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Hoje é quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Chorar sobre o leite derramado

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O incêndio do Museu Nacionalé utilizado por Alexandre Amorim como ponto de partida para a crônica "Chorar sobre o leite derramado"

Ouça o áudio de "Chorar sobre o leite derramado", do colunista Alexandre Amorim:

Já passou um tempo, eu sei, mas no passado recente, mais exatamente no dia 2 de setembro de 2024 fez 6 anos que o Museu Nacional, lá no Rio de Janeiro, pegou fogo.

E como pode, não é mesmo? Um Museu Nacional, um dos museus mais importantes e relevantes das Américas, pegar fogo por… falta de manutenção? Ou, ao menos, é isto que os jornalistas, especialistas e toda uma sorte de políticos, fazedores de cultura e uma miríade quase infinita de profissionais irão te dizer. Mas a realidade, meu caríssimo leitor é que o Museu Nacional pegou fogo por culpa de todos os brasileiros que já algum dia tiveram a oportunidade de pisar no Museu Nacional e não o fizeram.

E seja lá por qual desculpa for a utilizada para justificar tal ausência, a verdade com V maiúsculo é que o brasileiro não liga para a sua cultura, não liga para a sua história e pouco se importa com o que acontece fora de sua imediata esfera pessoal de impacto. “Se não me atinge no agora, então, não me importa.” poderia-se dizer.

E é tão lamentável que seja assim, mas veja bem… não se trata tão somente da culpa do brasileiro comum, o dito brasileiro “médio”, ou o povão, como alguns que se consideram “elite” deixam escapar da boca cheia de dentes, vinho e queijos finos, que esta grande massa amorfa de sofridos trabalhadores fazem parte de sua “preocupação permanente”.

A degradação cultural acontece em várias esferas. A individualidade é expressa de várias formas e maneiras, mas considero sempre que ela é a manifestação mais evidentemente clara, verdadeira e pura do indivíduo – se um Museu não o interessa o suficiente para que eu o dê o prazer de minha companhia, assim o farei – ou melhor dizendo, DEIXAREI de fazê-lo.

Ninguém aqui precisa convencer ninguém de ir tomar uma cervejinha no domingo, se for de seu agrado. Ou de assistir a uma partida de futebol ou prestigiar qualquer esporte que seja a sua distração mais intrínseca, mais legitimamente sua, não é mesmo?

Da família, fica o compromisso de sempre buscar o melhor para seu filho, enchê-lo de possibilidades, preencher a curiosidade com a infinitude das coisas que a cultura pode-lhes ofertar, das incontáveis profissões, das raízes partilhadas, da fantástica e quase inesgotável cultura brasileira, tão forte e ao mesmo tempo, tão lamentavelmente diluída por talvez, quem sabe, esta falta de compromisso familiar em engrandecer museus, bibliotecas e arquivos com a jovem presença de seus rebentos… ou talvez por considerar, dada a intensa e vigorosa jornada do dia-a-dia, do inimigo implacável do descanso merecido após matar o “leão de cada dia” da rotina, torne-se nublado qualquer sol que convide um passeio com os pequenos, nos dias alegres e sem chuva.

São muitas vezes dizendo a palavra “talvez” para uma certeza – a cultura anda abandonada e cabe a nós, com nossa presença despertá-la novamente.

Por aqui, na Biblioteca, seguimos lutando contra toda sorte das mais terríveis chagas e problemas, mas seguimos, felizmente, contando mais e mais visitantes em nossas ilustres e silenciosas paredes. Mas, quando passar de frente à Biblioteca, aqui na Rua Barão de Camargos, atrás do Colégio Providência, te convido a fazer um exercício – ela está tão bem quanto dizem estar? Suas paredes são as mais belas da rua e sua presença se faz notar? Quantas placas informando que ali existe um templo de conhecimento e entretenimento pago com o SEU dinheiro, para o SEU benefício e usufruto?
Todos os livros que estão aqui são propriedade de todos vocês. E quanto deste dinheiro você já se aproveitou para ler?

Por aqui, travamos uma batalha silenciosa para muitos, mas barulhenta nos bastidores. Cobramos, pedimos e falamos. Mostramos, fotografamos e reportamos. São tantas as instituições que sabem de nossas chagas, invisíveis a tantos olhos… que sempre, a cada virada de ano, nos admira mais e mais, o município receber tanto e ao mesmo tempo, possuir tão pouco.

Mas façamos algo enquanto o tempo ainda nos permite. É impossível reagir quando for tarde demais. É impossível com o choro sob o leite derramado, fazê-lo verter magicamente para dentro da também misticamente reparada à perfeição cerâmica para levá-lo ao seu destino, uma vez ao solo, chorar só vai fazer crescer a indignação e impotência de ter feito algo antes do ocorrido.

Será que ainda temos sede de mais acidentes? Será que não nos foi suficiente sofrer algo tão imensamente péssimo, que ainda iremos seguir tocando a mesma cantiga equivocada, batendo palmas como loucos, enquanto vemos ruir aquilo que nos faz ser o que somos?

E, bem, você realmente pode ficar até mesmo, ofendido por eu, de alguma forma insinuar que você, caro leitor, seja o real responsável por incêndios, abandono, gastos políticos equivocados e outra série de desventuras que acontecem com tanta recorrência no Brasil, mas a realidade, meu caro amigo, é de que até mesmo instituições aparentemente gratuitas, como a Biblioteca, Museu e outras tantas que existem mundo afora, obedecem à lei do mercado de oferta e procura.

Se você não vai até o Museu, por que alguém iria gastar dinheiro para mantê-lo? Se você não vai até a Biblioteca, porque alguém iria se importar em adquirir computadores, livros, assinaturas e um sem-fim de serviços que a biblioteca pode oferecer para a comunidade?

E veja bem, a Biblioteca nos últimos anos dobrou seu número de usuários mensais! Ganhamos prêmios, mudamos o interior da Biblioteca e estamos partindo para um novo período de melhoria em seus serviços! Em breve, esperamos aumentar ainda mais os serviços que oferecemos para atender ainda mais e mais jovens, ganhar a admiração de mais e mais turistas e tentar com cada vez mais carinho e dedicação o seu tão disputado tempo, esperando aqui, a sua visita.

E veja bem, meu caro leitor, minha preciosa leitora… isto ultrapassa e muito simplesmente o mesquinho fato de que, se você vier, talvez mais recurso receberemos. Isto passa pela simples consideração de que, se você vier e trouxer seus pequenos, eles irão gostar tanto, que terão prazer em nos visitar. Será satisfatório poder ver nossas ações de extensão contar com mais rostos felizes e mais e mais livros deixando o status de objetos a se tornarem o que nasceram para ser: um bom livro, na mão de um bom leitor.

E assim, uma página virada por vez, esperamos que chegue um dia em que a cultura será viva e andará alegre pelas ruas de nossa cidade. Juntamente com ela, nossos jovens serão mais saudáveis, culturalmente e intelectualmente mais ativos e criativos. O presente que todos esperamos de uma sociedade mais amiga e promissora estará mais e mais próxima de se tornar realidade.

Já tantas vezes fiz palestras dizendo sobre livros em mãos infantis. Sobre como é importante ler para seus filhos à noite. Sobre o quão bom para sua saúde é usufruir de 30 páginas, todos os dias antes de dormir. É um discurso que proclamo apaixonado por acreditar em sua veracidade. É um discurso verdadeiro, pois carrega em mim exemplo mais do que eficaz.

Eu acho que podemos mudar o futuro pelo conhecimento, sabedoria e páginas. E eu acho que todos nós temos uma chance, a cada alvorada, de sermos uma sociedade maior e melhor para nós mesmos.

As portas da Biblioteca estão abertas, sempre com muito carinho e ansiosa pela visita de seus donos. Venha nos visitar!

Quando encontrar o político em quem você deu a confiança do seu voto, pergunte a ele: “E a nossa Biblioteca, meu caro? Quais são suas intenções para com ela?”.

Vejamos todos se o seu dinheiro está em boas mãos.

Picture of Alexandre Amorim
Alexandre Amorim é mineiro, pai e defensor da utilização de novas tecnologias em prol da liberdade, educação e desenvolvimento cultural da comunidade de Mariana. Estudante perpétuo, é orgulhosamente um bibliotecário e acredita no impacto positivo da leitura para o futuro.
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