- Mariana
Rompimento da barragem de Fundão completa nove anos
Comunidades ainda são forçadas a conviver com obstáculos na reparação e violações de direitos
Nesta terça-feira (05), completam-se nove anos do rompimento da barragem de Fundão, operada pela Samarco (Vale/BHP), que devastou o subdistrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), assim como outras comunidades, no percurso da lama até o Espírito Santo.
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Atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão
Mesmo após quase uma década do maior crime socioambiental do Brasil, as pessoas atingidas seguem enfrentando graves dificuldades na reparação dos danos que ainda marcam profundamente suas vidas e territórios. Os desafios incluem problemas como falhas no reassentamento, falta de acesso à água, negligência na recuperação do solo, precariedades habitacionais, além de uma sobrecarga judicial com mais de 50 mil ações que buscam justiça e indenização compatíveis com a complexidade e a extensão das consequências do rompimento.
“A gente passou 9 anos e ainda continua no sofrimento. Eu não sou reconhecida como atingida. Perdi tudo, tô morando de aluguel e eles não me reconhecem como atingida. Na zona rural nós estamos abandonados. Não indenizaram as pessoas, nem o campo de futebol de Pedras [comunidade] eles fizeram. Os terrenos, para as pessoas estarem plantando, ainda estão cheios de lama”, declara Marlene Martins, representante da comunidade de Pedras na Comissão de Atingidas e Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF).
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Desde 2015, o despejo de aproximadamente 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro devastou comunidades, destruiu infraestruturas, interrompeu modos de vida tradicionais e deixou um rastro de violações de direitos que ainda se impõem às famílias atingidas. Embora as empresas envolvidas, incluindo a Fundação Renova, aleguem que o processo de reparação estaria, neste momento, próximo de sua conclusão, a realidade não sustenta essa afirmação.
Segundo a equipe técnica da Cáritas MG/ATI Mariana, dados recentes de 2024 apontam que cerca de 85,98% das moradias reassentadas apresentam falhas de acabamento, 60,64% têm esquadrias defeituosas, e outros 32,09% sofrem com infiltrações, além de fissuras nas construções (31,25%). O déficit de área, com lotes menores que os anteriores ao rompimento, agrava a situação, inviabilizando o restabelecimento das condições de vida anteriores. Os núcleos familiares que não são contemplados pelo reassentamento coletivo também sofrem com a impossibilidade de retomar suas formas de produção e atividades econômicas. Em todas as comunidades há casos de famílias que perderam suas fontes de renda e ainda não conseguiram recuperá-las após o rompimento.
A ideia de reparação integral — prevista nos princípios de justiça ambiental e firmada em acordos com as comunidades atingidas — deveria assegurar a restauração social, econômica, cultural e ambiental dessas populações. No entanto, a reparação tem se restringido a aspectos materiais, sem abarcar a restituição plena dos direitos, modos de vida e autonomia das comunidades. Soma-se a isso o desgaste emocional de famílias que, além das perdas, convivem com anos de incertezas e ainda são excluídas de espaços decisórios. Mesmo diante da promessa de uma “repactuação” para transferir recursos e avançar no processo de reparação, as pessoas atingidas permanecem excluídas das mesas de negociação, sendo sua participação essencial para uma reparação justa e digna.
O princípio da centralidade do sofrimento das vítimas, fundamental em processos de reparação de desastres, clama por uma abordagem que priorize a dignidade e as necessidades psicossociais das vítimas, colocando-as no centro das decisões. No entanto, no caso de Fundão, as corporações e instâncias legais ainda dominam o cenário, silenciando as vozes das próprias comunidades atingidas.
Nove anos depois, as demandas dessas pessoas permanecem urgentes e crescentes, enquanto a promessa de uma reparação integral segue distante. A luta por justiça e pela garantia dos direitos das comunidades impactadas pelo rompimento da barragem de Fundão continua, e essas pessoas ainda aguardam um compromisso efetivo para que possam, finalmente, reconstruir suas vidas com dignidade e segurança:
“O que temos observado, como ATI, é que com o passar do tempo o cenário de violações de direitos vem se agravando. A partir dos descumprimentos de leis e das diretrizes e normativas que foram construídas a partir de muita luta das pessoas atingidas de Mariana, vemos a criação de novos danos e de aprofundamento dos já existentes”, ressalta Marisa Versiani, coordenadora operacional da Cáritas MG/ATI Mariana
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Impacto econômico e social para as famílias atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão
Um exemplo emblemático da falta de reparação adequada é o caso de uma família de Mariana que utilizava três terrenos para a criação de animais de grande porte e para diversas culturas produtivas. Antes do rompimento, a principal fonte de renda da família era a produção de leite, com um rebanho de 60 vacas e uma produção média de mil litros de leite por dia. Hoje, no entanto, o rebanho foi reduzido a apenas 13 animais, e a produção diária de leite caiu drasticamente para 100 litros, prejudicando de forma significativa a renda e a qualidade de vida do núcleo familiar.
Para cobrir as despesas e dívidas adquiridas após a perda da principal fonte de renda, a família foi obrigada a vender grande parte do rebanho. Além disso, nove anos após o rompimento, a família ainda reside em uma propriedade alugada e não conseguiu retomar seu modo de vida ou recuperar plenamente as atividades produtivas nos terrenos de origem. Até o momento, a indenização não foi paga, e o processo permanece judicializado, evidenciando o longo caminho que as pessoas atingidas ainda enfrentam para que uma reparação justa seja realizada.
Acordo de repactuação é assinado sem participação das pessoas atingidas
No dia 25 de outubro de 2024, o Governo Federal, governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, representantes das mineradoras Samarco, Vale e BHP, assim como o presidente do Supremo Tribunal Federal, entre outros atores, participaram da assinatura da repactuação do acordo feito em 2016 para reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão.
“Ninguém respeitou a gente, ninguém ouviu a gente. E agora vem uma lei do alto lá e acaba com tudo. É muita falta de respeito de não terem pelo menos vindo até nós e explicar o que está acontecendo”, reclama Luzia Queiroz, representante da comunidade de Paracatu de Baixo na Comissão de Atingidas e Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF).
Os termos definidos para a repactuação já vinham sendo negociados há quase dois anos, sem ouvir as pessoas atingidas. Da mesma forma, a assinatura do acordo revela o modo como o processo foi conduzido: de portas fechadas, sem a participação efetiva das comunidades atingidas em sua construção. É importante salientar que uma reparação justa é aquela que está alinhada com as necessidades, desejos e perspectivas dos maiores interessados na garantia de seus direitos, com a devida responsabilização das mineradoras e com ferramentas de controle social.
Programação do marco de 9 anos do rompimento da barragem de Fundão
04 de novembro (Segunda-feira)
- Abertura da exposição “Como contar o tempo que não volta?”, com fotografias das comunidades atingidas, no Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS/UFOP), das 18 às 22h
05 de novembro (Terça-feira)
- Ato em memória das pessoas que morreram em decorrência do rompimento da barragem de Fundão e em atenção à não repetição dos danos diante do Projeto a Longo Prazo, no antigo Bento Rodrigues, às 9h
- Caminhada em Mariana (MAB): Concentração no Centro de Convenções Alphonsus de Guimarães, Avenida Getúlio Vargas nº 110, Centro de Mariana, às 14h30
- Intervenção e Projeção visual (Cáritas MG, Conterra e Minuto de Sirene), na Praça Minas Gerais, Centro de Mariana, às 16h
06 de novembro (Quarta-feira)
- Distribuição de mudas na Escola Família Agrícola Paulo Freire, em Acaiaca, às 7h
11 de novembro (Segunda-feira)
Encerramento da exposição “Como contar o tempo que não volta?”, no Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS/UFOP), às 18h.