Condomínio Brasil

A onda de ódio e o radicalismo político exacerbado que infelizmente vem assombrando o nosso país nos últimos tempos tem deixado um rastro com efeitos traumáticos com acusações e agressões verbais e até físicas entre colegas, amigos, vizinhos e até entre familiares, além de outras pessoas que mantem algum tipo de relacionamento, apesar de, contraditoriamente, afirmarem que cultuam um mesmo Deus e uma mesma crença religiosa. É necessário e urgente que façamos uma profunda reflexão sobre esse momento conturbado, com o risco de cairmos em uma situação tremendamente indesejável e destrutiva, se já não caímos. Portanto, me arrisco aqui, sem querer ser o dono da verdade e independentemente de qualquer partidarismo, a trazer uma pequena reflexão em pauta.

Imaginemos que em um condomínio fechado existem três grupos de residências aparentemente idênticas, separados, mas próximos uns dos outros.

No primeiro grupo, encontramos várias famílias adeptas de um partido que prega  radicalmente a valorização do tradicionalismo familiar, a religião como base moral, usando o nome de Deus como sustentação, o nacionalismo extremado, a defesa da soberania nacional, a redução do papel do Estado, o militarismo e a supervalorização das Forças Armadas, a nostalgia do regime militar, o investimento na Segurança Pública com o armamento da população e a tolerância zero ao crime, o anticomunismo e a total rejeição a ideologias de gênero e de esquerda, a extrema polarização política, a desconfiança em relação à mídia, a crítica aos poderes instituídos, o discurso de ruptura e outras mais. Um político renomado é o líder máximo desse grupo, enxergado como um “Messias”, assessorado por um grupo seleto que providencia o doutrinamento das massas, segundo seus princípios.

No segundo grupo de casas encontramos várias famílias adeptas de um partido que prega a redução da desigualdade social, com a implantação de políticas voltadas para a transferência de rendas e combate à pobreza, para a universalização dos serviços públicos relacionados à educação, saúde e moradia, com a expansão de universidades e institutos federais, para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde,  para a implantação de programas visando garantir habitação para famílias de baixa renda, para a democracia participativa com a promoção de políticas voltadas à igualdade de gênero, raça e orientação sexual, a inclusão e diversidade, para a sustentabilidade do meio ambiente, para o combate ao Neoliberalismo com a rejeição ao Estado mínimo, entre outras mais. Um outro político também renomado é o líder máximo desse grupo e também é visto como um outro “Messias” e, da mesma forma, é assessorado por um grupo seleto que providencia o doutrinamento das massas, segundo seus princípios.

O debate radicalizado, desrespeitoso e violento entre os vários representantes destes dois grupos familiares tem gerado resultados tremendamente lamentáveis. Eventualmente, quando alguns mais exaltados de ambos os lados se encontram surgem ocorrências traumáticas, as vezes fatais, reforçando uma onda de ódio nunca antes vista no nosso País, formando um círculo vicioso sem fim onde todos acabam perdendo. Recentemente, aqui em Mariana uma mulher Trans foi violentamente espancada por um grupo de 04 indivíduos quando voltava de uma festa de madrugada. A coisa só não ficou pior porque a Guarda Municipal chegou a tempo. Segundo suas afirmações foi vítima de extremistas de direita.

No terceiro grupo de casas, bem menor que os demais, encontramos algumas famílias que não encontram credibilidade e não veem a solução absoluta dos problemas do país nem no primeiro e nem no segundo grupo e estão em busca de uma alternativa que fuja do dualismo exacerbado e disponibilize uma terceira via, onde não haja tanto radicalismo. Essas famílias veem que ambos os partidos têm alguns princípios fortes, que podem ser bem aproveitados ou melhor elaborados e também alguns que devem ser descartados ou até mesmo alguns que são relativamente coincidentes. Elas são contra o radicalismo exacerbado, o uso tendencioso da religião e do nome de Deus e de falsos valores morais como álibi para atrair partidários. Não acreditam que os problemas existentes hoje no país são culpa exclusivamente de qualquer um dos dois grupos, mas de um processo de degradação que já vem desde os tempos coloniais. Essas famílias acreditam que somente através de um clima de diálogo, flexibilidade, empatia e respeito as soluções serão encontradas! Acreditam que Deus ou o demônio não são propriedade nem de um, nem de outro, ambos possuem suas virtudes e seus defeitos! Essas famílias absolutamente não acreditam em messianismo e procuram a paz!

Nesse condomínio existem outros grupos familiares? É possível que sim, mas não tem grande representatividade.

Pois bem, não sou cientista político, nem doutor no assunto, sou um simples literato, mas em um raciocínio ousado, acredito que esse Condomínio, de alguma forma pode metaforicamente representar o nosso Brasil nos dias de hoje!

O que vai acontecer no futuro, deixo para os analistas elucubrarem! Meu sentimento é que se não houver uma mudança drástica em termos comportamentais por todos os lados, começando pelas lideranças, estaremos despencando de forma descontrolada ladeira abaixo e o resultado será devastador, se já não está sendo! …

Quem tem ouvidos, que ouça!