Ouro e pecado
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Ouça o áudio de "Ouro e pecado", do colunista Saulo Tete de Oliveira Camêllo:
Dizem que o ouro reluz, mas também pesa. A luz que cega é a mesma que queima. Nunca fui bom em decifrar metáforas, talvez porque eu mesmo seja uma — aquelas que se dobram ao gosto do leitor.
Aos que colecionam cicatrizes da minha passagem, às sombras que deixei para trás, saibam: fui tempestade e calmaria, encanto e desilusão. Dizem que a moda muda, mas o reflexo no espelho insiste em permanecer — olhos que enganam, sorriso que promete, pele que convida. Capitu reencarnada, mas sem maré para se afogar.
A caça nunca soube que era caça até que sentiu os dentes na pele. Não é difícil alcançar, difícil é sair ileso. Foi o desastre anunciado, o prelúdio da ruína, e mesmo assim, caíram — um por um, sem exceção. O que deveria ser abrigo, foi naufrágio. E na areia molhada das promessas quebradas, restaram apenas pegadas que o tempo apagaria.
A culpa pesa, mas o sono não vem. E se os sonhos fossem apenas sons do que já passou? Se o desejo fosse castigo? Homens são a própria desgraça e, no fim, todos merecem o que recebem — inclusive eu.
Apontam o errante, aquele que come o fruto proibido sem vacilar. Juram que monocromia é altar sagrado, mas sempre enxerguei como uma corrente – daquelas apertam e fazem o desejo se esgueirar por frestas. O desejo ruge no peito, e eles, devotos hesitantes, não sabem calar.
Mas como pode amar e destruir ao mesmo tempo? Segurar entre os dedos um afeto que se desmancha como areia, ao mesmo tempo em que busca outra pele para incendiar? É só um homem sendo um homem. Ou um erro sendo um erro.
O jogo sempre seguiu o mesmo roteiro, até que uma peça resolveu mudar as regras. Havia no olhar um ímã, na voz um corte preciso, na língua a destreza de quem já conhecia o tabuleiro. O rei, distraído, viu-se sem coroa, sem chão, sem saída. O império, antes intacto, desmoronou em silêncio — traição sussurrada, desejo latente, promessas quebradas como vidro trincado. E gritavam: “que venha o exorcismo, que tragam a água benta, mas nem todo axé do mundo me livraria dessa febre”.
Depois fica a sentir o toque fantasma, o cheiro que o tempo não levou. O corpo, outrora homizio, agora é ausência. O silêncio preenche os espaços onde antes cabiam gemidos e risos. Dormimos juntos, mas nunca estivemos realmente ali — dois segredos compartilhando a mesma cama. Dois mentirosos fingindo acreditar.

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