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Hoje é quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Vigília

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Ilustração da crônica Vigília, de Giseli Barros

Ouça o áudio de "Vigília", da colunista Giseli Barros:

Luzes apagadas. A casa se prepara para o sono. Em poucos minutos, silêncio. É preciso adiar a manhã. O corpo relaxa, explora o espaço da cama. Os músculos se acomodam. O pensamento desacelera lentamente. Perda quase total da consciência. Um carro corta a rua de forma veloz. Do quarto, leve incômodo. O corpo novamente se ajeita. Tudo calmo ao redor. No entanto, passos se aproximam do portão principal. Alguém chora baixinho. Uma voz masculina tenta se explicar. Os passos recomeçam e revelam a presença de uma mulher. Suspensão das vozes. No interior da casa, a mente começa a flutuar e os acontecimentos se desmancham. Nova interrupção. O salto dos sapatos parece quebrar o concreto do calçamento. Sem chance nessa noite de mínima reconciliação.

Sono.

No forro do telhado, passinhos leves. Um cachorro acorda. Um gato troca de posição no tapete macio. Os passos se distanciam. O cachorro sente que é preciso tomar a sua posição de guardião do lar. Seria prudente, talvez, acordar o humano. Desiste, porém, da decisão. Volta até a sala, desvia-se do gato, que, intencionalmente, ignora a sua presença. Terá de agir sozinho. Atenção redobrada. Os passinhos cada vez mais suaves. Deseja latir bem alto, mostrando a sua posição de comando. O plano é afugentar o intruso. Desiste. Prefere a prudência. Caminha em direção à porta da cozinha. Sabe como chegar até o quintal. Há uma passagem, especialmente, para ele e o felino. Antes de prosseguir, reconhece a preguiça daqueles que tentam atravessar a noite sem sobressaltos.

Chega ao quintal.

Movimentos entre as folhagens. Corre. Não quer acordar a casa, mas se prepara para denunciar a presença dos invasores. Suspensão dos movimentos. Aguarda por qualquer precipitação alheia. Escolhe uma posição estratégica. Não permitirá a usurpação do espaço. Dentro da casa, a calmaria.

As horas

es

  cor

   rem.

Sem combinação, por distração ou desejo de fuga, o encontro. Um filhote de marsupial fica estático. Corpo encolhido. O momento é de espera. É preciso ser perspicaz. Uma ação precipitada pode colocar tudo a perder. Do arbusto, uma família aguarda, apreensiva. A madrugada avança. O arbusto se move. Os filhotes tentam confabular, mas a mãe exige atenção. Proibida a valentia dos tolos. Eles tentam reagir, pois já são independentes. Ela sabe que não. Pede calma. O acidente foi gerado pelo descuido. Um deles tenta argumentar que da bolsa não se admira a noite. De fato, a noite é belíssima. O céu cintila de estrelas e o vento embala flores e galhos de vários tons de verde.

O cachorro está cansado de ficar à espreita e decide, portanto, verificar se o outro respira. A mãe exige organização do pequeno exército. Estão todos a postos. Perfilam-se grudados a ela. O arbusto se movimenta mais uma vez. Momento final. Frente a frente, o jogo está posto. Ela também é guardiã, ele sabe muito bem. Talvez seja apenas uma família de passagem. Não pode errar em sua avaliação. Reconsidera de novo a proteção da casa. Permanece estático e alerta. Enquanto isso, o exército o encara, já que está pronto para defender a líder. E com uma cordialidade própria daqueles que, distraidamente, compreendem o princípio das coisas, eles colocam as cartas na mesa. O filhote retoma o seu lugar, juntando-se aos demais para seguir viagem. A madrugada acelera. No tapete da sala, o gato ronrona gostosamente.

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Giseli Barros é professora, mestra em Literatura Brasileira pela UFMG, membro efetivo da ALACIB-Mariana
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