Entre a esperança e a nostalgia no mês de aniversário da centenária Mariana

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “editoriais”

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O ano de 2020 está longe de ser dos melhores. No máximo, ele, em certa medida, poderá ser de esperança, caso seja nosso desejo olhar com mais fraternidade para aqueles que, de algum modo, estão sofrendo em decorrência da COVID-19. Daqui, entre as montanhas de uma cidade do interior de Minas, vivo a chegada de mais um mês nesse isolamento social, torcendo por dias melhores, mas sabendo que muitos o entendem como uma medida exagerada de prevenção à doença.

Nesta cidade berço de Minas Gerais, o mês de julho, que é de comemoração da vida, não terá este ano o aniversário de Mariana com as ruas cheias, ao som festivo do dobrar dos sinos, com a alegria do encontro das bandas de música no nosso Jardim e nem com a realização do Festival de Inverno. Mas há de considerar que é momento de refletir sobre o que queremos para depois dessa pandemia.

Geralmente, aniversários são vistos como fechamento de um ciclo e início de outro, com a expectativa de realizar o que não foi possível ainda, ou o impulso para superar momentos difíceis. E fato é que essa cidade já passou por diversos reveses. Ainda buscando transpor o último que foi o rompimento da barragem, agora vivenciamos essa pandemia e nem sabemos como a crise que dela virá nos afetará realmente.

No fim das contas, responsáveis por qualquer caminho que a cidade tomará somos todos nós. Nesses quatro meses de isolamento social, toda vez que uma pessoa age do seu modo, desconsiderando o bem estar coletivo, está automaticamente contribuindo de forma negativa para o que poderá vir depois da quarentena. Não dá para pensar que são ações isoladas ou apenas direito ao livre arbítrio, pois a sentença é simples: a ação de um reverbera no outro, tendo em vista que vivemos em sociedade. Portanto, direitos e deveres, nesse sentido, deveriam ser comuns a todos. No entanto, a maneira como me vejo no outro é o que faz toda a diferença, e por isso acaba sendo tão difícil que uma sociedade aja de forma una, porque é preciso concessões para alcançar algo que beneficie a todos.

Nesse mês em que saudamos a centenária Mariana, as ruas nos parecem aparentemente vazias. Há quem contemple nostálgico de suas janelas dias de festas memoráveis, como há também quem siga de forma despretensiosa pelas ruas de pé-de-moleque sem perceber os efeitos da doença que sorrateiramente assola também a cidade. Quantos empregos perdidos? Quantas promessas não pagas? Quantas mágoas rio a baixo, diluindo sonhos? E aqui peço licença ao imortal poeta simbolista Alphonsus de Guimaraens com o belo soneto dedicado ao árcade Cláudio Manuel da Costa, nascido na Vila do Carmo:

Às margens destas águas silenciosas,
Quantas vezes berçaste a alma dorida,
Esfolhando por elas, como rosas,
As suaves ilusões da tua vida!

Vias o doce olhar das amorosas
Refletido na linfa entristecida,
E, ao pôr do sol das vésperas lutuosas,
Erguer-se o vulto da mulher querida...

 
Se é tão dolente o Ribeirão do Carmo,
Onde com as mãos proféticas armaste
Os castelos de amor que ora desarmo!

 
O teu sonho deixaste-o nestas águas...
E hoje, revendo tudo que sonhaste,
Por elas também deixo as minhas mágoas.

Quantas mágoas mais serão cantadas em versos sem que nos toquemos da dor alheia? Essa terra, tantas vezes explorada e que desde sempre fez florescer do seu seio a arte em suas diversas formas, não tem mais o ribeirão cristalino cantado por Cláudio Manuel da Costa, rememorado por Alphonsus de Guimaraens e transformado em lenda por Lázaro Francisco da Silva. Suas águas hoje são turvas. Mas ainda às suas margens seguem silenciosas, resistindo ao tempo e a todas as dores. Quem sabe neste aniversário de Mariana, acreditando que é, sim, possível ter esperança em meio ao medo que nos atingiu, possamos de algum modo acolher cada gaveteiro nascido na primaz ou que escolheu em algum momento este lugar para fincar raiz, fazendo ressurgir doces afagos em nós!

(*) Giseli Barros é professora, Mestra em Literatura Brasileira pela UFMG e membro efetivo da ALACIB-Mariana

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