O Arranjo Produtivo Local (APL) como forma de salvar a economia de Mariana
Este texto faz parte da série “12 formas de deixar a economia de Mariana saudável após a pandemia”.
Forma #1: Transformação Digital
Forma #2: Cooperativismo
Forma #3: Arranjos Produtivos Locais
- Kelson Douglas (*)
- 15/08/2020
Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “editoriais”
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Boa parte das pessoas que desejam escrever histórias (seja para o cinema, teatro, TV ou literatura), usa como base o livro “Story”, de Robert McKee. Nele, o autor mostra importância do Tipping Point, ou Ponto de Virada, que é o gancho narrativo utilizado durante uma ação para levar a história para uma nova direção.
Pois este é o ponto de virada do especial com 12 formas de deixar a economia de Mariana saudável após a pandemia. Poderíamos até chamar esse capítulo de APL, ou Arranjo Produtivo Local. Algo que não apenas poderá melhorar os números de produção e contratação do nosso município, como também está diretamente relacionado às próximas 5 formas que trarei pra lista.
Quer saber mais a respeito? Então vamos lá!
O que é um Arranjo Produtivo Local - APL
Reconhecido oficialmente pelo governo brasileiro desde 2004, quando foi instituído o Grupo de Trabalho Permanente para Arranjos Produtivos Locais (GTP APL), o Arranjo Produtivo Local é, de acordo com a definição do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, “um aglomerado de empresas e empreendimentos, localizados em um mesmo território, que apresenta especialização produtiva, algum tipo de governança e mantêm vínculos de articulação, interação, cooperação e aprendizagem entre si e com outros atores locais”.
Se quisermos fazer um exame de DNA dessa ideia, puxando a árvore genealógica dos Arranjos Produtivos Locais, chegaremos em Michael Porter, um professor de Harvard que ficou bastante conhecido no meio dos economistas logo ali no meio dos anos 80 por causa de seu livro The Competitive Advantage of Nations (As vantagens competitivas das nações), onde fomos apresentados ao conceito de Cadeia de Valor.
Resumindo o que seria essa cadeia, Porter explica em seu trabalho que as indústrias realmente competitivas de uma determinada região não se espalham de maneira uniforme por toda a economia, elas são divididas e interligadas por agrupamentos chamados de clusters, formados por empresas e comunidades que se completam. Desse modo, países, estados ou municípios não se tornam economicamente interessantes por possuírem indústrias isoladas, e sim por ter agrupamentos de empresas ligadas por relações verticais (comprador/fornecedor) e horizontais (clientes, tecnologias, etc.).
Essa organização em clusters deu muito certo na Itália ao longo dos anos 90, sendo mais incorporada por aqui no Brasil no início dos anos 2000 sob a forma de APLs. O que deu muito certo, tanto que, em 2015, no último relatório global, foram identificados 677 APLs pelo GTP APL.
Os segmentos dos arranjos
Segundo o Governo, temos no Brasil cerca de 59 setores produtivos capazes de abrigar APLS. Os com maior predominância são:
- Cerâmica e Gesso.
- Moveleiro;
- Vestuário (Têxtil, Confecções e Calçados);
- Metal-Mecânico;
- Agroindústria.
Mas claro que eles são apenas a ponta de um iceberg contendo vários outros tipos, como:
- Alimentos e Bebidas
- Apicultura
- Biotecnologia
- Economia Criativa
- Fruticultura
- Jogos Digitais
- Lacticínios
- Logística
- Tecnologia da Informação e Comunicação
- Turismo
Esses segmentos empregam mais de 1 milhão e trezentas mil pessoas apenas na região sudeste, em suas mais de 85 mil empresas conectadas.
APLs em Minas Gerais
Em Minas, nós temos hoje 80 Arranjos Produtivos Locais de acordo com os dados do Observatório Brasileiro de Arranjos Produtivos Locais. Esses arranjos seguem o padrão de classificação adotado pelo SEBRAE em 2009, podendo ser divididos em:
- Arranjos incipientes — caracterizados pela desarticulação, carência de lideranças e falta de integração e cooperação das empresas, o Poder Público e a iniciativa privada;
- Arranjos em desenvolvimento — com cooperação intersetorial dentro da cadeia produtiva regional esse tipo conta com lideranças legitimadas e capacitadas para se organizar em entidades de classe para defender os interesses da região;
- Arranjos desenvolvidos (Sistemas Produtivos e Inovativos Locais) — aqueles com interdependência, articulação e vínculos consistentes que resultam em interação, cooperação e aprendizagem, possibilitando inovações de produtos, processos e formatos organizacionais e gerando maior competitividade empresarial e capacitação social.
No estado, dentre os APLs enquadrados como desenvolvidos, temos o de Biotecnologia, em Belo Horizonte, de Madeira e Móveis, em Uberaba, e Tecnologia da Informação, em Itajubá.
Como em desenvolvimento, temos o de Economia Criativa, na Zona da Mata, Agricultura, no Vale do Rio Doce e Têxtil e Confecções, em Ubá.
Já como Arranjos incipientes, temos o de Logística, no Vale do Aço, Metal Mecânico, em São João del Rei, e apicultura, na Região Metropolitana de BH. E isso para ficar apenas em alguns exemplos.
A importância e o impacto desse tipo de arranjo na economia
Pelo ponto de vista do SEBRAE, todo tipo de APL é extremamente benéfico para uma região por interferirem positivamente na arrecadação do município e no número de empregos gerados, atrair novas empresas e incentivar os empreendedores locais a também participar da geração de renda do segmento, além de criar novas atividades econômicas relacionadas com o crescimento do arranjo produtivo e aumentar a competitividade ao longo da cadeia produtiva e dos serviços.
A favor dos APLs, temos também o setor de negócios do Banco do Brasil, que diz que os Arranjos Produtivos Locais podem ampliar as chances de sobrevivência e crescimento da economia regional, dar mais viabilidade para comercializar produtos em mercados nacionais e até internacionais, e intensificar a troca de conhecimentos acerca de processos e inovações.
Como é criado um APL
Mas como surge um APL? Qual é a mágica por trás do Arranjo Produtivo Local?
Bem, podemos dividir os APLs entre aqueles que aparecem de forma “orgânica” e artificial.
A maneira orgânica diz respeito àqueles que tem sua base em algo próprio ou “natural” de uma localidade. Um bom exemplo desse caso seria o arranjo de produtores de Pedra Sabão da nossa vizinha Ouro Preto.
Esse arranjo surgiu de uma demanda identificada por produtores da região que já eram conectados por uma longa história e cultura local. Tanto que, em 2006 (pouco depois do surgimento do órgão oficial responsável pelo diagnóstico dos APLs no país), a Câmara de Ouro Preto já discutia a criação desse AP no município.
Já como exemplo de surgimento artificial, temos o APL que pode vir do projeto do Corredor Mineiro da Inovação, que eu mesmo tenho encabeçado através do Valin na região.
Neste caso, a demanda de um arranjo produtivo do segmento de tecnologia e inovação entre as cidades de Itabirito, Mariana e Ouro Preto, viria da vontade da comunidade em diversificar sua economia, criando, com isso, caminhos para que o poder público e a iniciativa privada invistam mais (e melhor) em pesquisa e desenvolvimento.
Formalização
Independente do tipo de motivação de um APL, seja ele orgânico ou artificial, o fato é que este arranjo precisa ser validado para, de fato, ter acesso à recursos estaduais e federais, além de acesso a uma rede de conexões de peso. E essa não é uma tarefa tão simples.
No caso dos arranjos produtivos locais de Minas, o primeiro passo é fazer um pedido formal junto à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico juntamente com uma apresentação de um estudo técnico do setor a ser reconhecido no APL.
Depois de ser apresentado esse estudo, o Estado irá aferir as condições para o reconhecimento, o que poderá resultar ou não na chancela da localidade como Arranjo Produtivo Local, e, com isso, rolar a inserção do mesmo no ciclo de políticas públicas de Minas Gerais.
Por que ninguém está falando disso em Mariana?
Esse é o clímax da nossa história.
De acordo com as regras de McKee, em um bom roteiro, nos momentos iniciais tudo pode ser possível, porém, chegando ao clímax, o público precisa olhar para trás e reconhecer que aquele era o único caminho que a narrativa poderia tomar. Nesse caso, o nosso único caminho é fazer a grande pergunta: por que ninguém está falando sobre a criação de um APL em Mariana?
Em nenhuma pesquisa nas redes sociais, no Google, nas decisões de prefeitos da cidade, no histórico de discussões da Câmara, nas propostas dos pré-candidatos a qualquer cargo do executivo ou legislativo municipal, nas pesquisas realizadas na UFOP, em nenhum lugar existe sequer o diálogo sobre Arranjos Produtivos Locais em Mariana.
Mesmo com a Lei nº 16.296, que regulamenta as ações da Política Estadual de Apoio aos Arranjos Produtivos Locais, existindo há 14 anos, desde 1º de agosto de 2006.
Mesmo com Ouro Preto tendo um Arranjo Produtivo Local validado pelo Estado logo aqui do nosso lado.
Mesmo com Viçosa, com mesmo porte de Mariana, tendo dois APLs oficializados pelo Governo.
Neste ponto eu volto em um de meus últimos artigos aqui pra Agência Primaz, onde eu digo que o Cooperativismo é uma das maneiras de salvarmos a economia marianense. Nele eu comento sobre a cultura do gavetismo em Mariana, onde a comunidade como um todo (seja empresários, poder público ou moradores) têm por hábito, há séculos, não trabalhar de forma colaborativa. Às vezes por medo de perder algo, às vezes por ter que dividir sua parte.
Essa falta de colaboração atrapalha o município na criação de suas APLs, e posso dar um exemplo de onde isso acontece.
APL de produção de orgânicos
De acordo com os dados abertos da EMATER, em Mariana temos 525 produtores rurais cadastrados com a DAP, a Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, que é um documento de identificação da agricultura familiar bastante importante para a profissionalização do produtor.
Dessas, 204 estão ativas, 28 canceladas e 293 expiradas. E desses produtores com DAP ativa, apenas 35 fazem parte de alguma das 2 associações aprovadas pela EMATER que estão em operação no município.
Se soubéssemos porque tantos produtores deixaram seus documentos expirar ou por que tantos estão fora das associações ou de cooperativas, teríamos a chance de fomentar um APL de produtos orgânicos em Mariana, como as do Vale do Mundaú, no Alagoas, e do Distrito Federal.
Também poderíamos começar a pesquisar a quantidade de produtores que não estão associados, mas trabalham como MEI ou informal, buscando aumentar a porcentagem de trabalhadores formais neste segmento em relação a quantidade de habitantes economicamente ativos, mas não vou me alongar muito nesta ideia por agora, pois em breve abordarei de forma mais ampla por aqui.
Epílogo
Até mesmo alguns dos nomes mais capitalistas já perceberam que o trabalho em conjunto, em clusters, será a única salvação para os anos pós-pandemia. Dentre eles podemos listar desde os mais progressistas, como o de Bill Gates, até os ultra liberais de direita, como Romeu Zema, que criou em julho o Programa Estadual de Cooperativismo da Agricultura Familiar e Agroindústria de Minas Gerais, o Cooperaf-MG.
Dito isso, pensar em Arranjos Produtivos Locais para Mariana seria uma excelente forma de encarar o mundo de 2021 em diante, fazendo aumentar o nosso potencial de empregabilidade e diversificando a nossa economia de vez. No entanto, é preciso começar a fazer isso agora e de forma assertiva.
Este pode ser o ponto de virada para a nossa história.
Nos vemos novamente daqui há 15 dias, quando irei abordar a Indústria Criativa como uma das formas de salvar a economia de Mariana.
(*) Kelson Douglas é Diretor criativo da I Love Pixel, fundador do Valin, o vale de inovação de Mariana e Ouro Preto, embaixador do Montreal International e lider local do Startup Weekend e da IxDA, a associação mundial de design de interação, publicado na Agência Primaz (https://www.agenciaprimaz.com.br) em 15-08-2020.
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