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Hoje é sábado, 5 de outubro de 2024

Bifurcações

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Escolhas são como bifurcações em nossa vida
Foto: Einar Storsul/Unsplash

Ouça o áudio de "Bifurcações", da colunista Giseli Barros

Depois de um dia exaustivo, ainda era preciso separar documentos para assuntos burocráticos do dia seguinte. No entanto, isso poderia esperar mais alguns minutos. Momentaneamente, mergulhada no silêncio, despiu-se dos problemas para aproveitar o banho. Estava na casa da infância. Após idas e vindas, decidiu pousar ali definitivamente. Era o lugar onde as memórias descansavam. Sentia-se confortável por estar entre paredes conhecidas. Do passado, guardava poucos objetos, e a decoração era outra, escolhida por ela, após o seu retorno. Lembrava-se da tarde em que abriu portas e janelas, lavando tudo, para que pudesse se instalar de maneira confortável. Satisfeita com o trabalho feito, recostou-se na sala, sentindo o vento da noite que chegava para lhe fazer companhia.

Mais de uma década a separava da sua chegada, mas a carícia do vento tocando a sua pele trazia a mesma sensação do primeiro dia. Deixou-se ficar na sala por longo tempo, até resolver cuidar das questões que não poderia adiar para a próxima manhã. Reviu as anotações da véspera, fez apontamentos, enquanto vasculhava uma velha pasta-arquivo. Um pequeno envelope chamou-lhe a atenção. Dentro dele, um bilhete. O papel estava amarelado pela ação do tempo, mas mantinha-se inteiro. Reconheceu a escrita. Letras cuidadosamente grafadas, revelando um pouco sobre o seu remetente. Sentiu o coração pulsar e o rosto corar como há muito tempo não acontecia. Lembrou-se de um fim de tarde em que se encontraria com amigos após o trabalho. Na mesa, um papel dobrado, colocado discretamente sob um peso de metal. Leu com atenção. Ninguém percebeu a sua alegria.

A vida alterou a rotina costumeira. Alguns planos se desenhavam nas conversas interrompidas pelas obrigações de cada um. Planejamentos confusos e um futuro incerto. Ambos seguiam os dias, combinando casualidades. Forjavam o controle do tempo. Algumas confidências. Certos medos compartilhados. Aguardavam a certeza. Não desconfiavam que o complemento já era o ponto final. Silêncios. Na espera do dia que viria, erraram o passo ou a regência. Ela não recebeu o bilhetinho discreto. Ele não a viu ao final da tarde. Atrasou a saída de propósito, enquanto o outro adiantou o relógio. Passavam pela mesma rua, apreciando os casarões, porque preferiam disfarçar o prazer que sentiam na companhia que faziam um para o outro. Escolhiam a ausência do amor, sem perceberem em que ponto se dava a separação.

Estariam talvez na mesma cidade, mas sendo outros. As ruas do presente acolhiam outras histórias, com outros jovens que abraçavam o futuro, confidenciando amores. Naquela noite, comparava a fragilidade do papel com as mãos que revelavam a passagem do tempo. A vida resistia na caligrafia das poucas linhas do bilhete. Dobrou cuidadosamente o seu segredo. Seria tarde? Da janela, a noite enegrecida conversava com ela, compreendendo os seus desejos.

Picture of Giseli Barros
Giseli Barros é professora, mestra em Literatura Brasileira pela UFMG, membro efetivo da ALACIB-Mariana
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