Na real há múltiplas faces da vida
- Andreia Donadon Leal (*)
- 10/09/2020
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Nunca recebi tantas mensagens eletrônicas, vídeos, convites para participações em lives e reuniões online. Ficar conectado cem por cento em plataformas digitais era considerado vício da atualidade; agora é necessidade de sobrevivência. Acumulo tarefas, sabe-se lá pra que! Ficar em casa nunca me foi empecilho, mas me incomoda a imposição de não sair às ruas; aceito a situação em nome da saúde social. Tenho a sorte de ter a leitura e a arte como companheiras, entradas e saídas pela vida. Meu mundo não caiu, mas deu um giro 180 graus, obrigando-me a rever rumos e prumos. Perdi amigos que foram levados pela Covid-19 ou por comorbidades que requeriam atenção, mas o sistema estava focado na Covid-19. Sinto falta das rodas de conversas com amigos. Envelheci, engordei, meus cabelos ralearam e esbranquiçaram; ando rabugenta, impaciente e exigente. No auge da menopausa, ondas de calor sobem e descem pelo corpo e nervos. Som alto de música me enerva, profundamente. Cadê os fones de ouvidos? Cadê as máscaras dos transeuntes e dos que se sentam nos bancos do ex-jardim de Mariana? Deus, tende piedade; eles não sabem o que fazem! “Você está neurótica”. Diz um cá, outro lá. Aprenderam a não respeitar a opinião e as medidas de biossegurança. Transpiro e esqueço os discursos envenenados alheios. Riem dos outros, não! Não existe telha inquebrável. Nunca tive tanto apreço por piadas sem graça, diálogos imbecis, vídeos com pessoas desentoadas, dançando ou cantando. Fã de bobagens inocentes, meus níveis de serotonina se elevam. É tempo para purificação da alma, expurgação das emoções negativas e exortação de atividades e compromissos inarredáveis. Ora, aproxima-se a primavera, tempo de florescência. Setembrou por nossas bandas. Ventos sopram o fim de inverno, chamando primavera, epifania do belo! Florescem ipês por todos os cantos. Tempo morno e quente. Pedreiro reclama do calor excessivo. Deveras, o sol se robustece para expurgar o inverno, abrindo horizonte para a estação das flores. Desejo de deambular pelas ruas, sem me preocupar com a pandemia… O cenário não favorece desobediências e estultices. Passo a perna na morosidade do tempo, engendrando filmes linguísticos, mirando as imagens dos ipês. Quanto milagre há na natureza e na arte de capturar a explosão das flores. Setembro dá cócegas na ponta da minha barriga. Despeço-me de frustrações, conflitos e emoções negativas que me emperram friamente nas sendas do inverno. Enxoto discursos negativos, desligo o aparelho móvel, abro as janelas, deixo o vento e sol entrarem nos cômodos. Há graça na simplicidade da vida e no ciclo dos que vêm e vão. Ainda não sei, nem quero saber o momento exato do meu reflorescimento. Florescer em pura essência é saber ser ipê amarelo, roxo, branco, ou de qualquer cor da vasta paleta da natureza, em lives reais para amenizar efeitos dos tempos de pandemia, provocando sorrisos, afugentando tristezas, e nos alertando para ver além do virtual, pois “na real” há múltiplas faces da vida.
(*) Andreia Donadon Leal é Mestre em Literatura pela UFV e autora de 16 livros; Membro efetivo da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais e Presidente da ALACIB-Mariana
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