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Hoje é sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena é lei em Mariana

Entenda as aplicações práticas da Lei nº 3.798 de junho de 2024

A lei nacional que dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena é de 2008
A lei nacional que dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena é de 2008 - Foto: Shutterstock

O prefeito de Mariana, Celso Cota, sancionou no dia 27 de junho a Lei nº 3.798, que dispõe sobre a inclusão do ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena nas escolas da rede municipal. O ensino vai ser incorporado no eixo “Educação para a Vida” do Programa de Educação em Tempo Integral do município, abrangendo a história da África e dos africanos, a luta dos negros e indígenas no Brasil e as contribuições desses grupos para a formação da sociedade brasileira, além de sua situação contemporânea, conforme a Matriz Curricular Municipal. A reportagem da Agência Primaz conversou com o cacique do povo Borum-kren, Danilo Borum-Kren, e com o professor adjunto do departamento de História da UFOP, Luciano Magela Roza, para entender as aplicações práticas da lei.

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O ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena

Mariana demorou 16 nos para aprovar a lei municipal, já que a legislação nacional que estabelece a obrigatoriedade do ensino de cultura e história afro-brasileira e indígena nas escolas é de 2008 (Lei nº 11.645). Danilo e Luciano falaram sobre a longa trajetória de luta para que essa conquista fosse uma realidade em Mariana

“A lei 11.645 é de 2008 e, passado todo esse tempo, a gente viu poucos avanços. Agora a gente vê o município de Mariana criando uma lei municipal para isso. É uma vitória, né, ver que os povos indígenas, os povos originários e todo movimento negro, a gente vê que isso é uma é uma conquista por anos de luta e hoje a gente vê isso como a vitória, como um avanço na nossa região”, afirmou Danilo, que também é chefe do departamento de cultura indígena, ligado a Secretária de Cultura e Turismo de Ouro Preto.

Danilo Borum-Kren em palestra na abertura do Festival da Vida em maio deste ano.
Danilo Borum-Kren em palestra na abertura do Festival da Vida em maio deste ano - Foto: Amanda de Paula Almeida/Agência Primaz

Para o professor Luciano Roza, atuante nas áreas de ensino de história afro-brasileira, não haveria necessidade da criação de leis municipais e estaduais sobre o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena nas escolas, pois já é uma lei presente nas Diretrizes e Bases da Educação. Apesar disso, ele entende que a Lei é um ganho importante para o município e para educação. “Essa ação de criar legislações municipais são interessantes em dois sentidos: no reforço simbólico da importância de tais histórias na constituição daquilo que nós somos. Na criação da possibilidade de pedagogias antirracistas, reforçando a lei federal. E também do ponto de vista de o município somar-se numa perspectiva de ampliação da democracia, porque que tem um poder simbólico considerável de colocar-se nesse momento da história contemporânea brasileira, reforçando aspectos considerados relevantes para a vivência, para convivência democrática, tal como combate ao racismo. Perspectiva essa negada por parte dos sujeitos políticos no tempo presente no Brasil que desconsideram a importância de tal luta”.

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Luciano Roza, que também pesquisa história afro-brasileira pós-abolição em livros didáticos, explica que o material produzido e distribuído pelo Programa Nacional do Material Didático passou por muitas alterações ao longo dos anos e a temática afro-brasileira e indígena aparece em diálogo com as relações étnico-raciais brasileiras para além dos livros.

Professor do DEHIS da UFOP, Luciano Magela Roza, atua na linha de pesquisa da história e da cultura afro-brasileira
Professor do DEHIS da UFOP, Luciano Magela Roza, atua na linha de pesquisa da história afro-brasileira - Foto: Luciano Roza/Acervo pessoal

“Há também o investimento muito grande na tentativa de criação de momentos e atividades de reflexão, de proposição de atividades voltadas para reeducação das relações étnico-raciais para além dos conteúdos”, afirma o professor.

Importância do ensino da história e cultura afro-brasileira

Em relação aos aspectos práticos da inclusão do ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena nos currículos escolas, Danilo acredita que seria interessante o desenvolvimento do conhecimento das culturas indígenas locais, sendo duas as etnias estabelecidas na região: os Borum-kren, presentes na sede e nos distritos, e o povo Puri, de Mariana.

“É importante que se ensine a cultura indígena local, não fale sobre a cultura indígena de forma geral. Porque existe uma diversidade, existem muitos povos e é uma forma também da gente lutar contra a invisibilidade e trazer essa reparação histórica, falar sobre a nossa história, sobre nós enquanto povos que são os originários desse território. Saber isso e também poder ensinar, fazer com que as pessoas também tenham conhecimento da sua própria história e não falar de uma forma geral”, ressalta.

Para Danilo, o ensino das culturas locais ajuda pessoas que são indígenas, mas não sabem ou não se reconhecem como parte da cultura. Além disso, o ensino ajuda a combater preconceitos e romantização, mostrando a cultura indígena como um elemento vivo e diverso.

A importância do estudo da cultura desde a infância é justamente para que a gente possa de fato ensinar essa diversidade, que as pessoas possam ter a informação correta. E aí as crianças já começam a aprender o que é ser indígena de verdade e a gente combate a romantização, combate o preconceito, combate ao racismo”.

Luciano explica que há um indicativo presente na Lei nacional de que a inclusão das discussões relativas à história da África, história afro-brasileira e indígena deve ser feita de forma transversal. Isso significa que essas temáticas devem ser incorporadas em todas as disciplinas da grade curricular e no currículo oculto. “As práticas não necessariamente estão localizadas só nas disciplinas escolares, mas também permeando as relações, a forma de pensar o projeto político pedagógico da própria escola e dos sistemas de ensino. No sentido de pensar currículos, tanto formais, quanto os currículos em ação, os currículos que são feitos no cotidiano da escola, pensando em formas de como a essa temática deve estar presente em toda essa extensão. Tentando criar uma outra compreensão na escola, no ambiente escolar, sobre as relações étnico-raciais na escola, né? A necessidade de pensarmos pedagogias antirracistas”, reforça o professor.

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Luciano afirma também que há uma necessidade de diálogo entre os estados e os municípios com os saberes desenvolvidos pelas universidades públicas e os movimentos sociais relacionados às temáticas. “Entendo que aí esteja uma possibilidade de ampliação do debate em dois sentidos, um é a construção de materiais didáticos, de metodologias compartilhadas entre esses diversos sujeitos, buscando um maior diálogo uma maior relação entre tais espaços. Como também a necessidade de ampliação da democracia com mais sujeitos, com mais agentes construindo um diálogo sobre esses assuntos”.

O ensino afro-brasileiro e indígena é importante também pensando nas crianças negras e indígenas que terão acesso a um ensino mais inclusivo e antirracista, sobre isso Luciano ressalta que a inserção da obrigatoriedade cria nos ambientes escolares uma possibilidade de compreensão mais ampla de quem somos enquanto brasileiros. “Como que o povo brasileiro, na sua múltipla diversidade, se constituiu, e como também práticas discriminatórias historicamente construídas sempre estiveram presentes no espectro das relações entre nós brasileiros? Então, essa inserção da obrigatoriedade é uma oportunidade de desnaturalizar essa história nacional, essa história do povo brasileiro, no sentido de nos reencontrarmos com nós mesmos”.

Valorização da cultura local

Em um aspecto mais individual, Danilo ressalta os ganhos positivos na valorização da riqueza cultural local. “Essas crianças começam a se sentir pertencentes e entender o valor de manter e preservar a cultura da nossa região, né? Então, é muito importante esse tipo de trabalho já dentro das escolas, para que a gente possa trazer a valorização e que essa cultura nunca morra e ela sempre possa passar para frente”.

Apesar de ser uma conquista importante no município, Danilo e Luciano destacam que ainda há muito a ser feito. Para a autoridade Borum-kren, é necessário pensar na inclusão de professores indígenas locais nas salas de aula. “Quando os alunos estiverem aprendendo sobre povos originários e a cultura afro-brasileira, elas vão estar aprendendo com quem faz parte dessa cultura e isso é muito importante”, explica Danilo.

Luciano, por sua vez, afirma que há uma necessidade de critérios avaliativos para monitoramento dos resultados dessa inserção. “Quais são as ações que o município vai construir para essa efetivação da legislação? Nesse sentido, eu acho que é importante haver o diálogo entre universidade, poder público municipal, movimentos sociais associados à temática, ao assunto em foco, no sentido ampliarmos a relação de diálogo, no sentido de assessoramento, de um comitê gestor das políticas em torno desse assunto, a prestação de assessoria, de cursos de aperfeiçoamento de capacitação docente, assim como para toda a comunidade escolar. Caminhos construídos conjuntamente para esse tipo de ação e que esse tipo de ação necessita na maior parte das vezes”, finalizou o professor.

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