Cartas pra Mãe - Medo

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “editoriais”

Compartilhe:

[wpusb layout="rounded" items="facebook, twitter, whatsapp, share"]

Mãe,

Hoje eu acordei com medo.

Dos números que assustam. Das pessoas que já não se assustam com os números.

Do fogo que queima o pantanal. Da fumaça que cobre o rosto e cega a visão de quem deveria agir. 

Do homem que abusa a infância. Daqueles que culpam a inocência da criança em nome de um Deus torto, cruel. 

Estamos todos com medo, num é, Mãe? 

Meus amigos estão mais quietos, agoniados. A gente se olha (pela câmera) e consente. Sente junto o que todo o planeta está vendo brotar. E morrer. 

A senhora também está meio medrosa, eu sei, mesmo com a teimosia de quem finge não acreditar tanto assim.

Quem não tem água em casa está com medo. O “morador” de rua que perguntou por que as pessoas estão com máscaras tem medo. As famílias quilombolas, expulsas por um governo cúmplice da desigualdade, estão com medo. Os idosos têm medo. Do descaso, mais que de morrer. 

E há quem esteja com medo de perder lucro. Que esconda corpos debaixo de sombrinhas para não atrapalhar o fluxo e as vendas. São “só algumas vidas”, afinal.

Mas sabe, Mãe, o que mais me amedronta e não me deixa dormir? É pensar: e se sairmos iguais depois disso tudo? E se a “normalidade” engolir os pedidos urgentes de mudança? E se o perdão, a empatia, a amizade forem sugados pela rotina novamente?

Fomos treinados a aprender com castigos. A pensar que o que acontece de ruim automaticamente nos faz melhores. Estamos vendo que não é bem assim… 

Já são meses e meses atípicos, mas iguais a tantos outros. O próprio umbigo ainda é o centro do mundo.

E se insistirmos em negar que já vivemos, há tempos, em um mundo doente? Será que, depois de saber a verdade, vai ter máscara pra todo mundo?

A bênção da sua corajosa,
J.

(*) Jamylle Mol é jornalista e marianense.

Veja Mais