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Hoje é domingo, 24 de novembro de 2024

Sobre os fins

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”

Sobre os fins

Ouça o áudio de "Sobre os fins", do colunista Alexandre Amorim:

Primeiramente, gostaria de pedir desculpas ao público que me prestigia com sua atenção. Nos últimos meses, as obrigações à frente da Biblioteca mais charmosa da Região dos Inconfidentes têm demandado (e ainda demandam!) mais atenção do que o habitual. São muitas horas extras e muito café para tentar melhorar ainda mais a vida de quem gosta de ler por aqui! Agradeço pela atenção de sempre e convido a todos para conhecerem a nossa Biblioteca mais uma vez.

O título desta pequena parte, fruto de um solilóquio, pretendia falar sobre a inevitabilidade da condição humana e de como nós, um pouco mais velhos e menos vulneráveis às cores vibrantes e emoções intensas, vamos nos aproximando, lenta e pacificamente, do caminho que, por mais tortuoso e divergente que pareça, inevitavelmente nos leva ao mesmo destino.

Entretanto, a vida, rebelde aos planejamentos mundanos, alterou nossos planos para falar de algo inventado por nós e não tão inexorável como alguns pensam: o Governo. Falaremos então de controle, da identificação do mesmo e de como agimos na percepção das coisas. É importante compreender que, assim como a vida segue seu curso inevitável, o caminho tomado por milhões em suas jornadas individuais altera nossa percepção da realidade. Portanto, a política molda nossas decisões, carimba nossas ações e influencia nossa percepção do humano que somos perante a vida de cada um ao nosso redor.

Lembro-me, certa vez, aqui mesmo em Mariana, de ter ouvido falar de uma tal “Carta pela Democracia”. Várias pessoas de bom nome, talvez com boas intenções, buscaram refletir em tal carta seus medos e receios sobre o caminho dos outros, percebendo sua realidade sem arreios e sem sela, talvez buscando nos livros de outrora ou nas percepções filosóficas dos incontáveis “porquês” humanos, temendo que isso nos levasse a uma terrível e implacável ditadura.

Não tema, caro leitor, pois não haverá qualquer alusão a este ou aquele partido, a esta ou aquela percepção como sendo a correta, justa, única aceitável ou permitida. Tampouco haverá aqui um vandalismo léxico, de apropriação de palavras e conceitos, profanando posições e desrespeitando o seu direito de poder usar um dicionário sem se preocupar com a miríade de legiões que criam palavras ao bel prazer, vilipendiam conceitos, proíbem palavras e abominam letras em conjunto como pecados modernos invioláveis.

São tantos “istas” jogados ao alto (fascistas, comunistas, taxistas, esportistas…) por tanta gente que se proclama guardiã de tudo, que poucos refletem sobre qualquer conceito hoje, não é mesmo? Não se preocupe, nada aqui replicará isso para você, nobre e merecedor leitor. Mas sobre Governo e Controle, há muito a se explicar. Não desejo que você, meu caro amigo, use das expressões artísticas hollywoodianas para se formar humano, mas um filme de 2013 chamado Enemy (ou em português O Homem Duplicado – quem inventa esses nomes no Brasil?) busca explicar como funcionam as ditaduras. Cito:

“Controle, é tudo uma questão de controle. Toda ditadura tem uma obsessão e é isso. Na Roma antiga davam pão e circo ao povo. Mantinham a população ocupada com entretenimento, mas outras ditaduras usaram outras estratégias para controlar as ideias e o conhecimento… como fazem isso? Baixam a educação, limitam a cultura, censuram a informação, censuram qualquer meio de expressão individual. É importante lembrar que isso é um padrão que se repete ao longo da história.” (Tradução do autor)

Referi-me aos autores (ou assinantes) da tal “Carta pela Democracia” e coloco propositalmente as aspas, pois vejo hoje exatamente o que traduzi acima, no Brasil atual. Não o panis et circenses de Roma, mas a péssima educação, que já vem de muito tempo. Vejo a cultura virar um palco de atrações musicais, como se imersa em um gigantesco DCE, enquanto a REAL cultura vai apodrecendo, colapsando, morrendo sem recursos. Vejo a Suprema Corte do país calando jornalistas, censurando jornais e pessoas se calando por ter opinião, suprimindo-a numa autocensura disfarçada de “politicamente correto” ou “evitar conflitos e divergências”.

Vejo um contorcionismo de palavras tentando explicar que apenas um tipo específico de antagonismo é permitido. Como se alguém, imbuído da mais divina autoridade, se colocasse no mais alto degrau moral para dizer que somente ESTA ou AQUELA vertente política é permitida. Vejo a utilização de palavras de forma estúpida e sem sentido. Vejo a tentativa de extremar ao máximo o antagonista.

Tudo é extremo, desde que não compactue com o que EU penso.”

Pergunto-me aqui, todos os dias: Onde estão os autores da tal “Carta”? Onde está o repúdio à perversão da palavra que deveria acompanhar tal “Carta”? Não existe autoavaliação? Não existe a corajosa capacidade de assumir o erro? É este o tipo de humanos que assinam a tal “Carta”? Este é o tipo de intelectuais que temos?

O que sei é que as ditaduras são o refúgio dos fracos, dos covardes e dos inseguros. Uma máscara abjeta, colocada à face pela inabilidade de liderar com integridade e força. Vejo hoje uma legião de pessoas que se tornaram fãs de um político ou de uma ideologia, incapazes de ver as falhas, de apontar os erros, de perceber suas mazelas, de se colocar no lugar do outro (desculpem este escritor, pois depois de tanto uso da palavra “empatia”, me furto sistematicamente de usá-la como um protesto…) e sei que, quando isto acontece, a ditadura está a apenas alguns quilômetros de distância.

É necessário, antes de mais nada, que se pare de bloquear as consequências dos atos. Que cesse toda tentativa de obscurecer ou furtar do aprendizado das consequências aqueles cujas ações não refletem sobre si todo o rigor da dureza da vida. Ou não existem mais faces a serem viradas para mais tapas? Ou os ossos do ofício são resguardados a sofrer apenas pelos mais pobres?

Por fim, preciso externar um pensamento que li, em algum lugar perdido pela Internet:

“Tudo o que estou dizendo é que todo verdadeiro fascista que conheci é dedicado de uma forma que algumas pessoas mundanas nem conseguem entender. Eles são todos fanáticos. Pela causa deles. Pela sua luta. Eles treinam seus corpos, almas e mentes enquanto outros vivem a vida em busca do prazer ou da autorrealização. A maioria viu combates reais, não em filmes ou videogames. Eles estão familiarizados e confortáveis com a violência. Todos parecem buscar a morte de um guerreiro. Todos se sentem como se estivessem parados na porta enquanto o lobo uiva lá fora. Eles sentem como se estivessem defendendo a civilização contra a noite eterna. Hoje, a grande maioria das pessoas nunca travou nem mesmo uma briga física. Não creio nem por um segundo sequer, que a maioria das pessoas esteja preparada para o zelo fanático do verdadeiro fascista.”

Não tenha dúvida que toda vez que alguém deturpa esta palavra para torná-la tão insignificante quanto chamar alguém de “bobo” ou “chato” na rua, o sentido real do perigo que alguém que realmente acredita que TUDO deve funcionar em prol e por intermédio do Estado aumenta. Ele encontra, na destituição do significado da palavra, uma máscara perfeita, um terreno fértil no qual floresce, dá frutos e se multiplica. Este é um jogo estúpido para ser jogado, com prêmios violentamente cruéis, desprovidos de qualquer emoção e eticamente cegos. Existem cemitérios inteiros lotados de vítimas deste tipo especial de percepção do mundo.

E não irei me despedir sem falar o que acho ser a solução para tal questão que parece nos cercar a todos, sem qualquer tipo de distinção:

NÃO SE CALE.

Não permita que violentem seu direito de liberdade de pensamento, de livre escolha política, de livre manifestação de ideias. Não é todo cão a ladrar que é digno de sua atenção! Não permita que neologismos criados exclusivamente para silenciar qualquer tipo de debate sobre os diversos problemas que nossa sociedade enfrenta hoje, com a intenção de usar esta “culpa coletiva”, seja ela qual for, para excluir certo sistema ideológico do escrutínio, análise e criticismo! É uma tática fajuta e covarde utilizada na tentativa de silenciar qualquer um, em qualquer momento que questões legítimas e pertinentes ou críticas corretas são levantadas!

Despeço-me com um poema de Charles Bukowski (1920-1994), chamado “O Coração Risonho”:

“Sua vida é sua vida.

Não deixe que ela seja esmagada na fria submissão.

Esteja atento. Existem outros caminhos. E em algum lugar, ainda existe luz. Pode não ser muita luz, mas ela vence a escuridão.

Esteja atento.

Os deuses vão lhe oferecer oportunidades. Reconheça-as. Agarre-as.

Você não pode vencer a morte, mas você pode vencer a morte durante a vida, às vezes.

E quanto mais você aprender a fazer isso, mais luz vai existir.

Sua vida é sua vida.

Conheça-a enquanto ela ainda é sua. Você é maravilhoso.

Os deuses esperam para se deliciar em você”.

* O filme Enemy foi inspirado na obra de José Saramago, O Homem Duplicado. Por esta razão, a tradução do título do filme para o português não tem absolutamente nada a ver com o título em inglês, que significa “inimigo”.

Picture of Alexandre Amorim
Alexandre Amorim é mineiro, pai e defensor da utilização de novas tecnologias em prol da liberdade, educação e desenvolvimento cultural da comunidade de Mariana. Estudante perpétuo, é orgulhosamente um bibliotecário e acredita no impacto positivo da leitura para o futuro.
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