Verba liberada pelo TRT causa divergências entre Vereador e Secretário de Saúde em Mariana

Há alguns dias, pelas redes sociais, o vereador Bruno Mol vem fazendo críticas à administração municipal devido à liberação de aproximadamente R$ 3 milhões para combate ao coronavírus em Ouro Preto e mais R$ 8 milhões para outras cidades da bacia do Rio Doce. As acusações de negligência do poder público em Mariana ocorrem justamente no período em que a cidade tem seu primeiro óbito confirmado e começa a conviver com o fantasma da transmissão comunitária do Covid-19 (confira aqui matéria do repórter Lui Pereira). Duarte Jr., prefeito, e Danilo Brito, secretário municipal de Saúde de Mariana, justificam a medida argumentando que a verba vai beneficiar a microrregião, composta também pelos municípios de Mariana, e Itabirito, com a ampliação do número de leitos de UTI na Santa Casa de Misericórdia, único hospital de referência da região, localizado em Ouro Preto.

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Liberação de verbas

A juíza Graça Maria Borges de Freitas, titular da Vara do Trabalho de Ouro Preto, atendeu a pedido do Ministério Público do Trabalho e liberou parte dos R$ 50 milhões depositados pela Samarco S/A., a título de dano moral coletivo, resultantes de indenização definida em ação civil pública, por dano moral coletivo. De acordo com a decisão judicial, R$ 11 milhões foram repassados a 6 municípios para utilização em ações de combate à pandemia do coronavírus. Coube a Ouro Preto o valor total de R$ 3,3 milhões, sendo a maior parte (R$ 2,275 milhões) para a Santa Casa de Misericórdia e o restante (R$ 1,025 milhão) depositado na conta do Fundo Municipal de Saúde do município.

Os hospitais Bom Samaritano (Governador Valadares) e Imaculada Conceição (Guanhães) receberam R$ 3 milhões cada, cabendo aos fundos municipais de; Governador Valadares (R$ 1 milhão), Acaiaca (R$ 200 mil) e Diogo de Vasconcelos (R$ 200 mil), além de R$ 300 mil, destinados ao Lar Ozanam, de Itabira, “para estruturação do asilo e acolhimento dos idosos em risco de doença”.
 

No despacho a juíza Graça de Freitas estabeleceu o prazo de seis meses para prestação de contas dos valores transferidos, “deixando ao critério do Ministério Público estabelecer a forma de acompanhamento da aplicação do valor”.

Especificamente no caso de Ouro Preto, o despacho judicial com data de 25 de março deixa claro que “que o atendimento à cidade de Ouro Preto decorreu de ser uma cidade turística, com muita circulação de pessoas de origem estrangeira e indicada como uma das cidades com potencial foco da pandemia no Estado, além de ser a cidade que sedia o Hospital de referência para Itabirito e Mariana”. Acrescenta, ainda, que “a montagem da UTI da Santa Casa e a aquisição dos equipamentos atenderá, portanto, às três cidades da jurisdição”.

Vereador Bruno Mol

Em vídeo divulgado no último domingo (29 de março), Bruno Mol comentou o assunto, inicialmente dizendo que “Mariana está fora roteiro dos investimentos [que estão sendo feitos] em Minas Gerais e no Brasil”. Para o vereador, Mariana “perdeu” R$ 11 milhões para outras cidades de Minas Gerais. “Esse dinheiro não foi que a Samarco doou. Isso foi uma indenização que a Samarco pagou ao Ministério do Trabalho e, através de uma ação, um desembargador determinou que R$ 11 milhões desse dinheiro, que é nosso, fosse destinado a seis cidades de Minas Gerais”, afirmou Bruno.

Mais adiante, comentou um pronunciamento do prefeito Duarte Júnior, “a princípio falando que foi pego de surpresa quando ficou sabendo dessa decisão do Ministério do Trabalho” e que mais tarde a informação divulgada era que o dinheiro seria usado no consórcio formado por Mariana Ouro Preto e Itabirito. “Não, isso não é verdade”, acusou o vereador, afirmando que em Ouro Preto houve liderança para reivindicar, inclusive conseguindo ser reconhecida como cidade atingida. Comentando recursos destinados pela Anglo Gold para hospitais de algumas cidades e aquisição de kits rápidos de teste do coronavírus pela Vale, Bruno criticou a falta de atuação da administração municipal. “Mais uma vez Mariana fica fora do roteiro de investimentos de grandes empresas, destinando recursos consideráveis para a saúde”.

Por telefone, o vereador Bruno Mol esclareceu algumas de suas afirmações à reportagem da Agência Primaz de Comunicação. Para ele, os recursos da multa paga pela Samarco são “moralmente nossos [do município de Mariana] porque Mariana foi o epicentro da tragédia”. Bruno considera que a juíza do TRT teve bom senso ao destinar os recursos para a Santa Casa de Ouro Preto, mas que isso não quer dizer que os recursos tenham sido destinados para a microrregião de saúde. Esse seu entendimento decorre do fato de que não houve comunicado oficial nesse sentido, segundo informação que recebeu do prefeito de Itabirito, Orlando Caldeira. “A expressão ‘cidades da jurisdição’ pode ser entendida de várias formas”, afirmou Bruno, lembrando que Itabirito está montando uma estrutura própria para não depender dos leitos de UTI a serem instalados em Ouro Preto, para não precisar pagar R$ 1 mil de diária cada vez que necessitar de um desses leitos.

Mariana

Em várias ocasiões, inclusive na transmissão ao vivo divulgada pelo Jornal Ponto Final na última segunda-feira (30 de março), Danilo Brito, secretário de Saúde de Mariana, contestou as afirmações do vereador Bruno, citando o ofício datado de 26 de março com a informação que a Santa Casa já havia recebido R$ 2,274 milhões, destinados à implantação de 10 leitos de UTI e mais 15 de isolamento, exclusivos para os casos de Covid-19. “Todos os municípios [de Minas Gerais] se organizam através de microrregiões e a nossa micro é Ouro Preto, Mariana e Itabirito”, declarou Danilo, explicando que a UTI de referência desta microrregião fica na Santa Casa de Ouro Preto, entidade que recebe da Prefeitura de Mariana, mensalmente, de R$ 70 mil a R$ 75 mil de diária para custeio dos leitos de UTI utilizados pelo município. “Foi uma decisão muito bem acertada, (…) foi muito bem articulada e [a instalação dos leitos] vai estar pronta nos próximos 20 dias”, afirmou Danilo, lembrando que a implantação de UTI fora do sistema microrregional não recebe ajuda do governo para custeio.

Itabirito

Também por telefone, nossa reportagem conversou com o prefeito de Itabirito, que confirmou não ter recebido comunicação oficial sobre o assunto, ressalvando que todas as tratativas foram feitas por intermédio do Secretário de Saúde, Marco Antônio Félix. Questionado, o secretário afirmou ter participado de uma videoconferência sobre o assunto, promovida pela Secretaria Estadual de Saúde (SES) e com a participação dos secretários de Mariana e Ouro Preto. Confirmou também que a cidade está montando uma estrutura própria contando com ambulâncias adaptadas para UTI e leitos de confinamento e que discorda da cobrança de diárias pela Santa Casa de Misericórdia de Ouro Preto.

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Ouro Preto

Nosso contato foi feito com Paulo Xavier, secretário de saúde, que confirmou a videoconferência mencionada por Marco Antônio Félix, informando que também houve uma reunião entre os secretários de saúde para detalhamento da aplicação dos recursos, de acordo com a decisão do TRT. Paulo Xavier disse que Ouro Preto está montando um hospital de campanha, uma vez que, mesmo dobrando a capacidade de atendimento na Santa Casa, a expectativa é que, infelizmente, a demanda será maior. Em relação ao pagamento das diárias, o secretário informou que isso já acontecia mesmo antes da pandemia do Covid-19 e é feito em qualquer outro hospital que disponha de UTI, já que o Sistema Único de Saúde (SUS) cobre apenas uma pequena parte do custeio.

Santa Casa de Misericórdia

Marcelo Sérgio Gonçalves de Oliveira, provedor da Santa Casa de Misericórdia de Ouro Preto, também atendeu à reportagem da Agência Primaz de Comunicação por telefone. Ele esclareceu que a solicitação dos recursos tinha sido uma iniciativa de Eliane Cristina Damasceno Coleta, ex-Secretária de Saúde de Ouro Preto, tendo sido a Santa Casa convidada, pela juíza do TRT, Graça Maria, a apresentar um orçamento relativo à implantação dos leitos de UTI e de confinamento. Esclareceu ainda, confirmando as informações prestadas por Paulo Xavier, que a complementação das diárias dos leitos de UTI já é feita pelos municípios de Ouro Preto, Mariana e Itabirito, mesmo antes da crise atual, uma vez que o SUS cobre apenas uma pequena parcela dos R$ 1,8 mil diários para o custeio dos leitos. “Nós tínhamos solicitado ao TRT a liberação de recursos para essa finalidade por seis meses, mas a juíza entendeu que esse custo deveria ser coberto pelos municípios e pelo SUS”, declarou Marcelo de Oliveira.

 

Em relação à comunicação oficial, Marcelo Oliveira informou que no dia 26 de março foram expedidos ofícios aos prefeitos das três cidades, com informações sobre o recebimento e utilização dos recursos para atendimento à microrregião. Reproduções dos ofícios encaminhados aos prefeitos de Ouro Preto e Mariana, bem como ao Secretário de Saúde de Itabirito podem ser acessadas no perfil oficial da Santa Casa e mais detalhes sobre o assunto podem ser conferidos no vídeo disponibilizado na tarde desta quarta-feira (01).