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Hoje é quarta-feira, 16 de abril de 2025

MPMG ignora laudo técnico e favorece mineradora em Botafogo

Relatório técnico aponta danos irreversíveis e ilegalidades no licenciamento ambiental.

A imagem mostra a caverna antes de ser destruída pela mineração
Caverna destruida na área da Patrimônio Mineração - Foto: RAIPA Patrimônio/Peruaçu Arqueologia

A supressão de uma cavidade natural subterrânea – ou, segundo a defesa da mineradora, um “abrigo” – localizada na Área Diretamente Afetada (ADA) do empreendimento Patrimônio Mineração Ltda., ganha mais um capítulo. O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) pediu a flexibilização do embargo imposto à mineradora Patrimônio Mineração, acusada de destruir uma cavidade natural na Serra de Botafogo, em Ouro Preto.

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A decisão, assinada pelo promotor Emmanuel Levenhagen Pelegrini, pede a retomada parcial das operações fora de um raio de 250 metros da área embargada, alegando impactos socioeconômicos – como a manutenção de 340 empregos e receitas públicas. No entanto, a medida ignora relatório técnico que aponta danos ambientais irreversíveis, omissões no licenciamento e possíveis crimes ambientais.

Destruição da cavidade pela mineração

Recentemente noticiamos a destruição de uma cavidade natural que não constava do Estudo Espeleológico que embasou o licenciamento ambiental do empreendimento Patrimônio Mineração. No último dia 10, o MPMG pediu a flexibilização do embargo solicitado anteriormente pelo mesmo órgão em Ação Civil Pública Com Pedido de Tutela Inibitória no dia 31 de março, acatada totalmente pela 2ª Vara Cível de Ouro Preto no dia 1 de abril.

Os argumentos que basearam o novo pedido foram apresentados pela defesa da mineradora e se baseiam em critérios em sua maioria econômicos, como a diminuição da arrecadação e a perda de empregos, além disso, a defesa da mineradora argumenta que a cavidade destruída não teria proteção legal por se tratar de um “abrigo”, não uma cavidade subterrânea.

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Relatório Técnico encontra problemas graves no licenciamento de mineradora

Segundo o relatório técnico elaborado pelo Núcleo de Combate aos Crimes Ambientais (NUCRIM), em conjunto com o Instituto Prístino, o licenciamento ambiental da mineradora padeceu de omissões e falhas processuais. O relatório indica que a supressão ocorreu em área de alta relevância ambiental, configurando uma cavidade natural subterrânea que, pela ausência dos estudos completos, deveria ser tratada como de grau de relevância máximo.

O relatório técnico apontou que a Mineração Patrimônio não apenas suprimiu uma cavidade natural subterrânea sem autorização específica, como também atuou sem as devidas medidas de controle e proteção previstas em lei. A ausência de Plano de Controle Ambiental, a não apresentação de Projeto de Supressão e a realização de supressão vegetal em desacordo com o licenciamento foram alguns dos graves pontos levantados.

O documento ainda cita que “os danos causados à cavidade são permanentes e irreversíveis”, o que inviabilizaria qualquer tentativa de compensação ou reparação simples. Além disso, o NUCRIM destacou a possibilidade de dolo, sugerindo que a empresa agiu de forma consciente e premeditada, mesmo diante de notificações e embargos.

Antes de ser destruída pela mineração, a caverna era "penetrável" pelo ser humano
Homem dentro da cavidade destruída, um dos critérios para ser protegida, uma cavidade deve ser penetrável pelo ser humano - Foto: RAIPA Patrimônio/Peruaçu Arqueologia

Ainda segundo o relatório, a legislação brasileira estabelece que todo espaço subterrâneo penetrável pelo ser humano, com ou sem abertura identificada, deve ser protegido se apresentar atributos ecológicos, arqueológicos e culturais que justificam sua preservação. Essa perspectiva justificaria as medidas de embargo e as infrações apontadas pelos órgãos ambientais, uma vez que tais atributos não teriam sido suficientemente estudados, o que colocaria a caverna como de “grau de relevância máximo”.

Além disso, de acordo com o relatório, foram identificadas lacunas nos estudos arqueológicos, incluindo a ausência de contextualização de bens encontrados e insuficiência de análises laboratoriais. O IPHAN considerou o relatório suficiente, mas ainda há pendências para manifestação conclusiva.

Problemas além da caverna

Entre os pontos críticos do relatório do NUCRIM e Instituto Prístino, destaca-se a acusação de que a empresa teria omitido dados sobre espécies raras e ameaçadas de extinção. Durante a vistoria realizada em março de 2025 para a confecção do relatório, foram registradas as presenças de espécies como o Paspalum brachytrichum, planta rara e endêmica do quadrilátero ferrífero, a Alouea tetragona, endêmica do quadrilátero ferrífero e ameaçada de extinção a Vriesea minarum, também endêmica e em perigo de extinção e orquídeas do gênero Cattleya, com potencial de se tratar de espécies também ameaçadas. Tais dados não constaram no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) recente, apesar de constarem em levantamentos anteriores, como o realizado em 2021.

Durante a visita dos peritos, a mineradora realizava atividades de supressão vegetal, porém não havia nenhum profissional responsável pelo resgate de plantas raras, endêmicas e ameaçadas de extinção durante a atividade, previsto do Plano de Controle Ambiental – PCA da Patrimônio Mineração.

Orquidea potencialmente ameaçada em terreno da mineração
Orquídea do gênero Cattleya, família Orchidaceae encontrada durante visita de fiscalização - Foto: Instituto Prístino

A omissão de tais informações, que visava reduzir as obrigações de compensação ambiental, sugere um “licenciamento às cegas”, pois fere dispositivos legais que exigem a proteção rigorosa da biodiversidade, como a Lei da Mata Atlântica (11.428/2006) e o próprio Decreto nº 6.640/2008.

Mineração Noturna?

A Patrimônio Mineração apresentou um termo de declaração em que seu responsável, Felipe Lombardi Martins, afirma, sob as penas da lei, que “a empresa não realiza atividades de extração e lavra de minério no período noturno, estando tais atividades restritas ao horário administrativo”. No entanto, dados telemétricos anexados à Ação Civil Pública (ACP) mostram que pelo menos um veículo da empresa foi acionado e se deslocou durante a madrugada do dia 22 de março – justamente no período em que a comunidade denunciou atividades suspeitas na área da cavidade destruída.

Os dados telemétricos juntados na Ação Civil Pública da Global Rastreamentos, demonstram que pelo menos um dos veículos teria permanecido com a ignição ligada em diversos momentos durante a noite. No dia 21 de março, o veículo teria sido ligado entre 19h50 e 20h e entre 23h30 até 0h33 do dia 22. Ainda na madrugada do dia 22, o veículo teria sido acionado por outras duas vezes, entre 1h15 e 2h55 e outro acionamento entre 3h47 e 4h32, justamente no período em que a comunidade denunciou atividades suspeitas na área da cavidade destruída.

A mineradora afirma que os dados são relativos a uma escavadeira hidráulica Hyundai 220 e que o veículo teria operado na pilha de minério bruto, localizada no pátio de expedição, conforme as coordenadas também registradas nos dados telemétricos. Ainda de acordo com a Patrimônio, “a ausência de atividades regulares de lavra ou outras atividades de mineração em horários noturnos não impede a realização de atividades pontuais e necessárias como a expedição de material já beneficiado”.

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Defesa tenta acordo e minimiza impactos

A defesa da mineradora, no entanto, sustentou que a feição não se enquadrava como cavidade natural, alegando que seu licenciamento estava regular e que a intervenção ocorreu em área prevista para estrada de escoamento. “Não houve clandestinidade. O abrigo foi relatado ao IPHAN, e as máquinas não operaram à noite”, afirmaram os advogados em reunião realizada com o MP no dia 8 de abril. A empresa também minimizou os impactos, citando parecer do IPHAN que descartou valor arqueológico no local e enfatizando os prejuízos econômicos da paralisação: 340 empregos diretos e indiretos e R$ 22,7 milhões em tributos.

Na contramão dos laudos técnicos, a defesa da Mineração Patrimônio sustenta que os impactos seriam “irrelevantes” ou “compensáveis” e que se trataria apenas de um “abrigo”, não uma caverna. Um dos principais argumentos foi a ausência de vestígios paleontológicos ou arqueológicos, além de uma tentativa de desqualificar a importância da caverna, contrariando o próprio laudo do Instituto Prístino e registros anteriores da FEAM (Fundação Estadual do Meio Ambiente).

Mesmo diante das inconsistências apontadas, o MP decidiu acolher parcialmente os argumentos da empresa, autorizando a realização de um estudo de estabilidade da pilha de estéril, e abrindo caminho para a discussão de um possível Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). A decisão ocorreu no âmbito da Ação Civil Pública nº 5001630-70.2025.8.13.0461.

A imagem mostra o desenho da caverna encontrada pela equipe de arqueologia antes de ser destruída pela mineração
Desenho realizado pela equipe de arqueologia para confecção do RAIPA, no detalhe é possível observar a denominação "caverna" - Desenho: RAPIA Patrimônio Mineração/Peruaçu Arqueologia

Contradições e pressão social da comunidade

A comunidade de Botafogo denuncia o que consideram uma grave incoerência: como pode o próprio Ministério Público reconhecer a gravidade dos impactos, sugerir que houve crime ambiental, e ao mesmo tempo aceitar negociar com os infratores?

O perfil do Instagram “@preservebotafogo”, realiza uma campanha de chuva de e-mails direcionada ao Ministério Público, exigindo que o caso siga até julgamento e que não haja acordo com a empresa.

“NÃO AO ACORDO COM A MINERAÇÃO PATRIMÔNIO! A CAVERNA DE OURO PRETO NÃO PODE FICAR IMPUNE!”, diz o manifesto que circula nas redes. O manifesto ainda afirma que “OS DONOS DESSA MINERADORA TAMBÉM SÃO DONOS DA MINERADORA PIRATA QUE DESTRIU A SERRA DO CURRAL”, em alusão à reportagem A teia que liga a caverna destruída em Ouro Preto à Serra do Curral, em BH, publicada no último dia 3 de abril, no Estado de Minas.

A comunidade reforça que a destruição da caverna não é um fato isolado, mas parte de um histórico de violências ambientais na região. Sete mineradoras já cercam Botafogo, e outras reportagens da Agência Primaz mostraram como a mineração ameaça aquíferos e coloca em risco o patrimônio da humanidade.

A população aguarda os próximos passos do Ministério Público. Caso siga com a tentativa de acordo, o órgão pode enfrentar um forte desgaste institucional, sendo cobrado por coerência entre sua função constitucional de defesa do meio ambiente e sua atuação concreta no caso.

Associação dos Moradores, Proprietários e Trabalhadores do Povoado do Botafogo

No último sábado, a recém-criada AMPT Botafogo realizou um protesto pedindo o retorno da mineração. A associação fundada no último dia 7 de abril chama atenção pela sua composição societária. Um dos diretores, Paulo Rogerio Ayres Lage, além de participar da AMTP Botafogo, é sócio administrador da Mineração Patrimônio LTDA..

Outro nome que chama a atenção é o do Florencio Juliano Cotta. Florêncio também figura como vice-presidente do diretório ouropretano do Partido Verde, cujo presidente é Chiquinho de Assis, atual secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Ouro Preto.

Questionamos o secretário do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e presidente do diretório municipal do PV, Chiquinho de Assis sobre se a defesa da mineração por um correligionário do Partido Verde, de origem e filosofia ambientalista seria de alguma forma problemática, sobretudo quando se trata de uma mineradora denunciada por crime ambiental.

Em nota, Chiquinho de Assis afirma que as posições de Florêncio “enquanto presidente da Associação do Botafogo é legítima e não é a posição colegiada do Partido Verde de Ouro Preto”. Em nome do partido, Chiquinho informa que “O Partido Verde trabalha pelo pilar da sustentabilidade e não tem nenhuma posição cerrada contra a mineração, vocação do nosso estado que traz na sua alcunha o nome desta atividade. Nós defendemos os instrumentos de gestão de território e o devido processo legal. Neste sentido, o licenciamento da atividade está sendo feito pelo governo estadual, o direito minerário é concedido pelo governo federal e, ao município, cabe zonear o território. Desta feita, o município está revisando o plano diretor que irá à Câmara Municipal para discussão e votação.

Ainda segundo Chiquinhi, atualmente o zoneamento vigente não impede atividade minerária na área”. Já sobre as denúncias sobre os impactos ambientais, o Chiquinho afirma que “a Secretaria Municipal de Meio Ambiente reportou a questão aos órgãos competentes solicitando providências”.

Questionamentos

Nossa reportagem questionou o MPMG sobre o retorno parcial da mineração em Botafogo e sobre o relatório técnico do NUCRIM e Instituto Prístino, até o momento de fechamento dessa reportagem não obtivemos retorno.

Também contactamos os citados Paulo Rogerio Ayres Lage e Florêncio Juliano Cotta. Nenhum deles deu retorno até o presente momento.

Foto de Lui Pereira
Jornalista, fotojornalista e contador de histórias. Cronista do cotidiano marianense.