. Reparando bem, talvez fosse um menino fantasiado de coelho. Ele a olhou e sorriu. Aquela menina estava confusa. E quando ela pensou em fazer uma pergunta, ele somente disse que estava atrasado e sumiu.
A garota nem sabia dizer como havia entrado naquele lugar. Respirou profundamente e forçou a visão para identificar o que havia ali. Um lugar fechado, mas não parecia haver paredes. Deu mais um passo e, de repente, começou a cair, porque era impossível encontrar o chão. Desesperada, gritou, mas ninguém respondia. Se fosse um sonho, ou pesadelo, precisaria acordar imediatamente. Em vão, arregalou os olhos. Melhor seria fechá-los e ver para dentro de si.
Caiu
o
mais
que
pôde.
Em algum momento, alguém a segurou ou o chão chegou macio, como uma nuvem ou colchão. No ar, havia um perfume bastante conhecido. Era inútil todo esforço para abrir os olhos. Enquanto isso, o despertador tocava uma canção de ninar.
Ouviu alguém chamá-la repetidamente por outro nome. Não poderia responder, porque sentia um enorme silêncio dentro de si. E o que mais lhe assustava era perceber que isso causava uma sensação de prazer e de paz. Foi então que decidiu desistir de tentar qualquer movimento. Enquanto pudesse, ficaria imóvel.
Lá fora, ela sabia que o mundo continuava a girar. Imaginou o planeta alterando a sua rotação. Percebeu os seus músculos do rosto contraírem, os pulmões enchendo de ar. Explodiu em uma sonora gargalhada. Todos ao seu redor orbitavam como pequenos astros em um novo universo. Assim, com o desejo de manipular a realidade, gesticulava, estalando os dedos. Orquestrava para o balé em que apenas ela ocupava a plateia. Sentia-se com todo poder do mundo.
Não reparou, porém, que a sua audácia também alterava o tempo. A Terra, agora, participava da dança. Instantaneamente, passavam os dias, as noites e todas as estações. Quando a menina viu acabar o verão, quis interromper o espetáculo. No entanto, tudo fugia ao seu controle. Encheu os pulmões de ar e gritou. Não obteve resposta. Já não conseguia reger os movimentos. Os astros se distanciavam e a menina parecia diminuir de tamanho. Se quisesse sair dali, para sempre, como faria? Para onde teria ido aquele menino? Em qual direção estaria a saída? Não avistava nenhuma porta. Não avistava ninguém.
Como no princípio, enquanto imaginava correr, fechou os olhos, tentando sentir bem o chão. Exausta, a pele arrepiava, porque o frio ficava, cada vez mais, intenso. Os músculos enrijeciam. Talvez pudessem congelar, se ali permanecesse por mais tempo. Desconfiou que o seu desejo mais forte fosse o de controlar o destino, fazendo dos dias peças do seu tabuleiro. Por isso, vendo aquele menino com um relógio diferente, de único ponteiro, o seguira, mesmo sem saber para onde aquela toca a levaria. Agora, entendia que, para qualquer caminho, precisaria estar consciente de suas escolhas e que as pessoas não eram as cartas de um baralho particular
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