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Hoje é terça-feira, 1 de abril de 2025

Mineração ameaça Botafogo e Ouro Preto: comunidade resiste

Moradores denunciam impactos ambientais e culturais da mineração e cobram mais transparência no licenciamento.

Vista aérea da localidade de Botafogo
Duas realidades separadas pela rodovia, na parte superior esquerda observamos a Mina Patrimônio em funcionamento, na parte inferior direita, o povoado de Botafogo - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

A localidade de Botafogo, em Ouro Preto (MG), está no centro de um debate que envolve desenvolvimento econômico, preservação ambiental e proteção do patrimônio cultural. Nos últimos anos, a região tem sido alvo de crescente interesse de mineradoras, o que despertou preocupações entre moradores, pesquisadores e ambientalistas.

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O avanço da mineração ameaça não apenas o meio ambiente e os recursos hídricos locais, mas também um valioso acervo arqueológico e histórico, incluindo a Capela de Santo Amaro e antigas trilhas coloniais. A LC Participações e Consultoria Ltda., que iniciou as operações na Mina Patrimônio no dia 11 de março de 2025, afirma seguir todas as regulamentações ambientais, mas moradores e especialistas questionam a forma como o licenciamento foi concedido. O caso faz parte de um cenário mais amplo, em que sete mineradoras disputam território na região de Botafogo, conforme já denunciado pela Agência Primaz

Líria Barros, vice-presidente da Associação de Moradores, em entrevista à Agência Primaz, afirma que representantes da Mina Patrimônio se reuniram com a comunidade na Capela de Santo Amaro em 2020. “Eles já tinham licenciamento para a Unidade de Tratamento de Minério desde 2020. Aí foi aberto o inquérito, porque aqui é a área de interesse arqueológico, patrimônio, né, recursos hídricos. (…) Aqui é área de interesse arqueológico, patrimônio e recursos hídricos. O inquérito foi arquivado porque alegaram desistência, mas o que fizeram foi abrir outro processo de licenciamento em paralelo, e conseguiram a licença sem que a gente tivesse tempo de reagir”, afirma Líria.

Instalação "chuva de memórias", a comunidade de Botafogo registra suas memórias através de depoimentos
Instalação "chuva de memórias", a comunidade de Botafogo registra suas memórias através de depoimentos - Foto: Líria Barros

Além das suspeitas sobre a transparência do processo, há denúncias de omissão de informações nos estudos ambientais e patrimoniais apresentados para viabilizar a mineração. “Você vê como o licenciamento é feito de forma frágil. Eles fizeram coleta de vegetação em apenas nove metros quadrados e aprovaram. Como é que se faz um estudo desses para uma área de quase mil hectares?“, questiona Líria. Moradores relatam ainda que as consultas públicas foram superficiais e as preocupações levantadas pela comunidade não foram devidamente consideradas nas decisões dos órgãos ambientais.

Debate sobre transparência e Impactos no Botafogo

No dia 22 de janeiro de 2025, foi realizada uma reunião na comunidade de Botafogo, reunindo moradores, representantes do Ministério Público e especialistas para debater os impactos da mineração na região. O evento contou com a presença do promotor de justiça Dr. Emmanuel Levenhagen Pelegrini, que destacou a importância da fiscalização da sociedade civil na proteção do meio ambiente e do patrimônio histórico.

O pesquisador Alex Boher enfatizou o valor arqueológico e histórico da região e destacou que a Capela de Santo Amaro é uma das mais antigas de Minas Gerais. Ele também alertou sobre o risco iminente à Estrada de Dom Rodrigo de Meneses e à chamada Rota Imperial, que correm perigo de serem destruídas pela exploração mineral. O historiador ainda alertou sobre o risco de Ouro Preto perder o título de patrimônio mundial pela UNESCO caso a exploração mineral prossiga na região.

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Durante a reunião, denúncias sobre irregularidades nos licenciamentos foram levantadas. Cristiane mencionou que os processos de licenciamento estavam sendo fragmentados entre diferentes superintendências, o que impossibilitaria uma avaliação completa dos impactos cumulativos, criticando a falta de rigor nos relatórios apresentados pelas mineradoras: “A HG Mineração apresentou um estudo de impacto cumulativo, mas o documento é pífio e não contempla as reais consequências da atividade minerária na região“, ressaltou.

Moradores de Botafogo protestam contra a mineração no distrito
Moradores de Botafogo protestam contra a mineração no distrito - Foto: Acervo da Comunidade de Botafogo

Cristiane se refere às solicitações de licenciamento à FEAM (Fundação Estadual do Meio Ambiente). A HG Mineração S/A fez a solicitação via Central URA Metropolitana, com sede em Belo Horizonte, enquanto a sua vizinha LC Participações e Consultoria – Mina Patrimônio, fez a mesma solicitação via Unidade Regional de Regularização Ambiental Leste de Minas, com sede na cidade de Governador Valadares. A comunidade de Botafogo entende que essa divisão de pedidos em diferentes regionais evitaria um estudo de impacto cumulativo pelo órgão licenciador, nesse caso a FEAM.

Outro ponto levantado na reunião com o MP seria a quantidade de caminhões de minério que trafegam pela região. Segundo Ana, moradora do distrito, a mineradora RS Mineração declara oficialmente a circulação de apenas 24 caminhões por dia, mas na realidade, seriam cerca de 140 veículos, causando danos à infraestrutura e ao patrimônio histórico local, como as ruínas da estação de Topázio Imperial. 

Ao final do encontro, o promotor Dr. Emmanuel afirmou que todas as denúncias apresentadas seriam analisadas para que as medidas cabíveis fossem tomadas. “A atuação qualificada da sociedade civil é essencial para garantir que os impactos da mineração sejam devidamente avaliados e mitigados“, concluiu. 

Embora a Mina Patrimônio tenha obtido todas as licenças necessárias para operar, o processo de licenciamento é alvo de críticas. A ata da reunião de Botafogo, realizada no dia 22 de janeiro de 2025, revelou preocupações sobre a falta de transparência nas decisões do CODEMA (Conselho Municipal de Meio Ambiente), incluindo a retificação suspeita de votos que mudaram a aprovação de licenças minerárias. 

Moradores também denunciaram a redução da zona de amortecimento da Estação Ecológica do Tripuí e, além disso, relatam que, durante o processo de licenciamento, mineradoras utilizam algumas estratégias controversas para contornar regulações, como abrir novos processos de licenciamento paralelos e criar associações falsas para simular apoio da comunidade.

Ameaça ao Patrimônio Cultural, Natural e Arqueológico

A Serra de Ouro Preto e a Estrada de Dom Rodrigo José de Menezes estão no centro de um processo de tombamento devido ao seu valor histórico, arqueológico e ambiental. Segundo o Dossiê de Tombamento da Serra de Ouro Preto, elaborado por pesquisadores do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), a região abriga vestígios materiais significativos, incluindo calçamentos coloniais do século XVIII, muros de arrimo e ruínas que compõem a antiga infraestrutura viária da região.

Os especialistas alertam que, sem ações concretas, a deterioração do patrimônio poderá se tornar irreversível, comprometendo não apenas a história e a cultura locais, mas também a identidade da comunidade que há séculos habita essa região. A preservação e valorização do patrimônio cultural e natural do município são fatores determinantes para seu desenvolvimento econômico e para a melhoria da qualidade de vida da população, afirma o Plano Diretor de Ouro Preto, que também orienta a implementação de políticas públicas para proteger esses bens.

A Nota Técnica elaborada pela arqueóloga e historiadora Dra. Alenice Baeta alerta para os riscos irreversíveis que a mineração representa para o patrimônio de Botafogo, que abriga a Capela de Santo Amaro e antigas estradas coloniais. A exploração mineral ameaça estruturas centenárias e sítios arqueológicos, comprometendo a memória histórica da região e colocando em risco não apenas edificações, mas também caminhos e sistemas de captação de água que datam do período colonial. 

A linha pontilhada em vermelho é a atual zona de amortecimento da Estação Ecológica do Tripuí, a outra é a antiga delimitação que abarcava grandes porçoes das áreas de interesse minerário.

Além disso, especialistas alertam que a destruição dessas estruturas impacta diretamente a identidade cultural da comunidade local. A ausência de medidas de preservação e o avanço das atividades minerárias sem a devida fiscalização podem resultar na perda irreversível de elementos fundamentais da história de Ouro Preto, fragilizando ainda mais a luta pelo reconhecimento e tombamento dessas áreas como patrimônio protegido. 

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Denúncia ao MP: Irregularidades nos Processos Minerários

Um documento enviado ao Ministério Público denuncia que os Estudos de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) das empresas HG Mineração SA e Patrimônio Mineração LTDA omitiram a presença de minas de ouro e a proximidade dos empreendimentos da Capela de Santo Amaro. Também há registros de destruição proposital de sítios arqueológicos, como a Mina do Chifre, bloqueada por escavadeiras.

Além disso, a denúncia aponta que as perfurações das mineradoras ocorrem perigosamente próximas a nascentes e áreas de preservação permanente, contrariando normativas ambientais. A comunidade denuncia que essas irregularidades não são casos isolados, mas parte de um padrão sistemático de omissão de informações nos estudos ambientais apresentados pelas mineradoras.

Outro ponto grave citado na denúncia é a forma como os licenciamentos estão sendo conduzidos. Os processos das empresas têm sido aprovados sem a devida consideração dos impactos cumulativos, desconsiderando o fato de que há outras mineradoras atuando na mesma região. Além disso, as decisões são fragmentadas entre diferentes órgãos ambientais, dificultando uma análise mais ampla dos danos potenciais.

Datada do final do século XVII, a Capela de Santo Amaro, localizada no distrito de Botafogo é uma das mais antigas do estado de Minas Gerais
Datada do final do século XVII, a Capela de Santo Amaro, localizada no distrito de Botafogo é uma das mais antigas do estado de Minas Gerais - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

A denúncia solicita diligências in loco para verificar as irregularidades, além da paralisação imediata das atividades minerárias na Serra de Ouro Preto para permitir estudos arqueológicos e ambientais mais aprofundados.

Impactos Hídricos e Risco de Contaminação

O documento “Análise Hidroambiental de Processos Minerários na Região de Botafogo”, elaborado pelo geólogo Dr. Paulo Rodrigues, alerta que a mineração pode comprometer os aquíferos da região e afetar as bacias do Rio Doce e do Rio São Francisco. Segundo ele, a destruição desses aquíferos poderia reduzir irreversivelmente a capacidade de recarga, prejudicando diretamente a segurança hídrica da comunidade local e de regiões vizinhas.

O estudo destaca que a formação bandada de minério de ferro (um tipo de rocha sedimentar) na região desempenha um papel fundamental na retenção e filtragem da água subterrânea, funcionando como um reservatório natural. Com a remoção dessas camadas geológicas, a infiltração da água no solo fica severamente comprometida, aumentando o risco de escassez hídrica a curto e longo prazo.

Além disso, a contaminação dos cursos d’água pela atividade minerária pode afetar a qualidade da água consumida por milhares de pessoas, ampliando os impactos negativos ambientais e sociais. Outro ponto crítico levantado pelo documento é a falta de monitoramento efetivo sobre os recursos hídricos da região. Relatos de moradores indicam que algumas nascentes já apresentam sinais de redução no volume de água, o que acende um alerta para o risco de comprometimento da disponibilidade hídrica no médio e longo prazo.

Há ainda a preocupação com o impacto do material particulado gerado pela mineração, que pode contaminar as águas superficiais e subterrâneas, tornando-as impróprias para consumo humano e para a fauna local. O estudo sugere a realização de análises mais aprofundadas para avaliar os impactos cumulativos das atividades minerárias e a implementação de medidas preventivas para evitar um colapso hídrico.

Segundo o geólogo, qualquer licenciamento ambiental que desconsidere essas ameaças representa um risco grave e pode configurar um ato de negligência por parte das autoridades responsáveis pelo setor.

Audiência Pública e Próximos Passos

A audiência pública que estava prevista para ocorrer nesta quarta-feira (19), na Câmara Municipal de Ouro Preto, para discutir os impactos da mineração e a revisão do Plano Diretor da cidade, foi cancelada. Para os moradores, o evento seria uma oportunidade de expor as estratégias que as mineradoras utilizam para contornar as regulamentações. “Eles licenciam uma mina pequena, depois licenciando outra e outra, e no fim, quando você percebe, já está tudo destruído. Precisamos falar sobre isso, mas eles estão evitando o debate” afirma Líria.

A decisão pegou muitos moradores de surpresa, pois a audiência era aguardada como um momento crucial para expor preocupações e cobrar medidas concretas das autoridades. Até o momento da publicação desta reportagem, o Legislativo ouro-pretano não havia divulgado a nova data para a realização do debate, o que gera apreensão entre aqueles que defendem maior rigor na regulamentação da mineração.

Foto de Lui Pereira
Jornalista, fotojornalista e contador de histórias. Cronista do cotidiano marianense.