Realidade esperançosa
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Ouça o áudio de "Realidade esperançosa", da colunista Andreia Donadon Leal:
Ando pelas ruas de pés-de-moleque embevecida pelo cenário natalino emoldurado por guirlandas nas iluminadas sacadas dos casarões, praças e lojas. Céu nublado com nuvens cheias; nuvens cercam o espaço celeste. Momentos de reflexão e de prantos. Paro, sento-me no banco da praça. Respiro fundo. Deixo o pensamento correr solto, por alguns instantes. RespirAR… Soltar o ar pelas narinas; deixar as lembranças escorregarem. Tempos difíceis. Colhi frascos generosos de ingratidão neste ano. A vida é assim, mesmo.
“Eis a ingratidão
mais forte que a valentia
fere o próprio sangue…”
Creio, amigo Tyller, autor deste haicai sobre ingratidão, que esta passagem nos faz pensar na força feroz dos ingratos, que vem no mesmo status de um “golpe.” (…) Lembrei-me desta troca de saberes. Tyller, meu ex-professor de Literatura no ICHS/UFOP, é um homem elegante, culto e dedicado às traduções e à produção de poesias, ensaios, artigos… há tanto que se aprender com as pessoas cultas, éticas e educadas. Continuei pensando nas benfeitorias do professor… Uma senhora elegante e discreta sentou-se ao meu lado. Sorri. Ela retribui meu sorriso, dizendo que seu otimismo morreu. E de supetão, me perguntou se eu estava otimista ou pessimista com o mundo. Lembrei-me de Suassuna, ao responder à pergunta de um jornalista sobre o otimismo, disse que não se considerava um sujeito otimista (quem é otimista é tolo), enquanto o pessimista tem inclinação para a amargura. Dessa forma, “sou uma realista esperançosa.” Respondi a senhorinha com este aforismo que tanto aprecio. Ela me olhou com uma expressão incrédula, para depois concordar comigo. Abriu a bolsa e me entregou uma caixinha embrulhada com capricho.
“É sua.”
“Minha?”
“Presente que comprei para a minha filha que faleceu há três anos…”
Abracei-a, segurando o pranto. Abri o embrulho com o coração aos saltos. Era um pingente de Nossa Senhora Aparecida com pedras incrustadas de cristal.
“Minha mãe se chamava Aparecida.”
Não compartilhei com a senhorinha que eu estava nostálgica, também. Saudosa dos natais e finais de ano passados na casa de meus saudosos pais. Foram quarenta e oito anos… A gente deve continuar sabendo que a vida é assim: todos vão; uns mais cedo, outros mais tarde. E a gente deve continuar honrando os momentos compartilhados e a história dos nossos pais, avôs. Deus tem mistérios que serão revelados em momentos especiais de nossas vidas, às vezes num encontro inesperado… Nosso encontro na Praça Gomes Freire, foi o toque sutil de Deus. Uma filha e uma mãe saudosas de seus entes queridos, recebem a visita da realidade esperançosa, tão adequada para contracenar com as guirlandas e sacadas iluminadas do tempo natalino.
A ingratidão? Que os ingratos se sentem nesta praça e sorvam vagarosamente o espírito de paz derramado das luzes de Natal!

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