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Hoje é quinta-feira, 14 de novembro de 2024

No parquinho

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Escorregador no parquinho
Foto: Imagem criada por Inteligência Artificial

Ouça o áudio de "No parquinho" da colunista Giseli Barros:

O espaço recreativo vazio. O portão fechado. A criança olha ao redor, tentando achar alguma entrada que só os olhos infantis conseguem detectar. A mãe a convida para caminharem mais um pouco. Há uma praça entre casas silenciosas. Alheias ao parquinho entre os bancos de pedra, algumas pessoas transitam, imersas na rotina. Reparando bem, os brinquedos parecem ter sido colocados ali há pouco tempo, mesmo que já estejam desgastados, cheios de inscrições e outros rabiscos. Melhor evitar subir no escorregador. A mãe comenta que pode ser perigoso. Um menino observa a mulher e a criança. Devagarinho, aproxima-se e diz que é seguro brincar ali. E sem perder tempo, desliza gostosamente pelas linhas sinuosas. “Vem brincar comigo.”

A menina olha para a mãe que acena positivamente com a cabeça. Enquanto acompanha a diversão, a mulher tenta encontrar um adulto responsável pelo menino. Não há ninguém por perto. Ela pergunta o nome dele. Depois das apresentações, ele diz que tem nove anos. A menina é mais nova. Os dois, porém, parecem ter a mesma idade. Ele aponta para a casa em que mora. Sobe novamente no escorregador. Ao descer, a mulher repara as marcas nas pernas dele. Tão magrinho também. As crianças correm. Aproveitam o tempo. E a escola? Terá aula mais tarde? Ele diz que ficou em casa. Comenta que veio de outro lugar. Na escola nova, é o mais velho da turma. Na pandemia, não estudou direito. Não conseguia aprender. A mulher pondera que foi um momento difícil. O menino também quer saber sobre elas. Moram longe. Bem longe. A menina comenta sobre umas árvores que têm cor de mel. É uma rua larga, com muitas árvores e um vento gostoso todo fim de tarde. O menino sorri e continuam ali, como se o tempo permitisse a amizade se prolongar por longas horas. Há muitas brincadeiras para ele ensinar à menina. Corre até a casa para pegar alguma coisa. “Olha o que eu fiz. Vamos jogar.”, ele mostra um conjunto de peças de papelão. É um jogo de memórias, feito com cuidado. As peças estão coloridas de giz de cera. Explica para a amiga o que deve ser feito.

Tão linda a tarde! No entanto, os olhinhos atentos percebem os movimentos da mulher. Ele também veio de muito longe. “Você pode vir brincar comigo amanhã?”, pergunta já adivinhando a resposta. A menina quer adiar a viagem. Ganhou um amigo. A promessa é de um dia estarem ali de novo, inventando brinquedos. Quando encontros acontecem, as despedidas são abraços de até logo, sorrisos de quem deseja ficar. Enquanto elas se afastam, o menino atravessa o portão.

No espaço da pequena varanda da casa, há uma caixa de papelão. O menino prepara-se para fazer um novo jogo. Desenha o sol, as estrelas, recria a praça e a amiga que ficará nas suas memórias. Se ela pudesse voltar, poderia escrever as letras que, às vezes, ficam embaralhadas para ele. Criariam histórias. Brincariam com fantoches. Ela ainda não sabe que ele também constrói aviões e navios. Conhece lugares bem bonitos, guardados em sua caixa-fantasia, com recortes coloridos: desenhos dos seus sonhos. Um dia ainda mostrará tudo para ela. Ele falará do lugar em que nasceu e explicará como veio numa viagem de alguns dias, de caminhão, junto com o pai, a mãe e os móveis. Ela apontará para o bairro em que viveu os primeiros anos. Mostrará, no mapa, os quilômetros que precisa percorrer até chegar em casa, depois do mar.

Picture of Giseli Barros
Giseli Barros é professora, mestra em Literatura Brasileira pela UFMG, membro efetivo da ALACIB-Mariana
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