Como pensar no futuro?
- Andreia Donadon Leal (*)
- 27/08/2020
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Como o presente está em standby, falam do futuro: 2021, 2022; de eleições, reeleições ou o que vai acontecer na ciência, religião, história, geografia, matemática, enfim, em todas as áreas do conhecimento que norteiam o mundo. Custo a me acostumar com previsões e planejamentos a médio e longo prazos.
Prefiro viver profundamente o presente, a ter que me amarrar nas dobras e adivinhações futurísticas. Imagino, hipoteticamente, como seria o ano 3.000. Novos dogmas? Novos deuses? A tecnologia de hoje será jurássica. Doenças terminais passarão para o nível 1. Que os cientistas me corrijam, se o termo estiver em desacordo com as definições. De ciência e tecnologia pouco sei. Os seres terão mais qualidade de vida? Talvez mais permanência na terra; muitos viverão para além de cem anos, sem limitações e doenças degenerativas.
O passamento, creio eu, será mais aceitável, afinal tudo se transforma em partículas de energia a girar nesse éter infinito. O universo é um milagre do cosmo, de nanopartículas que se juntaram para formar átomos. Do mesmo modo, as letras formam palavras, as palavras orações, as orações textos. Acredito piamente que a geração 3.000 terá mais informações e cultura para compreensão de que o corpo é energia, que se despe da carne para se juntar às nanopartículas num processo contínuo de reconstrução do universo. Volto meus pensamentos para a realidade. Meu ano fugiu da rota. Doenças, tristezas, perdas, pelejas, e pequenas pausas para respirar.
Já não tenho tempo para escrever sobre o caos e as mazelas da política. Aqui não vai nada bem, mas há pessoas que botam fé; coloquei minha barba de molho há tempos. Essa política não me agrada, não me convence, não me engana. Vivo com o pé atrás, os olhos abertos, as costas encostadas na parede. Outro dia um taxista me disse que anda enervado com tanta politicagem e que vota em branco há duas eleições. Voto nem deveria ser obrigatório. Em 3.000 ninguém será obrigado a votar em ninguém, nem invalidar ou votar em branco. Quem decidir votar, não terá o aborrecimento de sair de casa; o voto será virtual, pois tudo será conectado. Nem terá a chatice do comício. Será que essa geração hiperconectada terá liberdade?
Viver em 3.000 terá vantagens em relação ao mundo desconectado de hoje. A transparência política, administrativa e financeira deixará de ser apenas ficção legislativa; não haverá reeleição, monopólio, gastos com luxo, vale alimentação, vale moradia, vale isso, vale aquilo, porque desigualdades não existirão; nepotismo, perseguições, injustiças, pilantragens serão conceitos de que marcam um passado a ser negado. O congresso não será formado por políticos, mas por cidadãos comuns indicados pela sociedade. Ando com os pés sobre as águas, idealizando o ano 3.000. Culpa da incurável insônia. A literatura é para concretizar o sonho mais absurdo do sujeito desperto.
Pela janela estática do presente só vejo catástrofes, pandemia, violência, mortes. Parece insanidade ficar sonhando um futuro ideal, quando não há sequer como transpor a eternidade deste presente atordoado.
(*) Andreia Donadon Leal é Mestre em Literatura pela UFV e autora de 16 livros; Membro efetivo da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais e Presidente da ALACIB-Mariana.
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