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Hoje é domingo, 23 de fevereiro de 2025

Prefeitos rejeitam repactuação do Acordo de Mariana

Municípios criticam falta de participação e confiam em ação judicial na Inglaterra.

Até o momento, apenas 12 das 49 cidades elegíveis aderiram ao acordo de Mariana - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

O Consórcio Público de Defesa e Revitalização do Rio Doce (CORIDOCE), juntamente com prefeitos e procuradores municipais de 20 cidades afetadas pelo rompimento da barragem de Fundão, realizou na manhã desta terça-feira (18) uma reunião presencial em Mariana para discutir a não-assinatura do ingresso na repactuação do Acordo de Mariana. O encontro, realizado no Centro de Convenções da cidade, contou com a presença de representantes de municípios que criticaram a falta de participação no processo de reparação e os prazos considerados inviáveis para o pagamento das indenizações.

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Durante a reunião, os prefeitos e representantes municipais assinaram uma moção em que rejeitam as condições atuais da repactuação, afirmando que as prefeituras não foram ouvidas no processo de elaboração do acordo. Eles destacaram que o prazo de 20 anos para o pagamento das indenizações, somado aos mais de nove anos já decorridos desde a tragédia, é considerado “absurdo, irreal e inviável”.

Falas duras contra a repactuação

Os prefeitos presentes no evento fizeram duras críticas ao acordo de repactuação, afirmando que ele não atende às necessidades dos municípios atingidos. Juliano Duarte, prefeito de Mariana, destacou que nenhuma cidade sofreu tanto quanto Mariana, que perdeu cerca de 70% de sua arrecadação após o rompimento da barragem. Ele também ressaltou que os prefeitos não tiveram participação efetiva na construção do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) e tampouco na repactuação. “Apenas 4% do valor dividido para 49 municípios é um valor muito pequeno, especialmente considerando que esse pagamento tem um prazo de mais 20 anos para ser concluído”, afirmou.

Eder Pena, presidente do CORIDOCE e prefeito do município de Sem Peixe, destacou que os prefeitos se encontram em uma encruzilhada, pois o prazo final para a adesão dos municípios ao acordo de repactuação é o dia 6 de março, em pleno carnaval. “É um tempo curto para negociar, e apenas a união dos prefeitos é capaz de dar essa força para negociar com as mineradoras”, disse.

Próxima reunião da CORIDOCE deverá acontecer em Barra Longa - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

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Críticas à repactuação e à exclusão dos municípios

O ex-prefeito de Mariana, ex-deputado federal e ex-secretário executivo do CORIDOCE, Duarte Júnior, afirmou que a repactuação foi feita com base em uma mentira. “O nome do CORIDOCE foi utilizado como se o consórcio concordasse com a repactuação, o que não aconteceu. O CORIDOCE não participou da elaboração final do documento”, disse.

Fernando Rolla, prefeito de São Domingos do Prata, ao assinar a minuta elaborada pelo Consórcio com a recusa à repactuação, destacou a importância da união dos municípios e questionou: “Quero ver se continuaremos unidos até dia seis”, referindo-se ao prazo final de 6 de março para a adesão dos municípios ao acordo. O acordo de repactuação é condicionado à renúncia dos municípios em acionar a justiça contra as mineradoras, incluindo o processo que corre em Londres, representado pelo escritório Pogust Goodhead, do advogado Tom Goodhead.

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Mostrar a indgnação de Elson Magnata, prefeito de Barra Longa
Elson Magnata, prefeito de Barra Longa demonstra indignação com as cláusulas do acordo - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

Barra Longa e a indignação de Magnata

O prefeito de Barra Longa, Elson Magnata, destacou que, embora Mariana tenha sido o município que mais perdeu em arrecadação, Barra Longa foi o mais atingido em sua estrutura. “Tenho vergonha de ser prefeito de uma cidade que não tem nem igreja, não tem uma escolinha”, disse Magnata, referindo-se à igreja matriz de São José de Botas, que está interditada e passa por restauração. “Os cidadãos de Barra Longa para se casar precisam ir até Acaiaca, pois a nossa igreja está interditada”, completou. Ele ainda propôs que a cidade de Barra Longa sediasse o próximo encontro do CORIDOCE, que deve acontecer em maio.

Confiança na ação judicial em Londres

Além das críticas ao acordo de repactuação, os prefeitos presentes manifestaram confiança na ação judicial que corre na Justiça de Londres, movida contra a BHP Billiton. Eles acreditam que a ação pode trazer resultados mais favoráveis para os municípios afetados.

Juliano Duarte, prefeito de Mariana, que esteve pessoalmente na Inglaterra para acompanhar o julgamento, afirmou: “Eu acompanhei o julgamento e nós podemos acompanhar a seriedade que é a justiça inglesa. Lá não tem essas questões de recursos, de atrasos, não. Lá a justiça tem data para encerrar o julgamento e nós temos a plena confiança que nós sairemos com uma decisão favorável aos municípios”, revela.

Ao ser questionado se acredita que uma corte europeia irá condenar uma empresa anglo australiana pelo rompimento de uma barragem na América Latina, Duarte Júnior diz ter a plena certeza de que as empresas serão condenadas: “Não há dúvida alguma: está chegando o momento da BHP e da Vale serem condenadas pelo que aconteceu. Elas têm a obrigação de ressarcir os municípios e as pessoas que foram penalizadas por essa tragédia. A culpa é delas”, enfatizou.

O julgamento em Londres, que começou em outubro de 2024, é considerado um marco na busca por justiça para as vítimas do rompimento da barragem de Fundão. A ação, movida por mais de 700 mil atingidos, busca indenizações bilionárias da BHP Billiton, uma das controladoras da Samarco. Para mais detalhes sobre o processo, clique aqui.

A imagem mostra os prefeitos e os representantes com a minuta assinada
Em reunião realizada no dia 18 de fevereiro, 20 prefeitos e representantes de municípios rejeitaram o Acordo de Mariana - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

Próximos passos da repactuação

Os prefeitos presentes reiteraram que continuam abertos ao diálogo com a Samarco e as demais mineradoras envolvidas, mas que não assinarão o Termo de Adesão nas condições atuais. Eles esperam que as empresas revisem as cláusulas relacionadas aos valores e ao período de repasse das indenizações, de forma a garantir uma reparação mais justa e célere para os municípios atingidos.

Caso as negociações não avancem até o prazo final de 6 de março, os municípios aguardarão o resultado da ação judicial em Londres. Enquanto isso, o CORIDOCE e os municípios consorciados prometem seguir pressionando por mudanças no acordo, mantendo a união e a mobilização em prol de uma reparação justa.

Samarco

Segundo a mineradora Samarco, com um projeto integrado de reparação, os municípios serão beneficiados com cerca de R$ 58,5 bilhões em recursos. De forma direta, os que aderirem ao acordo, terão acesso a R$ 6,1 bilhões em indenização, além de R$ 447,5 milhões para recuperação de infraestruturas e finalização de programas de reparação. Soma-se também R$ 13,3 bilhões para ações em saúde, saneamento básico e fortalecimento do sistema único de assistência social. Já os recursos indiretos agregam cerca de R$ 38,72 bilhões para projetos ambientais na região, medidas de prevenção e resposta a enchentes, entre outros.
Ainda de acordo com a mineradora, até o momento, 12 municípios aderiram ao acordo, sendo que os 11 que o fizeram até dezembro de 2024, já receberam a primeira parcela, totalizando R$ 26,8 milhões. Após esse período, os desembolsos serão realizados conforme os prazos estipulados no acordo. Os recursos são voltados à reparação e a iniciativas de fortalecimento ambiental e socioeconômico nas cidades atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão.

O prazo para adesão vai até 06 de março de 2025. Em Minas Gerais, aderiram os municípios de Ponte Nova, Iapu, Santana do Paraíso, Marliéria, Córrego Novo e Sobrália. No Espírito Santo, Anchieta, Fundão, Serra, Linhares, Conceição da Barra e São Mateus.

Picture of Lui Pereira
Jornalista e fotojornalista. Histórias que importam, contadas com palavras e imagens.