Erna Antunes: A mulher que transformou a arte em Mariana
- Cristiano Casimiro dos Santos (*)
- 29/07/2020
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A arte e os artistas modernos de Mariana devem muito a uma menina nascida em 1926 na bela cidade de Skopje, na então Iugoslávia, atual Macedônia.
Desde criança apresentava um dom espetacular para artes em geral. Aos 12 anos exibiu suas primeiras telas em uma exposição de pintura na cidade de Pancevo. Com o início da 2ª. Guerra Mundial mudou-se com a família para a Áustria onde cursou artes na famosa Escola de Belas-Artes de Viena, em 1948. Um de seus mestres em Graz foi Ziskovic.
Formada em Belas artes, Erna Antunes mudou-se para o Brasil em 1949 e tornou-se cidadã brasileira no ano seguinte, fixando residência no Rio de Janeiro e dedicando-se à arte e criando estampas para indústria têxtil.
A inspiração para as obras de Erna Antunes, vinha da natureza e da humanidade. “O homem está intrinsecamente conectado à natureza, mas a está destruindo lentamente”, dizia ela. Com sua arte, Erna queria trazer o homem de volta ao contato com a natureza e sua beleza. “Um retorno à natureza é um retorno ao amor de Deus e sua criação”, completava.
Suas criações transcendem o imaginário e a harmonia entre o homem, a natureza e a religião. Com um olhar diferenciado, conseguiu unir a tradição europeia da pintura a inspirações que viu no brasil multicultural, de uma natureza esplendorosa.
Erna Antunes casou-se com o empresário Manuel Baeta Antunes, da tradicional família Baeta de Mariana, daí sua ligação com a cidade. Aqui, na década 1960, fundou uma escola de arte que instruiu vários artistas locais e de nossa região. Elias Layon, Carlos Baeta, José Afonso e tantos outros foram alunos da Dona Erna, como era carinhosamente chamada. E foi dessa forma ela realizou o sonho do marianense e grande mestre do Barroco Mineiro, Manoel da Costa Ataíde, pois ele tentou criar a primeira escola de arte em Mariana, ainda em 1818. Ataíde recebeu da Câmara de Mariana uma espécie de diploma de professor de “Artes de Arquitetura e Pintura” e, com o atestado em mãos, dirigiu-se ao Rei Dom João VI, com o propósito de criar uma escola de arte em Mariana, mas o rei não permitiu.
Para Elias Layon, Erna Antunes foi fundamental na sua formação acadêmica: “Entrei para a escola de Erna Antunes, artista iugoslava, formada pela Academia de Belas Artes de Viena, casada com um marianense. Essa pequena escola funcionava em uma casa da Praça Gomes Freire e inicialmente tinha 33 alunos”, diz Layon.
A contribuição de Erna Antunes para Mariana não ficou somente na Escola de Artes, mas transcendeu a esfera local. Em julho de 1965 foi a idealizadora e organizadora do 1° Festival de Inverno de Mariana e Ouro Preto, pioneiro do gênero no Brasil. A artista percebeu que as duas cidades deveriam ser parceiras em todas atividades culturais, o que foi ratificado pelo Festival de Inverno da UFMG e posteriormente pelo Festival de Inverno da Universidade Federal de Ouro Preto.
No festival de 1965, houve uma grande movimentação artístico-cultural nas duas cidades, com apresentações de grupos folclóricos como Os Trovadores de Coimbra e Orfeão Português, da comunidade Lusitana do Rio de Janeiro. Peças teatrais, grupos de balé, corais, artistas e grupos folclóricos e culturais de Mariana e Ouro Preto, além das tradicionais retretas das corporações musicais, integraram a programação. E ela também trouxe artistas consagrados da época como o ator e diretor teatral Sadi Souza Leite Cabral e a bailarina e coreógrafa Gerry Maretzki.
A principal função do festival, para Erna Antunes, era trazer cultura e lazer à população das cidades. Mas tinha também um ponto de dar visibilidade às cidades no contexto nacional, fomentando o turismo e a cultura. E isso serviu de modelo para festivais de arte em todo o Brasil.
Além de idealizadora, organizadora e financiadora do Festival de Inverno de Mariana e Ouro Preto, Erna Antunes obteve renome mundial, com acervos na Iugoslávia, Portugal, Japão, Austrália, Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido e, obviamente no Brasil. Ela dizia: “É a arte a única prova de nossa passagem pela terra”. Assim, Mariana tem uma dívida de gratidão com Erna Antunes e talvez seja a hora de nossas autoridades, sabendo um pouco desta história, se sensibilizarem e homenagearem esta marianense de coração.
Erna Antunes faleceu em 08 de março de 2014, em decorrência de causas naturais em sua casa no Rio de Janeiro. Mas seu legado está presente na memória e em trabalhos de muitos artistas marianenses.
(*) Cristiano Casimiro dos Santos é editor da Revista Mariana Histórica e Cultural
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