Paixões fascistas: notas de uma conferência com Butler
Este pequeno ensaio reflexivo de cunho sociopolítico resulta das anotações do autor sobre uma conferência realizada por Judith Butler durante um Seminário Internacional organizado pela UFMG em 16/01/2025
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Ouça o áudio de "Paixões fascistas: notas de uma conferência com Butler", do colunista Saulo Tete de Oliveira Camêllo:
As paixões fascistas não são meros devaneios passageiros, mas sim, um projeto deliberado de moralizar o ódio, um mecanismo insidioso que oferece justificativas para a desumanização de grupos vulneráveis. Eles oferecem respostas tão rápidas, explicações tão simples, tão longe da intelectualidade. É a máscara da suposta virtude, o neofascismo reivindica a retórica da ordem, do mérito e da pureza, transformando o terror em uma arma de controle. Cada pedra, cada tapa e murro, cada tiro, cada facada, era santificada por um discurso simplório que justificava tudo. Afinal, não estavam salvando algo maior?
Eles não assumem o ódio. Não, isso seria grosseiro demais, vulgar demais. Dizem que protegem, que amam, que querem ordem. Por trás dessas palavras, um outro impulso governa: o prazer que brota no ato de ferir, a satisfação de se sentir superior, de reduzir o outro à terra e ao pó. Não se trata apenas de ódio, mas algo mais estratégico, mais refinado: um sadismo moralizado, um mecanismo em que a crueldade ganha status de virtude, de defesa, de proteção.
O sadismo moralizado das paixões fascistas encontra prazer no sofrimento alheio. Seu lema é claro: antes de destruir corpos, destrói-se primeiro a humanidade. O sadismo não vem mais escondido; vem com aplausos, uma celebração da violência. O som do tiro disparado por uma arma é acompanhado por barulho de aplausos, mas eles não admitem o prazer. “Não fazemos isso por ódio. É para proteger nossos filhos, nossos valores.”
As paixões fascistas transformam o terror em um ato moral, pela família, pela defesa da pátria. Crescem como ervas daninhas, alimentadas pelo medo e pelo desejo de controle. Não se mostram como brutalidade à primeira vista; surgem disfarçadas de zelo. Dizem que querem proteger algo essencial, mas o que fazem, de fato, é erguer muros ao redor de uma ideia sufocante de pureza.
O neofascismo é isso: uma máquina que devora corpos, mas começa pela humanidade. Para destruir, precisa antes convencer que aquele a ser destruído não é um ser humano. E assim, os gestos mais cruéis são levados pela água turva de uma moralidade forjada. É o bem contra o mal, dizem. E, para vencer o mal, o sofrimento do outro não só é permitido – é necessário.
Mas a imaginação persiste, mesmo com o aroma ácido das paixões fascistas se espalhando pelo mundo como um vírus. Há quem sonhe com um tempo em que todas as vidas serão vistas como interdependentes, desconectadas em um ciclo que não pode mais suportar o domínio e a redução a um modelo hegemônico. Um tempo em que o prazer de punir será substituído pela alegria de criar, e a força do sadismo moralizado será dissolvido em uma igualdade radical que se estende a todo ser vivo.
Contra o sadismo moralizado das paixões fascistas, contra essa moral do terror, o sonho se torna um ato de resistir. Ele é frágil, mas insistente. É pequeno, mas contagia. Porque, no final, não é a brutalidade que move o mundo – é a possibilidade de imaginar algo melhor.

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