Cartas pra Mãe: “O avesso do avesso do avesso"

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O ex-presidente do Uruguai José Mujica se despede do Senado uruguaio - Fonte: Reprodução/El País Brasil - Foto: Pablo Porciuncula/AFP

Mãe,

Essa semana, Pepe Mujica se despediu da política e o mundo está um pouquinho pior desde então. 

Aos seus 84 anos, renunciou ao seu cargo como senador no Uruguai porque, segundo ele, “política se faz com gente” e, pela pandemia, isso já não é mais possível para Pepe.

Então, se a senhora me der licença, vou mudar o destinatário desta carta, colocar o código postal de Montevidéu e escrever pro Mujica, pode ser? 

Hola, Pepe! 

Você anda por aí sem terno e sem gravata, levando o seu vira-lata no fusquinha azul piscina. Com esses olhinhos de bom moço que escondem tanta brabeza de guerrilheiro, você andou conquistando gentes e mais gentes! Sabia? Mas, Pepe, corta essa! Para com isso. 

Deixa de lado essa “mania” de simplicidade, despeça da sua chacrinha escondida e aja com mais sensatez: compre logo uma mansão, um cachorrinho de raça, coloque uns óculos de intelectual e um bom mocacin. 

Não, mi amigo Pepe. Não é que o seu socialismo puro já não faça sentido nesse mundo. Não é que essa história de viver com pouco já tenha ficado démodé. Não é que você esteja passando vergonha com seu fusca barulhento. Nada disso. 

É o seguinte: tem gente que te admira porque você é um diferentão. Você é o oposto da maioria. É, como diz o Caetano, o “avesso do avesso do avesso”.

Você nem imagina, Pepe, mas tem gente por aí que acha super retrôcult essa sua história de simplicidade, de só acumular o que precisa. 

Então, te digo: Pepe, corta essa! Vamos fazer um pacto (vos y yo; yo y vos): de agora em diante, você vai deixar de ser o “político mais pobre do mundo”, como alguns te chamam, e passará a ser o mais rico. Que tal?

Já que a ideia foi minha, a parte difícil fica pra você: é sua missão continuar sendo o diferentão. Sendo o avesso do avesso.

Imagina só as manchetes: “Mujica, o presidente mais rico do mundo”! 

É assim que funciona: você vai andar de jatinho e terno preto; vai acumular mais dinheiro do que possa contar; vai esquecer da cara do povo (e, se possível, vai reclamar do cheiro do povo, como fez um presidente verdeamarelindo); vai ser uma pessoa assim bem cheta (ou metida, como dizemos aqui no Brasil). Entendeu? 

E, aí, todos os jornais vão publicar a anormalidade: “Um político rico!”. Que rareza! E o povo todo vai admirar sua coragem e seu desprendimento sociocultural. 

Vamos fazer a sua história às avessas, Pepe, pra ver se o mundo entende que anda olhando pro lado errado! Vamos fazer da exceção, a regra, Pepe, pro mundo entender que, há tempos, está ao contrário. 

Me despeço do senhor (agora não é mais “você”, viu só?).

Saludos e obrigada por tudo!



(*) Jamylle Mol é jornalista e marianense.

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