A Indústria Criativa como forma de salvar a economia de Mariana
Este texto faz parte da série “12 formas de deixar a economia de Mariana saudável após a pandemia”.
Forma #1: Transformação Digital Forma #2: Cooperativismo Forma #3: Arranjos Produtivos Locais Forma #4: Indústria Criativa
- Kelson Douglas (*)
- 31/08/2020
Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “editoriais”
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Se ainda estivesse vivo, Raul Seixas, o Raulzito, teria completado seus 75 anos em junho desse ano. Uma data que, com a realidade que estamos experimentando em 2020, poderia ser celebrada com uma grande live onde seríamos agraciados com as versões “home office” de seus maiores clássicos, dentre eles Ouro de Tolo, uma das músicas mais interessantes já feitas para o rock brasileiro.
Nela, Raul fala de forma irônica sobre as disparidades entre a expectativa e a realidade da vida adulta, incluindo trechos sensacionais como “Eu devia estar sorrindo e orgulhoso por ter finalmente vencido na vida, mas eu acho isso uma grande piada e um tanto quanto perigosa”.
Tão interessante quanto a letra é o deboche que o soteropolitano utiliza até mesmo no título da música, já que Ouro de Tolo é uma pedra que se parece bastante com o Ouro, no entanto vale bem menos do que o metal precioso. Algo que serve como uma bela analogia para a Indústria Cultural de Mariana.
O que é Indústria Cultural
Como existem argumentos que colocam qualquer tipo de trabalho como criativo (até mesmo os mais mecânicos), é importante entendermos melhor o que seria de fato uma indústria criativa.
De uma maneira mais simples, podemos dizer que o termo diz respeito ao setor da economia que tem o capital intelectual como a principal matéria-prima na produção de bens e serviços, “abrangendo o patrimônio material e imaterial, as expressões culturais, as artes do espetáculo ou performáticas, a mídia e as criações funcionais, como a moda, o design, a arquitetura, as artes aplicadas e decorativas”, de acordo com a Agência de Desenvolvimento da Indústria Criativa de Minas Gerais.
Se a criatividade desempenha um papel primordial para a sua geração de valor, então aquela indústria é criativa.
E, apesar de lidar com algo bem ancestral como a criatividade humana, esse termo não é tão velho como aparenta. Usado oficialmente pela primeira vez em 1998 pelo governo do Reino Unido, o título de Indústria Criativa dizia respeito à 13 segmentos às vezes bem distintos como:
- Publicidade
- Arquitetura
- Mercado de artes e antiguidades
- Artesanato
- Design
- Moda
- Filmes
- Games interativos
- Música
- Artes cênicas
- Publicações (jornais, zines e revistas)
- Software
- Televisão e Rádio
As diferentes criatividades
Existe uma proposta interessante feita pela Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD) em 2008 que separa os tipos de criatividade em 3 áreas, facilitando o mapeamento dos segmentos de indústrias criativas. Seriam elas:
- Criatividade artística: a capacidade de imaginar e de gerar ideias originais, além de novas formas de interpretação do mundo. A criatividade artística se expressa a partir de texto, som ou imagem.
- Criatividade científica: está relacionada à curiosidade e à disposição para a experimentação, bem como à habilidade de combinação e associação de conhecimentos com vistas à resolução de problemas.
- Criatividade econômica: bastante observada nas startups e nas empresas de BI, essa criatividade é relacionada ao processo dinâmico que leva à inovação em tecnologia, práticas de negócios, marketing, etc., e está intimamente ligada à obtenção de vantagens competitivas na economia.
A economia criativa em Minas
Segundo um relatório realizado pelo Governo de Minas em 2018, naquele ano no país haviam 4,6 milhões de pessoas atuando diretamente na economia criativa, o que equivaleria a 10,1% dos empregos formais registrados no país.
Todo esse mundaréu de gente foi responsável por injetar mais de R$ 10 bilhões na economia só em 2016, sendo os segmentos ligados à Cultura (37,3%) e a Tecnologia e Inovação (28,8%) os que respondem pela maior parte desse bolo.
Neste cenário, Minas Gerai aparece como o segundo maior empregador criativo do Brasil, ficando atrás apenas de São Paulo, com 457.925 empregos dos 4,6 milhões do geral.
Municípios
Belo Horizonte
Juiz de Fora
Uberlândia
Contagem
Nova Serrana
Ubá
Uberaba
Divinópolis
Nova Lima
Montes Claros
Pouso Alegre
Governador Valadares
Poços de Caldas
Betim
Sete Lagoas
Ipatinga
Patos de Minas
Muriaé
Passos
Extrema
Economia Criativa (% no Estado de MG)
22,80%
4,18%
4,18%
3,44%
2,10%
2,05%
1,83%
1,62%
1,51%
1,48%
1,44%
1,31%
1,28%
1,24%
1,23%
1,22%
1,05%
0,96%
0,84%
0,76%
Indústria Cultural de Mariana: o nosso Ouro de Tolo
E como fica Mariana nessa história?
Pois apesar de ter 11 corporações musicais na cidade (sendo 5 delas centenárias), ser líder no ranking do ICMS Cultural e contar com mais de 3 séculos de criação cultural entre seus habitantes, não é possível ainda enxergar o município como sendo um ícone da economia criativa de Minas — e o ranking que listei pouco antes só comprava isso.
Por causa de sua ultra dependência da mineração — lembrando que 85% do nosso PIB é ligado direta ou indiretamente apenas a esse segmento – (e alguns lobistas que atuam como políticos fazem o possível para deixar tudo exatamente como está) — e a falta de projetos que beneficiem não apenas um tipo de arranjo cultural (como a conservação do patrimônio), não existe uma indústria cultural ativa na cidade.
O que vemos por aqui são pequenos grupos ou associações que lutam para abocanhar a pequena fatia de receita liberada, ora por editais (como os da Fundação Renova, que não são o suficiente para contemplar eventos de médio ou grande porte), ora por pequenas ações da prefeitura.
Porém, este não é o fim para a Indústria Criativa marianense. Pelo contrário.
Temos vários nomes e segmentos criativos diferentes em Mariana, que, com o incentivo certo, poderiam não apenas gerar novos produtos, serviços e, claro, empregos para a cidade, como também impulsionar outros mercados, como o do turismo e até mesmo da tecnologia. Mas hoje não é o dia em que abordarei isso por aqui. Prometo fazer isso em meu próximo artigo, até mesmo para contemplar melhor todas as ideais.
Agora, para finalizar, gostaria de apresentar um pequeno caso de sucesso da economia criativa que temos em Minas.
Cidade das Estrelas
Existe uma lenda de que lá pros anos 70, Raul Seixas havia ganho um terreno em Minas Gerais, onde finalmente conseguiria montar a versão real de sua Sociedade Alternativa. Essa história já foi até documentada em um dos relatórios da Comissão Nacional da Verdade (CNV).
O lance é que teoricamente esse lugar existiu, se chamaria Cidade das Estrelas e, claro, ficaria em São Tomé Das Letras, um dos maiores cases de sucesso da Indústria Criativa no estado.
De acordo com a pesquisa São Thomé das Letras na encruzilhada das fontes, dos tempos e dos saberes, “a população que habitava a desalentada São Thomé das Letras, no século XIX era detentora de uma visão de mundo mágica, expressa pelas lendas e pelas crenças em feitiços e benzimentos. Essa visão ultrapassou as fronteiras seculares e chegou até os dias de hoje”. Suas inúmeras características culturais, junto ao cenário natural da cidade, fizeram com que São Tomé se tornasse desde a década de 90 um dos destinos turísticos mais procurados de Minas, mesmo contando com pouco mais de 7 mil habitantes em seu território.
Será que um dia Mariana também conseguirá ver na Indústria Criativa uma alternativa para a sociedade?
(*) Kelson Douglas é Diretor criativo da I Love Pixel, fundador do Valin, o vale de inovação de Mariana e Ouro Preto, embaixador do Montreal International e lider local do Startup Weekend e da IxDA, a associação mundial de design de interação.
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