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No dia 04 de julho comemora-se 309 anos da primeira Câmara e da primeira eleição livre na capitania das Minas do Ouro. Desde então, a forma de eleger os vereadores e governantes das vilas e cidades de Minas mudou muito. Conto aqui um pouco desta história.
As notícias da descoberta de ouro na região do chamado sertão de Cataguazes, hoje chamada de Minas Gerais, se espalharam pelo Brasil e chegaram a Portugal. Milhares de pessoas acorreram à região em busca de riqueza.
Em 16 de julho de 1696, bandeirantes paulistas liderados por Salvador Fernandes Furtado de Mendonça encontraram ouro em um rio batizado de Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo. Às suas margens nasceu o arraial de mesmo nome. O local se transformou em um dos principais fornecedores deste mineral para Portugal.
Entre 1708 e 1710 ocorreram vários conflitos armados na zona aurífera, envolvendo de um dos lados os paulistas e de outro portugueses e elementos vindos de vários pontos do Brasil, no episódio que é conhecido pela história como Guerra dos Emboabas. A insegurança, o contrabando e a sonegação imperavam naquela zona, contrariando as determinações reais, que haviam imposto cobrança de taxas sobre toda a mercadoria que entrasse nas Minas. Os conflitos terminaram com a expulsão dos paulistas da área, abrindo a possibilidade para a ação da Coroa Portuguesa naquele território.
Os episódios da Guerra dos Emboabas levaram Portugal a criar a capitania de São Paulo e Minas do Ouro. A fim de organizar a nova capitania foi enviado para o 1º povoamento de Minas, o Arraial do Carmo, o governador Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, em 1709.
Em 1711, sendo já considerável o desenvolvimento do arraial, um ato do governador, em 8 de abril, elevou-o à categoria de vila, sob a denominação de Vila de Nossa Senhora do Ribeirão do Carmo de Albuquerque. Este acontecimento exigiu a implantação, segundo as determinações metropolitanas, de uma estrutura administrativa e judiciária representada pela Casa Câmara. Assim, em 04 de julho de 1711, ocorreu na vila a primeira eleição livre em Minas para o senado da Vila do Carmo.
Os primeiros eleitos em terras mineiras foram escolhidos indiretamente. A Câmara era formada por seis integrantes: o “mais velho” e o “mais moço” eram os juízes, que dividiam a presidência da Casa, três vereadores – eleitos a partir de uma lista tríplice – e um procurador. Os nomes eram colocados dentro de bolas de cera e guardados em uma urna lacrada. O mandato era de três anos e, a cada nova eleição, uma criança da vila sorteava os nomes dos que iriam exercer a governança.
Símbolo da primeira eleição em Minas Gerais, a urna de madeira utilizada na votação de 1711 é uma das relíquias preservadas pelo Museu Arquidiocesano de Arte Sacra em Mariana. O objeto, segundo a entidade, foi esculpido em cedro com detalhes em ouro e é de origem portuguesa.
Os eleitos foram: Capitão-Mor Pedro Frazão de Brito, para juiz mais velho; Joseph Rebello Perdigão, para juiz mais moço; Manoel Ferreyra de Sá para vereador mais velho; Francisco Pinto de Almendra, para segundo vereador; Jacinto Barboza Lopez, para terceiro vereador e Torquato Teyxeira de Carvalho, para procurador.
Inspiradas na organização política que existia em Portugal na época, as antigas câmaras concentravam funções dos atuais Três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Era a Câmara quem punia, fiscalizava, criava as leis e ainda administrava a vila.
As atas de reuniões da Câmara de Mariana, que estão no Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Mariana (AHCMM) revelam detalhes curiosos sobre as funções dos vereadores, que se reuniam às quartas-feiras e sábados e trabalhavam de graça. Era um trabalho voluntário, exercido geralmente por pessoas mais velhas e que gozavam de “certo” respeito na vila.
A eleição por pelouros foi um sistema eleitoral estabelecido em Portugal por Dom João I em 1391, conhecida como Ordenação de Pelouros, e é considerado o mais antigo e clássico sistema eleitoral.
A Ordenação dos Pelouros normatizava a eleição do corpo político camarário (juízes, vereadores e procuradores) que presidia e representava a comunidade. A Lei dos Pelouros determinava que em cada vila ou cidade se organizassem, permanentemente, listas de pessoas idôneas ao exercício dos referidos cargos, chamados “Homens Bons”. Cada nome aí recenseado seria escrito em papel, recolhido numa bola de cera, guardadas numa arca dos pelouros, de onde se fazia o sorteio.
Competia ao corregedor chamar à Câmara juízes, vereadores, procurador e homens bons para escolher seis pessoas, que duas a duas, separadamente, indicariam pessoas idôneas para o exercício dos cargos, em rol distinto para cada um deles. Ao corregedor régio, mas também ao ouvidor, em terras de donatário, ou ao juiz mais velho na falta de magistrado régio letrado na terra, competia, associando os votos, selecionar os mais votados, apurando uma lista, a “pauta” dos eleitos. Cada um dos nomes da pauta era encerrado num pelouro, guardado em uma arca, para oportuno sorteio por uma criança de até 7 anos de idade. O nome pelouro advém do formato das bolas de cera que eram similares ao feitio de projéteis usados em certas armas de artilharia.
O camarista, senador ou juiz, nomes dados aos integrantes das Câmaras do período colonial até o início do século XX, tinham poderes bem amplos. As Câmaras tinham o poder legislativo (fazer leis), o poder executivo (executar obras e administração da localidade) e o poder judiciário (julgar e dar sentenças). Esta forma que temos hoje: o legislativo, o executivo e o judiciário independentes só tomou forma na constituição de 1934, com a dissociação dos poderes; além da eleição direta de todos os membros do legislativo e executivo.
Em 1745 com a elevação da vila para cidade de Mariana, tornou-se a primeira Câmara instalada em uma cidade nas Minas Gerais. A organização administrativa da cidade de Mariana tinha uma das maiores extensões territoriais das Minas. Se a área fosse calculada atualmente, cerca 10% das cidades de Minas, ou seja, de 84 cidades estariam sob a jurisdição da Câmara de Mariana, que já foi palco de vários fatos históricos e importantes para formação do estado de Minas e do Brasil.
Este ano teremos eleição para o legislativo de Mariana. Sendo assim, a tradição irá se repetir, elegendo-se os camaristas ou vereadores da cidade.
Não apenas a população, mas os políticos deveriam conhecer a história da formação das câmaras, que começou pela Vila do Carmo, e transformou todo o Estado de Minas. Como disse o filósofo Irlandês Edumund Burke “Aqueles que não conhecem a história estão fadados a repeti-la”.
(*) Cristiano Casimiro dos Santos é professor e editor da Revista Mariana Histórica e Cultural