Sobre afetos, memórias e responsabilidades

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Uma data comemorativa tem um aspecto singular que é o do reconhecimento legítimo de um acontecimento ou de alguém. E sem dúvida uma data que se destaca no calendário é a destinada à celebração do Dia dos Pais. No Brasil, convencionou-se que o segundo domingo de agosto é o dia reservado a eles, momento em que se celebra afetos.

Gosto da palavra afeto como também da palavra saudade. Acho até que as duas caminham de algum modo juntas, pois entendo a saudade como uma espécie de ausência de um abraço vivido intensamente. Quanto às acepções do termo afeto, prefiro as que se referem ao substantivo, ou seja, o mesmo que amizade, amor, objeto de afeição. Acredito que todo pai deveria ser esse alguém a quem se tem afeição, a quem a saudade imediatamente reacende boas memórias.

No entanto, nem sempre é assim. Há pais que se fazem ausentes na presença dos filhos, há também os que nem o papel assinaram. São os pais do desamparo. E para muitos filhos impossibilitados da oferta de um abraço paterno, esse domingo é frio, é solitário. Para tantos outros filhos, o afeto vem, por exemplo, da mãe-pai, do tio-pai, de um irmão-pai, porque, na verdade, apenas participar do ato de gerar um filho não faz deste homem o pai-afeto. Pai é aquela pessoa responsável por participar da educação e do desenvolvimento desse ser que merece acolhimento. Portanto, transcende a questão do gênero e da convenção.

Será mesmo necessário deslegitimar o afeto, o respeito, o cuidado e o desejo de alguém de amparar aquele a que se tem por filho? É legítimo o abandono, ou os maus-tratos, ou a falta de amor? Quem vence? Quem perde?

Em datas como a celebrada neste próximo domingo, não há espaço para julgamentos sobre quem oferta amor, na verdade, cabe o entendimento de que cada família merece respeito. Como um dia de reconhecimento a alguém especial, há quem estará celebrando este momento ao lado do pai biológico, ou com o pai que é também mãe, ou junto do avô que acolheu, ou com a mãe que se desdobra em todos os papeis, ou com dois pais, ou com um pai trans.

Há também quem estará saudoso, revendo fotografias em preto e branco, desbotadas pelo tempo, ou ouvindo a música preferida daquela pessoa tão amada. Um dia de memórias. O almoço em que a conversa sempre leva a diálogos já esperados:

“Mas pai gostava muito cozinhar. Domingo era o dia de ele liderar essa casa.”

“Põe aquela música que todo mundo gosta.”

“Vocês se parecem tanto.”

E para aqueles que aguardam a obrigatoriedade do reconhecimento do material genético, o que guarda o domingo?

E para aqueles tantos meninos e meninas em abrigos ou nas ruas, o que guarda o domingo?

E para os pais que desejam acolher, mas o preconceito insiste em lhes negar esse direito, o que guarda o domingo?

Para o domingo em que se comemora o Dia dos Pais, estejamos mais abertos ao amor em sua magnitude, ao acolhimento e às responsabilidades. Que as pessoas tenham o direito de celebrar a vida em família como elas são.

(*) Giseli Barros é professora, mestra em Literatura Brasileira pela UFMG, membro efetivo da ALACIB-Mariana

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